Comecei retomando esse texto para explicar um termo que uso para definir excelentes autores, que é “artesão”. Não é meramente uma questão de contar uma história (embora eu reconheça que contar uma boa história é algo difícil bagarai), mas realmente trabalhar naquilo, utilizar as palavras não só da forma como todos nós (pobres mortais sem talento) usamos.
Vou citar três exemplos disso que aproveito para deixar aqui como sugestão de leitura:
a. “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa.
Para falar sobre a dualidade humana, Rosa faz uma obra toda cheia de duplos em vários detalhes da obra. Por exemplo, a linguagem utilizada por Riobaldo ao contar suas histórias é tanto a do sertanejo quanto uma linguagem culta (o que dá um toque atemporal para a narrativa, há de se frisar). O tempo da narrativa varia a todo momento entre presente e passado. E por aí segue. Compreendem? Para provar seu ponto de vista, ele não conta simplesmente uma história: ele trabalha essa história.
b. “Budapeste”, de Chico Buarque.
É o tipo de livro do qual não posso falar muito senão estrago (ótimas) surpresas. Mas adianto que todos os elementos da obra estão voltados para criar o efeito da conclusão da obra, até mesmo a capa! É algo para dar um nó na cabeça mesmo, um livro dentro de um livro. E digo: o melhor livro que saiu em Literatura Brasileira nos últimos anos.
c. “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess.
Ahá, acharam que eu não comentaria da experiência de leitura nem um tiquinho? É realmente um livro impressionante, e o trabalho do Burgess foi além de criar um vocabulário para os adolescentes que ele queria retratar. A obra tem 21 capítulos (21 é a idade de maioridade plena na cultura anglo-americana), dividido em três partes de sete capítulos cada. Essa divisão é baseada no mónologo sobre as sete idades do homem na peça “As Thou Like it” de Shakespeare.
Estão aí, três casos de sujeitos que foram além no uso das palavras. Não é meu único critério de avaliação, mas confesso que tenho uma queda por sujeitos que sabem inovar.