Cometi um erro emocional, Beatriz se imaginou contando à amiga dois dias depois — foi o que ele disse assim que abri a porta, o tom de voz neutro, alguém que parecia falar de uma avaliação da Bolsa, avançando sem me olhar como se já conhecesse o apartamento, dando dois, três, quatro passos até a pequena mesa adiante em que esbarrou por acaso, depositando ali o vinho com a mão direita e a pasta de textos com a esquerda (e ela se viu desarmada no meio de três sinais contraditórios, o erro, o vinho, o texto, mais a espécie de invasão de alguém que está à vontade — o que ela havia sonha-do, Beatriz teria de confessar à amiga, e ambas achariam graça da ideia — à vontade, mas não do modo correto) e Beatriz fechou a porta devagar com um sorriso de quem se vê imersa na ironia, e isso é bom; e se virou para escutar o resto, agora vendo-o com as mãos livres, a silhueta contra a luz, os braços brevemente desamparados daquele homem magro:
— Eu me apaixonei por você.
Tag: o filho eterno
Top5 livros em 2009
Continuando com a tradição e aproveitando a onda de retrospectivas de final de ano, resolvi elaborar o top5 de livros lidos esse ano. Lembrando que assim como aconteceu em 2008, não são especificamente lançamentos de 2009. A surpresa para esse ano ficou por conta dos autores nacionais. Li pouquíssimos, mas mesmo assim eles são maioria na lista. E é isso. Se quiserem comentar sobre os melhores livros que vocês leram esse ano, o espaço dos comentários está sempre aberto. No mais, espero que alguns dos títulos sirvam de sugestões para quem está querendo ler algo mas não tem ideia do que.
TOP 5 LIVROS EM 2009!
Eu estava quase deixando o Seth Grahame-Smith entrar com How to survive a horror movie, mas depois lembrei de quanto me diverti me identificando com a relação de Hornby com suas leituras. É para ser divertido e consegue sê-lo do começo ao fim. Lembro até agora de algumas passagens como quando está indignado com os rumos que uma história tomou e aí comenta: “ I just sort of lost my grip on the book. Also, someone gets shot dead at the end, and I wasn’t altogether sure why. That’s a sure sign that you haven’t been paying the right kind of attention. It should always be clear why someone gets shot. If I ever shoot you, I promise you there will be a really good explanation, one you will grasp immediately, should you live.” O senso de humor do Hornby afiadíssimo como sempre, falando de algo que eu adoro. Tinha que vir para o top5.
Eu já ouvi comentários de que ele se inspirou bastante (digamos assim) no livro Uma Questão Pessoal, de Kenzaburo Oe. Como só li O Filho Eterno, prefiro não entrar nesse campo. A verdade é que embora breve, a obra de Tezza é forte, daquelas que realmente mexem com o leitor fazendo não só com que pense sobre o que está ali escrito, mas também sinta. Como já comentei antes, é a melhor prova de que um livro não precisa ter dezenas de inovações estilísticas para ser um bom livro. Uma história que ganhe o leitor como acontece em O Filho Eterno já basta.
Eu preciso confessar que o que chamou minha atenção inicialmente era o enredo, envolvendo zumbis. Um faroeste com zumbis, pense só. E a medida que você vai conhecendo Mavrak (cidade que é quase uma personagem dentro do romance) logo percebe que não se trata de uma obra sobre zumbis, mas com zumbis. O conflito do narrador com suas lembranças, uma tentativa de conhecer-se através do passado, reconstruir-se. Para não falar de recursos que Xerxenesky utiliza, rendendo momentos ótimos que vão além da contação de história.
Leminski não se dedicou tanto à prosa quanto à poesia, o que não deixa de ser uma pena se considerar os trabalhos com os contos (como pode ser visto na coletânea Gozo Fabuloso) e com Catatau, o romance ideia. Quase que uma releitura tupiniquim (e caótica, muito caótica) de Esperando Godot de Beckett, aqui temos um Descartes alucinado no Brasil, esperando por Artiscewsky. O leitor é tragado pelo fluxo de consciência do narrador (Descartes), deixando a lógica completamente de lado. Há ritmo, quase como se fosse para ler em voz alta, um romancepoema inesquecível.
Mais zumbis? Sim, mais. Mas mesmo que você não seja lá muito fã de histórias com mortos-vivos, vale a pena a leitura pelo que Max Brooks faz com o que já é um tema tão batido. A ideia da contrução da história a partir de depoimentos dos sobreviventes do que seria uma guerra mundial contra os zumbis é perfeita para uma metáfora sobre como é fácil simplesmente deixar a humanidade de lado. É uma obra marcante, uma pena que ainda não tenha tradução para o português, embora eu ache que com o filme que está para sair logo chega por aqui.