Só Garotos (Patti Smith)

Muito embora em Só Garotos Patti Smith justifique a obra como uma promessa que fizera à Robert Mapplethorpe, de escrever a história de suas vidas, a verdade é que o livro vai muito além de uma simples biografia e mostra um retrato perfeito do que é se comprometer com a arte, viver por isso. De como quem está nesse mundo respira influências e transforma o contato com cada pessoa que cruza seu caminho em um poema, uma canção, uma fotografia, um quadro.

E talvez por isso a leitura de Só Garotos seja tão cativante: porque lemos não só a história do amor de Patti por Mapplethorpe (amor que muda com o tempo, mas mesmo assim é e sempre foi amor), mas também o amor dela pela arte. Desde as leituras que ela cita de quando ainda pequena, antes de ir para Nova York, até o momento em que passa a comentar das amizades com pessoas como ninguém mais ninguém menos do que o grande poeta Allen Ginsberg.

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Na floresta do bicho-preguiça (Anouck Boisrobert, Louis Rigaud e Sophie Strady)

Há pouco através de Para ler o livro ilustrado (de Sophie Van der Linden) reparei em duas constantes sobre os livros infantis: a primeira é o preconceito de que é bobagem, puro entretenimento e que nada tem a ver com arte. A outra é como faltam traduções de (bons) livros ilustrados aqui no Brasil, que venham justamente contrariar a primeira ideia que se faz desses. Especialmente os franceses, que parecem estar sabendo explorar muito bem a perfeita combinação entre texto e ilustração que essas obras pedem.

E agora a Cosac Naify lança Na floresta do bicho-preguiça, primeiro livro pop-up da editora. Obra dos franceses Anouck Boisrobert e Louis Rigaud, com texto de Sophie Strady, esse livro ilustrado chega justamente para mostrar ao público como é possível mesclar linguagem e imagem de forma rica, encantadora e – ok, o mais importante para as crianças – divertida.

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Sangue Quente (Isaac Marion)

A primeira vez que li Isaac Marion foi em uma tradução do conto I am a zombie filled with love que li no blog Jesus Me Chicoteia. Foi paixão a primeira leitura, entrou naquela seleta lista dos contos favoritos. Marion mostra ali um estilo bastante introspectivo mas ao mesmo tempo tão cativante, com passagens como “Não há um motivo real para nada disso mas, como eu disse, o mundo foi simplificado. O amor foi simplificado. Tudo é fácil agora. Ontem minha perna caiu, e eu nem liguei.“. E justamente por ter gostado tanto do conto é que fiquei muito feliz quando soube que Marion o transformou em um romance chamado Warm Bodies, e mais feliz ainda quando vi que a Leya trouxe para o Brasil a tradução desse livro, chegando aqui com o título Sangue Quente.

Mas aí caímos no velho problema das altas expectativas. É evidente que com Sangue Quente finalmente em mãos eu simplesmente devorei o livro, porque precisava ver o que Marion tinha feito daquela história que eu tanto gostara. A questão é que, infelizmente, o romance não fica a altura do conto, talvez justamente por ter que apresentar mais elementos que justifiquem o gênero (mais longo). Então por mais que o livro seja bom e valha a pena conferir, para quem conheceu I am a zombie filled with love fica um gostinho um pouco “agridoce”, digamos assim.

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24 Contos de F. Scott Fitzgerald

Sempre que me perguntam sobre qual livro ler de um escritor, eu costumo fugir da indicação óbvia dos grandes romances caso ele tenha também criado uma série de contos. O que funciona em ter uma coletânea de contos como porta de entrada para o universo de um autor é que serve como pequenas amostra grátis, aperitivos ou seja lá qual for o termo que achar mais apropriado para uma breve experiência do que será ler algo escrito por essa pessoa. Como contos são breves, se for ruim você não perderá tanto tempo assim. E como são vários, há a oportunidade de conhecer várias facetas e estilos de um escritor antes de se aventurar por seus romances.

É por isso que se alguém me perguntasse sobre F. Scott Fitzgerald, por mais que ele tenha em sua bagagem grandes clássicos da língua inglesa como O Grande Gatsby e Suave é a Noite, ainda assim eu indicaria a coletânea 24 Contos de F. Scott Fitzgerald traduzidos por Ruy Castro e publicados pela Companhia das Letras como porta de entrada para a obra desse grande escritor norte-americano.

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Alma e Sangue: O Pacto dos Vampiros (Nazarethe Fonseca)

O maior problema das séries literárias é que bem, elas são séries. Como tal, por mais que você se divirta em saber um pouco mais das personagens que gostou no primeiro livro, começa então a sentir aquela sensação de que seria melhor parar, antes que a trama desande. Foi o que eu senti ao ler O Pacto dos Vampiros, da brasileira Nazarethe Fonseca. Dando continuidade aos eventos de O Despertar do Vampiro e O Império dos Vampiros, vemos a personagem Kara Ramos enfrentar novos desafios na complicada sociedade vampiresca criada por Fonseca, cheia de regras, proibições e punições.

É preciso adiantar: O Pacto dos Vampiros não é ruim, é talvez o que tem mais ação dos três livros e finalmente resolve o problema com o qual eu implicava, daquela parte dedicada a um flashback bem no clímax da história. Ele ainda conta com pontos bastante favoráveis se comparar com o que tem saído de histórias de vampiros atualmente, como por exemplo o fato de a protagonista não ser uma mocinha indefesa que fica sentadinha esperando seu amor a salvar, ou ainda de a trama principal se sustentar só na melação do amor de uma mortal por um vampiro (a saber, Kara já é uma vampira desde o segundo volume).

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Gertrudes e Cláudio (John Updike)

Descrever os eventos que ocorreram antes de Hamlet, a peça de Shakespeare. Parece bastante ousado, considerando a quantidade de apaixonados pela peça, a quantidade de estudiosos que ela acumulou ao longo dos séculos e, mais importante, por ser de Shakespeare. Mas John Updike assume a tarefa no romance Gertrudes e Cláudio, livro publicado em 2000 que conta a vida de Gertrude desde um pouco antes de casar com rei Hamlet até o primeiro ato de uma das obras mais famosas do teatro.

O livro toma como base três fontes diferentes: a mais antiga é o registro da história da Dinamarca por Saxo Grammaticus (século XII). Também usa como referência o texto do francês François de Belleforest (século XVI) e óbvio, o próprio Hamlet de Shakespeare. O romance é dividido em três partes, e em cada uma delas algumas personagens apresentam nomes com grafias diferentes (Getrudes, por exemplo, é Gerutha na primeira parte e Geruthe na segunda). As mudanças não são sempre explicadas, mas o autor explica que tanto Cláudio quanto Polônio “latinizaram” o nome quando o irmão de Rei Hamlet assumiu o poder.

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Boa Ventura! (Lucas Figueiredo)

Algumas pessoas costumam torcer o nariz quando assunto é História, mais especificamente História do Brasil. Talvez tenha alguma coisa a ver com o processo que na escola transforma futuros leitores em odiadores de Literatura (e Literatura Nacional), mas a realidade é que para muita gente passar no vestibular significa, entre tantas coisas, tirar o peso de “coisas chatas” como essa. E aí que pessoas assim acabam perdendo livros excelentes como Boa Ventura! de Lucas Figueiredo, que já no subtítulo deixa claro sobre do que se trata: A corrida do ouro no Brasil (1697-1810) – A cobiça que forjou um país, sustentou Portugal e inflamou o mundo.

O que de fato é uma pena. O trabalho de investigação que Figueiredo entrega ao leitor é delicioso, repleto de curiosidades mas, o mais importante, muito bem alinhavado. Não é romance (acredito ser algo que se enquadraria em “Jornalismo Histórico”), mas dada a fluidez e coesão do texto, e mais ainda, a galeria de personagens que passam pela obra, poderia muito bem ser lido como tal.

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O Longo Adeus (Raymond Chandler)

Feche os olhos e pense em um detetive particular dos filmes e livros noir. Pensou? Provavelmente o que veio na sua mente foi aquele sujeito meio cínico, de atitudes violentas quando necessárias, senso de humor corrosivo e cujo visual assemelha-se muito com Humphrey Bogart usando chapéu e capote, e sempre com um cigarro por perto, como dá para ver nessa imagem aqui:

Isso não acontece à toa. Muito do que se lê/vê de noir teve fortíssima influência de Raymond Chandler (1888-1959), que nos tempos do pós-Guerra e pós-Depressão escreveu várias histórias com uma personagem que viraria modelo de detetive particular, Philip Marlowe. E é lendo obras como O longo adeus (publicada originalmente em 1954) que dá para ter uma ideia de porque a personagem ficou tão famosa e, mais do que isso, porque é tão imitada.

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Para ler o livro ilustrado (Sophie Van der Linden)

Carregado do preconceito de “coisa para criança”, o livro ilustrado (ou picture book em inglês) parece render pouca discussão e até mesmo merecer pouca atenção do público mais velho. Mas fica a ênfase para a palavra “parece”, como mostra Sophie Van der Linden em seu excelente Para ler o livro ilustrado (publicado no Brasil recentemente pela Cosac Naify). Através de uma pesquisa bastante aprofundada ela nos mostra que de simplório esses livros não têm nada, e possuem mecanismos próprios e complexos, no que vem a ser uma combinação do texto com a imagem.

Como a autora mostra ao longo do seu estudo, o livro ilustrado evoluiu muito desde as primeiras versões em xilogravura do século XVIII até os dias de hoje. Os artistas exploram cada vez mais a infinidade de possibilidades do casamento entre a escrita e a ilustração, indo muito além de um simples contar história. Ele chama o leitor para dentro dela, faz com que ele participe, faça parte daquilo. O livro vem como uma máquina cujo motor é o leitor.

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Luka e o Fogo da Vida (Salman Rushdie)

Vinte anos após a publicação de Haroun e o Mar de Histórias, Salman Rushdie publica o que seria uma continuação desse primeiro livro, Luka e o Fogo da Vida. De fato, personagens do primeiro livro reaparecem, mas como o foco desta vez é o caçula do contador de histórias Rashid Khalifa, o que temos é uma obra que pode ser lida de forma independente sem apresentar qualquer dificuldade de compreensão.

Luka e o Fogo da Vida foi escrito para o filho mais novo de Rushdie, e assim voltado para o público infantojuvenil. Mas é o típico caso de livro escrito para um público mas que pode agradar todo tipo de leitor, porque resgata não só a magia de histórias já conhecidas (sejam de mitologias milenares, seja do imaginário da cultura pop), mas também a estrutura básica dos contos populares, dando aquela sensação de familiaridade com o texto que permite para quem o lê simplesmente se deixar levar pela história, seduzido página após página pelo mundo encantado criado por Rushdie.

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