Faraco abre Lágrimas na chuva: Uma aventura na URSS citando o clássico do cinema Blade Runner, para explicar o título que escolheu para seu livro de memórias. Nas palavras do androide Roy Batty, “Eu vi coisas que vocês nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro na Comporta Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva.” E apesar da explicação, e mesmo do subtítulo, a verdade é que não há como antecipar todas as surpresas que essa breve obra pode trazer ao leitor.
Lágrimas na chuva é autobiográfico, trazendo, como indica o subtítulo, as lembranças do tempo que o autor viveu na URSS, entre os anos de 1963 até 1965. O leitor acostumado a ter uma visão americana da década de 60, amplamente divulgada pelo cinema, acaba esquecendo que paralelamente havia um mundo todo “do lado de lá” da Cortina de Ferro. Mundo esse que Faraco vai conhecer quase que por acaso, com o que no momento seria a sorte de preencher “a cota” necessária para ganhar a oportunidade de estudar no Instituto Universal de Ciências Sociais em Moscou, junto com outros brasileiros.
É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro, de posse de boa fortuna, deve estar atrás de uma esposa. Essa frase já foi repetida e parodiada tantas vezes que o sucesso de Orgulho e Preconceito da britânica Jane Austen é simplesmente inquestionável. O livro já ganhou várias adaptações para o cinema e tv. Povoa tão fortemente o imaginário coletivo que já foi recontado com outros elementos, que vão de vampiros até zumbis. Isso para não falar das referências na cultura pop (ou você acha que a escolha de Darcy para o par romântico de Bridget Jones é uma coincidência?). O que trocando em miúdos já é o suficiente para entrar naquela seleta lista de leituras obrigatórias, nem que seja para compreender o que faz tanta gente ser apaixonada pelos casal criado por Austen, Elizabeth Bennet e Mr. Darcy.
A realidade é que excluindo as condições históricas (casamento como salvação, código rígido de comportamento para mulheres, etc.) uma grande parte das pessoas já viveu um momento “orgulho e preconceito” ou, por que não tomar emprestado o primeiro título que Austen deu à obra, “primeiras impressões”. A situação de Elizabeth, que em um baile conhece um Mr. Darcy que se acha obviamente melhor do que todos os presentes e então aos poucos vai conhecendo mais desse homem e descobrindo que fizera uma imagem equivocada dele não é um privilégio da heroína de Austen. Seus colegas de escola ou trabalho em algum momento já passaram por isso. Você já deve ter passado por isso. E é esse um dos motivos que faz de Orgulho e Preconceito uma obra tão encantadora, esse reconhecimento que transforma-se (através da prosa hábil de Austen) em empatia.
Você já se apaixonou à primeira página? Comigo isso não acontece muito frequentemente, sou chata e preciso lá de umas 20 páginas para esse tipo de coisa. Mas eis que tinha em mãos a máquina de fazer espanhóis do português valter hugo mãe (é gente, é tudo assim em minúsculas mesmo), e aconteceu. Lendo as primeiras frases, fui completamente tragada pela correnteza de seus longos parágrafos, com o coração até batendo mais forte ao passar em alguns períodos (e isso não é figura de linguagem). “Há alguém por aí que pensa algumas coisas que eu também penso, mas consegue colocar em palavras com uma genialidade sem igual”, passa por minha cabeça enquanto vou virando as páginas. Pronto, me apaixonei.
Já tinha ouvido falar em valter hugo mãe, apontado como um dos grandes nomes da literatura portuguesa do momento. Mas eu realmente não fazia ideia de que sua prosa teria tanta força, tanto esteticamente quando do ponto de vista dos temas que aborda (e como o faz). A comparação com José Saramago (outro lusitano) é inevitável, mas há de se fazê-la considerando como algo positivo. Não trata-se de autor sem talento querendo copiar um grande mestre. valter hugo mãe tem influência clara, mas estilo próprio.
Um ursinho de pelúcia é preso e julgado por uma série de crimes, sendo considerado um perigosíssimo terrorista. É essa a ideia principal que alinhará os eventos em Winkie, romance do escritor Clifford Chase e lançado aqui pela Bertrand Brasil. Considerando essa premissa, seria constatar o óbvio falar que trata-se de uma história carregada pelo nonsense. De qualquer forma, vale a pena se libertar das amarras do “mundo real” e mergulhar de cabeça nessa realidade onde ursos ganham vida e ainda precisam batalhar por ela.
Dividido em três partes, o livro narra a história do urso Winkie partindo do começo de sua captura, para então em um flashback contar como ele ganhou vida e de como (e o motivo pelo qual) deixou a família com que vivia e então retorna para o momento de seu julgamento. Desses três momentos, talvez o mais enrolado seja o do flashback, embora ele fosse necessário para criar empatia pela personagem, conhecendo mais de seu passado e então compreendendo de como ele chegou na situação em que estava quando foi preso.
Lembro de uma campanha de incentivo à leitura cujo slogan era “Quem lê viaja”, o que acaba destacando uma qualidade forte do hábito de ler, o de nos transportar para outro tempo e outro lugar durante aquele breve momento em que passamos os olhos pelo texto. Para a criança essa característica é ainda mais forte, já que ela ainda tem o vínculo com o fantástico, aquela capacidade de se deixar surpreender e de acreditar em coisas que nós adultos acabamos considerando impossíveis após determinada idade.
E é por isso que uma coleção como a “Isto é…” de M. Sasek tem tudo para agradar ao público infantil. Com ilustrações lindíssimas, somos apresentados às grandes cidades do mundo, como que se estivéssemos andando por suas ruas e vendo suas principais atrações e características. O livro foi criado por Sasek com a ideia de servir como um guia turístico para as crianças, mas com o tempo ele se revela muito mais do que isso, já que ele foi escrito no final da década de 50, e então revela também informações que já são históricas (como o fato de ter existido um vagão de primeira classe no metrô de Paris). Continue lendo “Coleção “Isto é…” (M. Sasek)”
Já deve ter acontecido em algum momento com você. Por conta de algum livro começou a tomar gosto pela leitura, e queria sempre mais e mais. No início qualquer coisa serve, mas o gosto começa a ficar refinado e aí as escolhas começam a se afunilar. Em uma metáfora tosca, é mais ou menos o mesmo processo que fez com que durante a adolescência você tomasse vinho Sangue de Boi achando ótimo, e hoje em dia não abre garrafa que tenha custado menos de 30 reais. O equivalente dessas “garrafas de mais de 30 reais” no mundo literário são os clássicos. A questão é que nem sempre é fácil definir o que é um clássico, que dirá quais livros são clássicos e quais não são.
E é para auxiliar tanto nessa definição, como também na apresentação de algum desses que Italo Calvino traz para os leitores Por que ler os clássicos?. O livro é na realidade uma coleção de artigos do autor, todos voltados aos grandes títulos literários. O charme dessa obra é que ela não é algo que só possa ser “digerida” por estudantes de literatura, mas tem tudo para encantar e auxiliar os leigos que estão justamente nesse ponto em que querem ampliar os horizontes literários mas ainda estão um pouco perdidos em uma selva com tantos livros já publicados ao longo dos séculos.
Publicado pela primeira vez em 2008, O Museu da Inocência é o livro mais recente do escritor e ganhador do prêmio Nobel Orhan Pamuk a ganhar tradução aqui no Brasil. O romance fala basicamente do amor de um homem sobrevivendo ao tempo, mas seria injusto reduzir a obra a apenas isso. Tal como um passeio por um museu, a realidade é que O Museu da Inocência oferece possibilidades variadas de leitura, e talvez nisso resida um dos tantos charmes desse excelente livro.
Através do texto de Pamuk somos levados à Istambul da década de 70, conhecendo o protagonista e narrador da história, Kemal. Ele é um homem de 30 anos, rico, feliz e noivo de uma mulher da sociedade, tendo um futuro promissor. Uma vida perfeita, embora não seja nesse momento que ele reconheça a própria felicidade. O que o narrador nos confidencia é que ele nunca fora mais feliz do que em uma tarde passada com a amante, uma prima distante chamada Füsun, que reencontra por acaso mas que nunca mais sai de sua vida.
Não sou daquelas pessoas que podem dizer que começaram a acompanhar House desde o começo. A primeira vez que vi foi em março de 2006, quando a série já estava na segunda temporada. Mas mesmo que conhecendo um pouco mais tarde, a verdade é que me apaixonei e desde então acompanho todos os episódios, ficando com aquele baita ponto de interrogação na testa a cada season finale, e conhecendo pouco a pouco essa personagem, que no final das contas apresentou tantas facetas ao longo de sete anos.
E acho que foi por isso que me diverti tanto com O Guia Oficial de House, de Ian Jackman. Foi como ver sob um ângulo diferente algo que eu já conhecia, além de uma oportunidade de relembrar grandes momentos (e diálogos!). Além disso, muitos detalhes da produção, desde o episódio piloto até a conclusão da sexta temporada (sim, é um livro bem recente, que inclui até pergunta para Olivia Wilde sobre Tron, por exemplo). Vai muito além da já famosa história da fita que Hugh Laurie mandou para o casting quando tentava o papel do título.
E por ser um volume tão grande de informação, é essencial que seja bem organizado, o que O Guia Oficial de House certamente é. Divido em capítulos com diferentes fases da produção de House, mesclados com outros sobre as personagens, a verdade é que você fecha o livro com a sensação de que esteve lá dentro do set, acompanhando tudo, tamanha é a quantidade de detalhes que Jackman expõe para o leitor (para ter uma ideia, até o que está impresso nos envelopes sobre a mesa do médico é dito no livro).
Quando lemos um pouco sobre a literatura do século XIX, muitos dos nomes que conhecemos até os dias de hoje tinham algo em comum, que era a publicação de seus escritos em jornal. Na maior parte das vezes eram contos, ou romances públicados em capítulos tais como se fossem novela, que garantiam o ganha pão do autor e a diversão de várias pessoas em uma época sem televisão, computador ou seja lá o que as pessoas considerem entretenimento hoje em dia. Edgar Allan Poe, Sir Arthur Conan Doyle… tenha certeza, muitos desses não estariam entre nossos favoritos caso não tivessem ganhado um espaço em periódicos daquele tempo.
E é pensando justamente nisso que a proposta da editora Arte e Letra para a revista Estórias é tão importante. Em uma revista-livro caprichadíssima, temos o que de certa forma seria a versão moderna daquelas publicações do século XIX: a possibilidade de conhecer novos escritores e de resgatar outros tantos que podem por ventura ter sido esquecidos com o passar do tempo. É um espaço para quem escreve, mas é também (e isso é importante destacar) diversão garantida para o leitor que busca na leitura não só prazer, mas a certeza de ter um texto de qualidade em mãos.
Para quem conheceu Hunter S. Thompson através de Medo e Delírio em Las Vegas, Rum: Diário de um Jornalista Bêbado vem como um choque. Não espere em momento algum aquela loucura regada a todo tipo de drogas visto no primeiro, porque Rum, apesar do que o título indica, é um título bem mais sóbrio do escritor. Tem tons autobiográficos, alguns indícios dos delírios que veremos em títulos futuros, mas fica por aí. Talvez uma explicação para a falta de exagero seja que trata-se do primeiro romance do escritor, que ficou engavetado por quase quartenta anos e só foi publicado em 1998.
Na história temos Paul Kemp, um jornalista que viaja até Porto Rico para trabalhar no Daily News. Ele procura esse trabalho buscando fugir da vida que levava em Nova York, também tomado um pouco pelo ideal de fazer a diferença em sua área de atuação. Chegando lá ele logo torna-se amigos de alguns colegas do jornal, numa relação que vai da camaradagem à traição, com todos vivendo em um país extremamente instável, e trabalhando em um lugar que não oferece de fato qualquer garantia.