O anel mágico da minha tia Tarsila (Tarsila do Amaral)

A pintora Tarsila do Amaral é bastante conhecida em aulas que falam do movimento modernista no Brasil – é uma obra dela, Abaporu, presente da artista para o escritor Oswald de Andrade, que inaugura o  movimento antropofágico. Foi uma mulher que conquistou seu espaço na história das artes plásticas brasileiras, tendo seus quadros mais famosos reconhecidos até por aqueles que não são estudiosos de arte. Além deAbaporuAntropofagia e A Negra, por exemplo, revelam muito do seu estilo e são bastante famosos não apenas no Brasil.

Quando a artista faleceu, sua sobrinha tinha apenas oito anos. A menina recebera o mesmo nome da tia, Tarsila do Amaral, e é ela que escreveu o livro infantil O anel mágico da minha tia Tarsila, que traz consigo a óbvia (e ótima) proposta de apresentar para uma geração de crianças brasileiras as obras mais importantes dessa pessoa que ela tanto admirava. O resultado é um excelente livro que mescla uma história fantástica (que certamente atrairá a atenção das crianças) com obras de Tarsila (a tia) e outras ilustrações. Continue lendo “O anel mágico da minha tia Tarsila (Tarsila do Amaral)”

The Discreet Pleasures of Rejection (Martin Page)

Virgil um dia chega em casa (a saber, um apartamento em uma região de prostituição de Paris) e percebe que a secretária eletrônica está piscando. Vai ouvir a mensagem, na qual uma moça chamada Clara diz de forma bastante precisa que não pode mais continuar o relacionamento com Virgil, e que está tudo acabado entre os dois. O detalhe: Virgil não conhece, ou pelo menos não lembra de nenhuma Clara, que dirá de ter em algum momento namorado a menina.

Este é o ponto de partida do romance The Discreet Pleasures of Rejection, de Martin Page, que chegou aqui no Brasil pela Rocco como Talvez uma história de amor. Assim como em sua obra mais famosa, Como me tornei estúpido, Page parte de uma premissa amalucada para mergulhar fundo nos pensamentos de sua personagem principal, e explorá-los de tal forma que por mais doido e cheio de manias que seu protagonista possa parecer, ainda assim ele lembra muito do próprio leitor, ou de pessoas conhecidas do leitor.

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Pergunte ao Pó (John Fante)

Em Literatura, como em qualquer outra arte, influência é sempre uma constante. Às vezes sem nem ter consciência disso, o autor escreve algo que de certa forma lembra a obra de outro escritor, como se existisse um DNA que fosse passado de geração a geração através de novos livros. Um “DNA” bastante recorrente na literatura contemporânea é o de John Fante, mais especificamente com seu livro Pergunte ao Pó. Procure um pouco e não será difícil encontrar nomes que se dizem influenciados por essa obra, como por exemplo Charles Bukowski.

É ele quem abre a edição da José Olympio, com uma ótima introdução que representa muito bem o encontro de um leitor com uma obra que o modificará, que entrará na lista dos favoritos e por lá ficará muito tempo. É quase como mágica, as frases simplesmente vão aparecendo em um ritmo único, como se fosse uma canção feita para hipnotizar uma pessoa. É difícil chegar a uma resposta sobre o que especificamente encanta, mas Pergunte ao Pó é simplesmente apaixonante.

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Como me tornei estúpido (Martin Page)

Há tempos ouço falar de Como me tornei estúpido do francês Martin Page. Pela premissa (jovem decide se tornar estúpido, como o título indica) eu já tinha mais ou menos ideia do que encontraria, mas mesmo assim minha surpresa com esse livro foi enorme, e muito positiva. Enquanto lia a história de Antoine ficava pensando “Por favor, que o Page já tenha escrito mais coisas porque depois desse vou querer ler mais!”. Tudo é cativante. O jeito de contar a história, as sacadas geniais de Page, o protagonista… É daqueles casos em que o único aspecto negativo que você pode encontrar para o livro é o fato de ele ser muito curto (só 158 páginas, em um formato quase do tamanho de livro de bolso).

Em Como me tornei estúpido temos Antoine, um rapaz de seus vinte e tantos anos que se dá conta que é infeliz por causa de seu senso crítico e inteligência. A primeira saída que encontra para o problema é o alcoolismo – esse momento é o que Page usa para já alertar o leitor que seu livro é cheio de humor, e principalmente humor nonsense: Antoine não consegue se tornar alcoólatra porque com meio copo de cerveja já entra em coma. Ele busca então o suicídio, e um curso para tal, mas logo acaba deixando de lado a ideia. É aí que começa o projeto de se tornar estúpido.

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Por que não sou cristão (Bertrand Russell)

O britânico Bertrand Russell foi já em vida reconhecido não só por seu raciocínio lógico, mas também pela defesa da liberdade de pensamento, tanto que em 1950 ganhou o prêmio Nobel “em reconhecimento dos seus variados e significativos escritos, nos quais ele lutou por ideais humanitários e pela liberdade do pensamento”. É talvez que justamente por conta desses aspectos de seu trabalho que Por que não sou cristão mereça uma leitura mesmo daqueles que o são, sem preconceitos religiosos ou não, apenas vendo como pensa “o outro lado”.

Em uma coletânea de 14 ensaios envolvendo principalmente religião, Russell mostra de forma clara sua visão a respeito do que é crer e dos motivos pelos quais ele não crê. Em alguns momentos, talvez até mesmo pelo senso de humor e simplicidade com o qual discursa sobre tema tão complexo, ele lembre bastante os artigos de Richard Dawkins, biólogo famoso por suas duras críticas às religiões. Mas não achem que por Russell ter sido um filósofo Por que não sou cristão trata-se de um livro apenas para iniciados, qualquer um com um mínimo de curiosidade sobre o assunto pode acompanhar muito bem os ensaios de Russell.

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Zuckerman Acorrentado (Philip Roth)

O escritor norte-americano Philip Roth é dito por muitas pessoas como um dos melhores de seu país atualmente – já ganhou prêmios como o Man Booker e o Pulitzer para reforçar essa ideia. Por conta de suas origens, um tema constante em sua obra é a questão da identidade dos judeus nos Estados Unidos, o que pode ser visto em muitas de suas obras, como por exemplo Nêmesis, que ganhou tradução recentemente pela Companhia das Letras. No mesmo mês foi lançado também pela série listrada a coletânea Zuckerman Acorrentado, que conta com três romances e uma novela envolvendo a personagem Nathan Zuckerman, considerado o alter ego do escritor.

Nesta coletânea, talvez até por termos Zuckerman em cena a questão da identidade do judeu abre espaço para uma combinação entre essa mais a questão da identidade do escritor. O quanto da vida de alguém que vive da escrita está refletido em suas obras, de como por pertencer a um determinado grupo social o autor acaba carregando consigo uma espécie de obrigação em falar de seu povo, e mais – falar bem. São essas as questões que tomam conta de Zuckerman Acorrentado, alinhavando os três romances e o que é considerado seu epílogo. Continue lendo “Zuckerman Acorrentado (Philip Roth)”

A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (Washington Irving)

Lançada no primeiro semestre deste ano, a coleção Eternamente Clássicos das editoras Leya e Barba Negra buscam trazer ao público histórias que são bastante conhecidas, já fazendo parte do nosso imaginário coletivo, ganhando adaptações para as mais diversas mídias. O primeiro título foi O Mágico de Oz, e recentemente foi lançado o segundo, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, do norte-americano Washington Irving.

A escolha do conto de Irving para a coleção é de fato bastante acertada, considerando sua proposta. Eu, por exemplo, já conhecia a história da Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça de cor, embora nunca a tenha lido. E isso por quê? Por causa das diversas adaptações, incluindo aí até uma feita pela Disney (eu não encontrei no Youtube, mas tenho certeza que quando criança assisti uma em que o Pateta fazia o papel do professor Crane), ou uma da década de 90, feita por Tim Burton.

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Paciente 67 (Dennis Lehane)

Lançado lá fora como Shutter Island, aqui no Brasil o livro de Dennis Lehane chegou pela Companhia das Letras em 2005 com o título Paciente 67, e depois da adaptação para o cinema ganhou novo título, Ilha do Medo (seguindo o nome do longa com Leonardo DiCaprio). Lembro que quando o filme saiu em 2010 fiquei bastante curiosa por conta dos inúmeros elogios, mas acabou que a oportunidade de ler o livro no qual ele foi adaptado veio antes, e talvez isso tenha sido melhor. Não que o roteiro se sustente apenas nas surpresas e mistérios que vão se apresentando ao longo da história, mas é sem dúvida um dos aspectos chave da trama, o que prende a atenção do início ao fim.

Se você já ouviu falar no gênero “Thriller”, acredito que não estou exagerando ao dizer que este foi um dos melhores que li em muito tempo (e sim, eu tenho uma queda por esse tipo de história). Lehane desenvolve uma trama que dá sentido a frases como “narrativa eletrizante” que tanto atribuem ao gênero mas que os títulos nem sempre entregam ao leitor. É suspense do começo ao fim, e suspense de qualidade, com um enredo complexo, tenso e muito bem amarrado.A história de Paciente 67 situa-se em 1954, quando o detetive Teddy Daniels encontra no ferryboat o detetive Chuck Aule, que será seu companheiro de missão. Eles devem ir para a Shutter Island, conhecida por abrigar um hospício para criminosos do qual uma paciente fugira na noite anterior, sem deixar qualquer rastro ou pista de como o fizera. Chegando na ilha, aos poucos a história de Teddy nos é revelada, e também aos poucos vamos conhecendo melhor o sanatório – e junto dos detetives passamos a desconfiar do que de fato é realizado ali.

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24 Letras por Segundo (Vários)

Não é segredo que o cinema usa muito da literatura como inspiração. É só pensar que uma das maiores premiações da sétima arte tem uma categoria dedicada a roteiros adaptados – majoritariamente de livros. E como seria o caminho inverso, da telona para as páginas? Pois a Não Editora trouxe a resposta com a coletânea de contos 24 Letras por Segundo, organizada por Rodrigo Rosp. O título é uma referência à cadência de projeção padrão de cinema, e acredite, a brincadeira de referências vai muito além disso: basta ver a capa (que lembra uma uma fita vhs, daquelas que emprestávamos em locadoras), as ilustrações que antecedem cada conto e até o “Por favor, rebobine o livro” no final. É muito divertido ficar procurando esses detalhes, e é um ponto altíssimo para a Não Editora o cuidado que tem com o visual dos livros que publicam, já que eles também tem no catálogo o ótimo Ficção de Polpa.

Por falar em Ficção de Polpa, saiba que se você é como eu mais um daqueles fãs da série que aguarda ansiosamente o quinto volume, 24 Letras por Segundo vem como um ótimo remédio para aliviar a espera. Como boa parte dos contistas já publicaram nos volumes do Ficção de Polpa (Bernardo Moraes, Rodrigo Rosp, Juarez Guedes Cruz, Silvio Pilau, Bruno Mattos, Samir Machado de Machado, Antônio Xerxenesky e Rafael Bán Jacobsen), há ali uma gostosa sensação de familiaridade, é quase o mesmo que dizer que deu para matar saudades.

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40 Novelas (Luigi Pirandello)

Embora seja mais conhecido como dramaturgo, o siciliano e ganhador do Prêmio Nobel Luigi Pirandello (1867-1936) produziu literatura dos mais variados gêneros, incluindo a poesia e as novelas. São essas que se encontram reunidas no volume 40 Novelas que faz parte da Coleção Prêmio Nobel da Companhia das Letras, com seleção, tradução e (excelente) prefácio de Maurício Santana Dias. Todos os textos dessa coletânea depois foram desenvolvidos por Pirandello em peças de teatro (das 40, 31 peças foram originadas), por isso serve como apresentação para os que não conhecem o autor, e como aprofundamento para quem já conhece a porção dramaturgo de Pirandello.

As novelas presentes na coletânea lembram muito a definição que Nádia Gotlib apresenta em Teoria do Conto: não tanto ligada ao tamanho do texto (alguns são curtos o suficiente para serem definidos como contos), mas por levar “a marca do eu criador (…) que tenta representar uma parcela peculiar da realidade, segundo seu ponto de vista único”. São indiscutivelmente marcados por um tom único que só Pirandello conseguiria imprimir aos pequenos retratos daquela Itália de Pirandello, vivendo a transição do passado com a modernidade, e talvez por isso mesmo misturando a melancolia com o humor de um jeito único. São pequenos recortes, alguns de momentos até bem banais (como o da novela que abre a coletânea, Limões da Sicília), com outros que trazem um toque sutil de fantástico, como O filho trocado. Continue lendo “40 Novelas (Luigi Pirandello)”