Such a Fun Age (Kiley Reid)

Emira Tucker é uma garota de 20 e tantos anos convencida de que perdeu o bonde para a fase adulta: todas suas amigas já estão trabalhando na área em que estudaram, algumas até comemorando promoção. E Emira, mesmo formada, não sabe muito bem o que quer fazer da vida. Por conta disso, paga as contas com trabalhos que não oferecem grandes vínculos (nem benefícios), entre eles babá de uma família de ricos, os Chamberlain.

Em uma noite especialmente ruim para Emira (comemorando o aniversário de uma amiga e percebendo justamente o quanto está ficando para trás), os Chamberlain pedem que ela venha correndo ajudá-los a distrair a filha mais velha enquanto lidam com uma janela quebrada. Emira leva a pequena Briar para um mercado da região e em determinado momento é abordada pelo segurança: uma cliente achou estranho uma menina tão pequena em um mercado naquela hora, e sugere que ela tenha sido sequestrada. Ah, sim, claro: Emira é negra, Briar é branca.

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Enterre seus mortos (Ana Paula Maia)

Enterre seus mortos, romance de Ana Paula Maia publicado em 2018 pela Companhia das Letras tem já em seu primeiro parágrafo uma série de elementos que (nas palavras do narrador) enfurecem os sentidos. Um triturador imenso está moendo os restos de uma vaca. O diálogo que segue a descrição da máquina em funcionamento é surpreendentemente banal: o animal é grande demais, algum osso está emperrando a máquina.

Esse tratamento prosaico dispensado à morte (aos restos, ao que vemos com tanto nojo) será uma constante ao longo do romance. O protagonista Edgar Wilson1 é um sujeito de poucas palavras que trabalha retirando animais mortos da estrada que passa perto de uma mina de calcário. No seu cotidiano, a morte é banal, é algo que simplesmente acontece: “Observava diariamente a vida evoluir para a morte“.

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  1. não sei se porque o livro me foi recomendado como terror, mas o nome na minha cabeça soava quase como um cacófato de ideias: Edgar (o Poe) e Wilson do conto William Wilson do Poe. 

Nothing to See Here (Kevin Wilson)

Logo após completar os 28 anos, trabalhando de caixa em dois mercadinhos e ainda morando com a mãe, Lillian Breaker recebe uma proposta irrecusável de uma amiga dos tempos de escola, Madison Roberts: ajudar a cuidar de seus dois enteados (Bessie e Roland) durante o verão. Partindo desse ponto não parece que o que virá a seguir será uma história cheia de momentos que beiram ao absurdo, outros hilários, e alguns assustadores. Mas Nothing to See Here de Kevin Wilson contraria o próprio título: há muito para se ver ali.

O interessante é que tudo vai sendo revelado aos poucos, através das palavras da narradora-protagonista Lillian. Como uma pessoa que já tomou algumas bordoadas na vida, confiança não é exatamente uma característica que ela possui, então é evidente que não entregará o jogo rapidamente. São algumas páginas para revelar que talvez Madison nem seja mais sua amiga (o que tornaria o pedido estranho). Segue um pouco mais para contar a razão para a dúvida sobre a amizade. E lá vão umas trinta páginas quando ficamos sabendo as reais condições da proposta de Madison: seus enteados simplesmente pegam fogo quando estão nervosos. O pai das crianças está em um momento crucial da carreira e precisa ficar longe de qualquer tipo de escândalo, por isso Lillian deve garantir que as crianças não causem problemas durante o verão.

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Meet Me in the Bathroom: Rebirth and Rock and Roll in New York City 2001-2011 (Lizzy Goodman)

Observando de longe, histórias de bandas de rock não são muito diferentes entre si, seja lá a qual década elas pertençam. Um elemento ou outro pode até faltar, mas no geral quase todos estarão lá. As narrativas são construídas a partir de encontros ao acaso. Tem aquele momento meio aleatório da escolha do nome da banda que depois significará tanto para tantas pessoas. O trabalho duro e os shows em lugares pequenos anteriores à fama, contrastando com o completo assombro ao passar a tocar em lugares enormes e lotados.

Com a fama, os atritos entre personalidades fortes e egos gigantes passam a ser mais constantes, piorados pelo abuso de drogas e bebidas. Surgem projetos paralelos e ciúmes, algum membro acaba resolvendo ir embora ou acaba morrendo. A banda acaba. Ou continua, mas resignada que aquele momento de explosão é único e não se repete.

Dito isso, é óbvio que Meet Me in the Bathroom de Lizzy Goodman não fugirá da regra ao falar de bandas do começo dos 2000, como The Strokes, Interpol e Yeah Yeah Yeahs. Mas o charme do livro não está nas coisas que todo fã saberia, mas em como ao usar várias vozes, a jornalista consegue fazer um retrato tão preciso do momento em que essas bandas estiveram no auge. 

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State of the Union

Um casal em crise se encontra uma vez por semana em um pub, um pouco antes do horário da terapia. Ela toma sempre vinho branco, ele uma London Pride. Enquanto esperam, conversam sobre o relacionamento e as expectativas – em uma conversa salpicada com referências aos mais variados assuntos atuais, desde aplicativos como o Tinder até o Brexit. Ah, sim: tudo isso em 10 minutos.

Esse poderia ser um resumo de State of the Union, série com roteiro de Nick Hornby (autor de Alta Fidelidade) e dirigida por Stephen Frears (diretor da adaptação para o cinema de Alta Fidelidade, hehe). Interpretando o casal Tom e Louise temos Chris O’Dowd (de The IT Crowd, e vá lá, depois de Juliet, Naked virou minha referência para protagonista do Hornby) e Rosamund Pike (de Garota Exemplar). Ou seja: um monte de gente bacana no projeto, não tinha como dar errado.

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Daisy Jones & The Six (Taylor Jenkins Reid )

Quando tinha lá meus 12 anos indo para os 13 lembro que encontrei em uma locadora perto de casa uma VHS de um documentário chamado A Year and a Half in the Life of Metallica. Era uma espécie de diário de produção do Black Album na primeira parte, e a turnê de lançamento do disco na segunda (a saber, eram duas VHS, o que aumentava o preço da locação). Nessa época Metallica não era exatamente minha banda favorita, mas depois desse documentário me encantei de tal jeito pelo grupo que por dois anos batizei meus diários com nomes de membros da banda (a saber, Lars e Jason).

Já vão aí mais de 20 anos e tenho poucas lembranças do documentário em si (lembro do Kirk chamando um táxi HEY OH TÁXI, HEY OH TÁXI e até hoje quando preciso acenar para um táxi a cena vem na memória), mas enfim, o essencial era trazer o fator humano. Aproximar um pouco mais, aquela espiada na vida dos caras que criaram músicas que você adora. E é nessa linha que meu coração se encheu de nostalgia ao ler Daisy Jones & The Six, de Taylor Jenkins Reid. Contando a história de uma banda fictícia dos anos 70 através de depoimentos de membros da banda e pessoas com quem conviveram e trabalharam, o livro se concentra exatamente nisso, lembrar que há pessoas atrás das suas músicas favoritas.

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Spoonbenders (Daryl Gregory)

Já tinha um tempo que Spoonbenders estava na minha lista de livros para ler, mas eu me enrolava e nunca começava a leitura. Lançado lá fora em 2017, já tinha pintado até em algumas listas de melhores dos gringos (ainda não tem tradução no Brasil, infelizmente) – e sempre que batia os olhos no título pensava “ei, parece legal, tenho que ler” tipo uma Dory dos livros. Enfim, chegam as férias, o final do ano e eu finalmente começo a ler. E caramba, que livro perfeito para o momento.

É aquela coisa: cabeça cansada, uma leitura leve cai como uma luva. Spoonbenders é assim: gostoso, divertido. Enquanto lia pensava que a história parece implorar por uma adaptação para a Netflix, em um formato fechado como A Maldição da Residência Hill. Aliás, era outra coisa que passava constantemente por minha cabeça, de como ao assumir as relações de família como o coração da história, acaba agradando até quem não é fã do gênero (aqui no caso seria Fantasia/Ficção Científica). Continue lendo “Spoonbenders (Daryl Gregory)”

As melhores leituras de 2018

Quase chegando no final do ano, não tenho lá grandes esperanças de sequer terminar The Spoonbenders ainda em 2018, então acho que já dá para fechar a lista com segurança. Tanta coisa bacana este ano que confesso que tive que dar umas chunchadas na minha lista, incluindo duas regras novas (“não vale releitura”, “hq fica separado”), o que significa deixar de fora Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas do Machado de Assis e As Bruxas de Salém do Arthur Miller. E as hqs estão no post anterior.

Sobre os do Machado: segundo semestre fiz uma optativa maravilhosa com o professor Luís Bueno. A ideia de ler em um intervalo curto de tempo os principais romances do Machadão foi ótima, até porque te dá uma visão diferente do todo. Enfim, acabei me reapaixonando por Machado – deve ter uns 10 anos aí da última vez que li os romances, e bater os olhos no Brás Cubas logo em 2018 é um daqueles momentos mágicos do livro certo na hora certa.

(Aliás, dessa experiência tenho que dizer: é esquisito dizer que um livro é seu livro favorito depois de tantos anos e preciso urgentemente reler alguns.)

Então é isso, lista dos favoritos logo após o pulinho – não está exatamente em ordem porque afinal, separar dez já foi complicado.

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As coisas que perdemos no fogo (Mariana Enríquez)

Não sei bem como começar. Quero falar de tantas coisas, talvez o ideal seria comentar comentar brevemente cada um dos contos, porque todos são ótimos – algo raro em coletânea de contos, convenhamos. Se tem alguma escala de mais para menos no livro é “assustador”, e mesmo assim isso não tem relação alguma com a qualidade deles.

De forma geral o que ficou da leitura de As coisas que perdemos no fogo de Mariana Enríquez foi: como nossa história é parecida com a da Argentina e como eu nunca tinha me tocado disso. Como frases do tipo “All electronics were cheap – TVs and stereos, photo and video cameras. It couldn’t last long, said my parents, it couldn’t be true that an Argentine peso had the same worth as a dollar” me transportaram para minha adolescência em 1994, no início do Plano Real.

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The Elementals (Michael McDowell)

Desde Stoner volta e meia acabo pensando em como todo o processo do que faz um livro sobreviver ao tempo da publicação original pode ser meio injusto. Não sei bem quais os elementos daquele 1965 que deixaram para trás um livro tão bom, que hoje em dia ganhou até tradução para o português porque no começo dos anos 2000 uma editora resolveu republicá-lo.

Não dá um comichão, pensar em quantos outros tantos títulos também não estão por aí, esquecidos, esperando serem resgatados? Outro exemplo: o ótimo Mrs. Caliban de Rachel Ingalls (de 1982) e só voltou a ganhar alguma atenção porque foi relançado seguindo o rastro do sucesso do último Del Toro, A Forma da Água. Não fosse o filme, talvez nenhuma editora enxergasse a possibilidade de publicar novamente o título.

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