Everyone’s Reading Bastard (Nick Hornby)

Enquanto autores ainda debatem ou nadam contra a maré de possibilidades que a internet e os e-readers podem trazer, outros parecem já estar não só se familiarizando, mas também sabendo tirar proveito disso. É o que fica evidente com o novo título de Nick Hornby, Everyone’s Reading Bastard (ainda sem publicação em português). Trata-se de uma novela publicada pela Byliner– uma editora digital que publica obras originais que podem ser lidas rapidamente. A grande sacada da proposta, acredito, nem é exatamente oferecer contos e novelas, mas de disponibilizá-los em lojas virtuais como Amazon e Barnes & Noble por um preço mais do que convidativo: $1.99. Se considerar que já é simples a compra de um livro através do Kindle, por exemplo, dá para ter uma ideia de quantas pessoas vão comprar sem nem ter lido a sinopse (eu, por exemplo, vi que era Nick Hornby e nem pensei duas vezes).

Mas não é só por essa publicação pela Byliner que vejo Hornby circulando com muita segurança no mundo pós-internet. Enquanto alguns autores ainda têm receio de incluir temas e mesmo situações que envolvam o mundo virtual, Hornby parece usá-los como se fizesse isso desde sempre. Repare como mesmo nos livros infantojuvenis, que em teoria deveriam estar melhor conectados com essa nova realidade, a maioria dos adolescentes retratados têm um estranho desinteresse pormessengersTumblrs e afins (nunca esqueço da Bella de Crepúsculo pesquisando sobre vampiros… EM UM LIVRO!). Quanto aos romances “para adultos”, parece que aos poucos trocas de e-mail são incluídas, mas é um movimento bastante tímido. As personagens modernas em sua maioria parecem todas presas em 1990, ironicamente. Continue lendo “Everyone’s Reading Bastard (Nick Hornby)”

O horror em Red Hook (H.P. Lovecraft)

O nome de H.P. Lovecraft é um dos que comumente aparecem em listas de mestres do horror na literatura. Não é por acaso: o universo que ele criou com os Mitos de Cthulhu por si só já bastaria para reconhecer o talento que este escritor tinha para escrever histórias arrepiantes, daquelas que deixam o leitor tenso do início ao fim. Porém ao leitor que não mergulha de fato no mundo de Lovecraft, pode ficar a sensação de que o autor produziu apenas histórias sobre os Grandes Antigos, o que não é verdade. Lovecraft explorou o horror de formas diversas, como fica claro no título da Coleção 64 Páginas da L&PM,O horror em Red Hook.

O livro de bolso traz uma seleção de três contos que chamam a atenção justamente por não fazerem parte das histórias relacionadas a Cthulhu. Há controvérsias sobre o primeiro conto, “O horror em Red Hook”, mas em uma leitura mais superficial dá para considerá-lo um título fora do mito. Neste primeiro conto somos apresentados ao policial Malone, que depois de um caso que envolveu prédios caindo em Red Hook precisou fazer um retiro para não enlouquecer. O que aconteceu em Red Hook é revelado aos poucos, mostrando uma história envolvendo rituais satânicos.

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The Paris Wife (Paula McLain)

Muito bem posicionado em listas dos mais vendidos lá fora, The Paris Wife de Paula McLain vem com uma proposta bem interessante: narrar a história de Ernest Hemingway e outras figuras da dita “Geração Perdida” que viveu em Paris na década de 20, sob o ponto de vista da primeira esposa do escritor norte americano, Hadley. De certa maneira, acredito que muito do sucesso do livro tenha acontecido por conta do lançamento do filme de Woody Allen, Meia Noite em Paris, que criou um grande interesse por parte do público sobre os grandes nomes das artes que circulavam por Paris naqueles tempos.

E digo isso porque o livro por si só não explica o fato de ele estar entre os mais vendidos. É uma ótima ideia, porém muito, muito mal executada. O começo ainda passa alguma impressão de que será uma leitura que valerá a pena – Hadley, a narradora, avisa de antemão que não trata-se de um livro de mistério, construído de modo a descobrir quem será a segunda esposa de Hemingway (Pauline, uma amiga de Hadley que conhece o escritor em Paris). A franqueza da narradora conquista o leitor, o problema é que a atenção logo é perdida com devaneios completamente desnecessários para a narrativa. Continue lendo “The Paris Wife (Paula McLain)”

Os gatos (Patricia Highsmith)

É certo que gatos não são exatamente uma unanimidade. Tem o time dos que dizem preferir cachorros, ou que simplesmente não gostam do estilo extremamente independente do bichano. Eu, gateira que sou, não consigo compreender quem não goste – compreendo sim, quem prefira cachorros, tenho certeza de que se pudesse ter urso panda em casa eles seriam meus animais de estimação favoritos. E se você é alguém que prefere cachorros aos gatos deve, num exercício de empatia, compreender a relação dos que preferem gatos como seus bichanos, não é mesmo?

É essa relação que fica evidente no livro Os gatos, de Patricia Highsmith. Como o título já anuncia, é um livro de uma gateira para gateiros. Somente alguém que aprecia tanto os bichanos poderia publicar uma obra que consiste em três contos, três poemas e um ensaio cujo tema principal (ou, no caso dos contos, personagem principal) são os gatos. O carinho da autora por esses bichos é claro, até porque o que se vê nas páginas do livro são reflexos de quem observa e convive com eles. E é por isso que certamente agradará muito aqueles que também gostam de gatos.

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As Esganadas (Jô Soares)

Você já deve ter passado por isso em algum momento: depois de anos reencontra um amigo, no começo fica achando que não terão muito assunto porque afinal, faz tempo que vocês não se veem. Mas mal começam a conversar e a sensação que tem é que não passaram mais do que um dia sem se encontrar, tamanha a familiaridade entre vocês. Digo isso porque foi mais ou menos o que senti ao ter em mãos As Esganadas, novo romance de Jô Soares.

Tem mais de 15 anos da última vez que li algo do Jô, no caso foi O Xangô de Baker Street, que trazia Sherlock Holmes para o Brasil em uma história muito divertida. No caso de As Esganadas, não foi preciso ler muitas páginas para ter aquela (boa) sensação de reencontro, o Jô Soares que eu tinha conhecido tanto tempo antes estava ali novamente, em uma fórmula até bem semelhante ao do primeiro romance dele, com um crime e bastante humor, usando como recorte algum período histórico e algumas personagens emprestadas da ficção e da própria História.

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O Cemitério de Praga (Umberto Eco)

Os Protocolos dos Sábios de Sião são tidos hoje em dia como uma fraude, esteve presente em alguns pontos importantes da história desde que surgiu. Foi utilizado pela polícia secreta do Czar Nicolau II (como modo de reforçar a posição desse) e anos depois por Adolf Hitler, para justificar a perseguição aos judeus. O texto é uma espécie de ata de uma assembléia na qual judeus e maçons se encontram para planejar a dominação mundial, através do acúmulo de riquezas, entre outras metas. A questão é que a autoria dos Protocolos é bastante nebulosa: não se sabe ao certo quem escreveu, até porque para alguns parte do documento é cópia de outros escritos, sendo adicionado ao texto o elemento antissemita.

O que Umberto Eco faz com seu O Cemitério de Praga (lançado no Brasil pela Editora Record) é criar um romance usando como premissa justamente esse caráter misterioso e tom de teoria de conspiração que envolve Os Protocolos dos Sábios de Sião. É por si só um prato cheio para uma excelente trama, que não deve nada para aqueles que gostam de histórias que envolvam complôs, espionagens e outros elementos de narrativas similares.

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O vendedor de armas (Hugh Laurie)

Thomas Lang (protagonista e narrador do primeiro romance do britânico Hugh Laurie) entrega logo de cara o que O vendedor de armas tem a oferecer: um punhado de ação, recheado de comentários ácidos sobre as pessoas e sobre si mesmo. Contratado para assassinar um homem, ele recusa a proposta e segue avisar essa pessoa que sua cabeça está a prêmio: é aí que começa a se envolver em um caso que tem até a CIA e o Ministério da Defesa britânico, para se ter uma ideia. O livro parece prometer muito, mas logo nos primeiros capítulos já começa a decepcionar.

O maior problema talvez seja abuso do uso do recurso de reviravolta. São tantas aos longos das páginas que chega uma hora que você até se perde – não consegue confiar em nada nem ninguém e meio que continua lendo só para saber no que vai dar. Até porque o excesso de reviravolta acaba já preparando o leitor, que lá pela metade do livro já sabe que “lá vem mais uma” – mas ao contrário dos bons livros que dão vontade de continuar lendo, até pela curiosidade, as ditas “reviravoltas” são tão simplórias que não atraem.

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Mozipedia: The encyclopedia of Morrissey and The Smiths (Simon Goddard)

Para quem viveu os anos 80 ou mesmo para quem gosta da cultura daquela década, é impossível falar de música sem citar a banda The Smiths. Formada em 1982 e liderada por Steven Patrick Morrissey (mais conhecido pelo sobrenome, Morrissey), o grupo apresentava muitos dos elementos principais das músicas mais populares daquela época, com letras bastante melancólicas falando sobre solidão e inadequação. Mesmo quem não consegue relacionar o nome à música, provavelmente já ouviu em algum momento hits como Heavens Knows I’m Miserable Now, How Soon Is Now?Bigmouth Strikes AgainPanic eAsk.

Mas como é bastante comum na história de muitas bandas de rock, um desentendimento entre Morrissey e o guitarrista Johnny Marr acabou levando ao fim da banda cinco anos após sua formação original. A partir daí Morrissey seguiu uma (muito bem) sucedida carreira solo, com músicas ainda bastante similares ao estilo dos Smiths e outros grandes hits, como Everyday is Like Sunday e Suedehead – carreira essa que continua até os dias de hoje, sendo que o último álbum do músico (Years of Refusal) saiu em 2009.

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Morango Sardento e o valentão da escola (Julianne Moore)

Você provavelmente já viu Julianne Moore em algum filme. A atriz atuou em produções famosas como Minhas Mães e Meus PaisEnsaio sobre a cegueiraAs HorasMagnólia e O grande Lebowski, um currículo certamente invejável. O que pouca gente sabe é que Moore também já se aventurou pelo mundo das letras, escrevendo para crianças a série de livros com a personagem Morango Sardento (Freckleface Strawberryno original), que começou a ser publicada aqui no Brasil no ano passado, pela Cosac Naify com o primeiro título, Morango Sardento (com tradução de outra atriz, Fernanda Torres, e texto da quarta capa escrito por uma conhecida sardentinha brasileira, Debora Bloch).

Agora chega por aqui o segundo livro da série, também pela Cosac Naify: Morango Sardento e o valentão da escola, agora com tradução de Denise Fraga e texto da quarta capa por Mario Bortolotto. Continuando a parceria com a artista vietnamita LeUyen Pham, o livro traz uma história sensível e alegre sobre um tema que costuma ser bastante difícil, o bullying.

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A Gangue do Pensamento (Tibor Fischer)

Pense em um livro que em dado momento tem o seguinte parágrafo:

“Há um momento na vida em que se precisa sair de um carro que contém um criminoso imperdível, e, trajando um uniforme zunindo de ridículo, entrar à força num empório de azeitonas, numa tentativa de resgatar um assaltante à mão armada maneta, e tombar morto a tiros.”

A citação acima é do livro A Gangue do Pensamento, do escritor britânico Tibor Fischer, e representa muito bem o que o leitor terá em mãos ao começar a ler o romance. Não é um livro comum em diversos sentidos. Mas a insanidade da trama é certamente para poucos até porque Fischer não é sutil: quem pensa que o trecho citado é um momento máximo da loucura da história, é bom já saber que desde o começo é assim.

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