Deixa ela entrar (John Ajvide Lindqvist)

deixaelaentrarMeu primeiro contato com o romance Deixa ela entrar, do sueco John Ajvide Lindqvist, foi através da adaptação para o cinema de 2008, chamada Låt den rätte komma in. O responsável pelo roteiro do filme foi o próprio Lindqvist, então rapidamente imaginamos que há uma grande aproximação entre o filme e o livro – o que para mim ficou evidente ainda no mesmo ano, quando li a tradução para o inglês da obra (chamada Let the right one in). E desde então muita água rolou, o filme ganhou uma versão americana (chamada de Deixe-me entrar, que eu ainda não vi), e agora a Globo Livros lançou uma tradução em português direto do sueco, com o título Deixa ela entrar, que tive a oportunidade de ler recentemente. Aviso de antemão que como eu não sei lhufas de sueco, qualquer comentário a seguir sobre a tradução é baseado em teorias e, bem, na lembrança da primeira leitura em inglês.

Até por causa da relativa demora para o livro chegar por aqui é importante contextualizar a obra, para compreender o porquê de ela conquistar tanta gente. A estreia do filme em 2008 (o livro é de 2004) coincidiu com o auge da febre Crepúsculo, que trazia o conceito de vampiros para adolescentes. A franquia de Stephenie Meyer não é de maneira alguma precursora, mas é certamente uma das maiores divulgadoras de uma fórmula que foi repetida exaustivamente ao longo dos anos (na realidade, até hoje), sempre trazendo o amor impossível entre um ser sobrenatural (vampiro, lobisomem, fantasma, boitatá, ou o que for) com um humano. E Deixa ela entrar tem essa fórmula, porém de uma forma muito, muito diferente do que esperamos em livros do tipo. A obra de Lindqvist acabou se tornando um anti-Crepúsculo, ou ainda, um Crepúsculo para quem não suporta uma dose muito alta de sacarina e prefere nossa realidade, muito mais dark. Continue lendo “Deixa ela entrar (John Ajvide Lindqvist)”

Agora é que são elas (Paulo Leminski)

No último dia 20 aconteceu na Livraria Cultura aqui de Curitiba um evento de lançamento do livro Toda Poesia, do Paulo Leminski. Se você, caro amigo caçador de autógrafos, já torceu o nariz pensando “Lançamento sem o autor? Pffft!” tenho que dizer que foi um dos eventos mais bacanas que já presenciei: a ideia foi de criar uma espécie de sarau, onde pessoas leram poesias do Leminski ou tocaram músicas que de alguma forma se baseavam na obra do poeta. Teatro lotadíssimo, um clima bacana e, por que não dizer, uma amostra grátis de um pouco do que aquele livro de capa laranja berrante tem para oferecer. Saí de lá morrendo de vontade de reler Toda Poesia. Saí também com um Agora é que são elas embaixo do braço.

Sobre o título, eu tinha uma vaga lembrança de um folder presente na bagunça do quarto do meu irmão (que eu adorava explorar em busca de cds para emprestar). O folder era de uma peça de teatro, que agora graças à Internet posso confirmar que era uma adaptação dirigida pelo Fiani, apresentada pela Cia Máscaras de Teatro (um beijo, Internet!). Mas talvez por não saber o quem é quem na época, fiquei com a ideia errada gravada na cabeça: de que Agora que são elas era um texto do Leminski escrito para teatro, e não um romance. Então na hora que abri o livro na Cultura tive uma baita surpresa – e por isso resolvi comprá-lo na hora. A saber: o livro foi originalmente publicado em 1984 pela Brasiliense (e lá vão quase 30 anos!), mas ganhou ano passado uma nova edição pela Iluminuras, que também relançou Catatau, com uma capa que faz jogo com a de Agora é que são elas, fica a dica para quem tem TOC. Continue lendo “Agora é que são elas (Paulo Leminski)”

Rock n’ Roll e outras peças (Tom Stoppard)

O nome Tom Stoppard pode não soar muito familiar para você, mas vamos tentar estes aqui: Que tal Brazil, o filme? Ainda nas produções da década de 80, quem sabe Império do Sol? Ou ainda o papa-Oscar Shakespeare Apaixonado? Pois saiba que os roteiros desses filmes tem as mãos de Stoppard, seja em autoria, co-autoria ou adaptação. Não acha que são boas referências ainda? Que tal irmos para o campo em que ele realmente atua, o teatro? Ganhador de vários prêmios Tony, além de ser nada mais, nada menos do que “Sir” Tom Stoppard. Já deu para ter uma ideia da importância da figura, não?

É por isso que a publicação de Rock n’ Roll e outras peças pela coleção listrada da Companhia das Letras vem em tão boa hora. Eu já havia comentado em outro momento como fazia falta uma tradução de Rosencrantz and Guildenstern are Dead aqui no Brasil, imagine então minha alegria ao saber que não seria apenas essa peça, mas uma coletânea dos trabalhos de Stoppard que chegariam em português, traduzidas por Caetano W. Galindo. É livro para fazer os olhos dos amantes de teatro brilharem, e mais importante, é daqueles para apresentar Stoppard para um público que aprecia boa literatura.

A coletânea não está organizada por ordem cronológica, mas a forma como foi montada aproximou temas recorrentes do teatro de Stoppard, quase como se fosse uma galeria de quadros dos mais variados estilos na qual temos a oportunidade de ver um pouco de tudo que ele já fez. Stoppard já escreveu mais de 30 peças, a coletânea traz sete (oito se separarmos O Macbeth de Cahoot de O Hamlet de Dogg, embora o dramaturgo afirme que uma complementa a outra). Algumas delas vem com um texto introdutório de Tom Stoppard, explicando algumas questões sobre a criação do texto, característica de personagem, contexto, etc., o que é ótimo para uma leitura mais fluida dos textos. Continue lendo “Rock n’ Roll e outras peças (Tom Stoppard)”

A probabilidade estatística do amor à primeira vista (Jennifer E. Smith)

Sem qualquer obrigação de leitura (não estou na faculdade, não escrevo para um blog com parcerias e, principalmente, não quero provar nada para ninguém) acaba que meus critérios para escolha de livros estão para lá de aleatórios. Tentei engatar leituras de terror por causa de Little Stranger, mas então vi este livro de capa fofíssima e título meio nonsense e pronto, já fiquei curiosa. Sim,é young adult, então se essa não for sua praia nem perca tempo, porque não tem nada que vá te surpreender em termos de escrita. Mas é tão gostosinho de ler, tão bonitinho, tão -inho, -inho que pelo menos para as meninas que gostam de uma história doce eu certamente recomendo este livro. Trocando em miúdos: tive mais sorte do que juízo, porque se o critério foi bocó, pelo menos o livro não foi uma perda de tempo.

Confesso que as primeiras páginas prenderam minha atenção porque eu simplesmente adoro essa teoria de que pequenos momentos banais dos nossos dias podem significar uma grande mudança em nossas vidas (acho que o exemplo mais lindo dessa ideia foi mostrado em um filme nacional chamado Não por acaso). Hadley por uma série de fatores acaba perdendo seu voo para Londres por exatos quatro minutos, e corre o risco de se atrasar para o segundo casamento de seu pai. Fica evidente logo de cara que a garota não está muito bem com a obrigação de estar lá, muito menos com o fato do pai casar novamente – o que a leva a questionar em muitos momentos o que diabos faz com que uma pessoa que tinha uma vida estável e boa largue tudo isso por causa de uma paixão.

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iDrakula (Bekka Black)

Já comentei diversas vezes que sinto que boa parte dos livros atuais ainda não conseguem retratar o impacto da internet no nosso cotidiano. Não só da internet, é claro, mas de todas as mudanças nas formas de se comunicar que vieram nos últimos 20 anos. Tem livro de adolescente em que o adolescente não manda mensagem de texto ou NUNCA dá uma olhadinha nos emails, por exemplo. Dude, existe algum adolescente que não manda mensagem de texto nem dá uma olhadinha nos emails nos dias de hoje? Não entenda mal, não é uma questão de verossimilhança: os autores criam um universo próprio, se nesse universo adolescente não twitta, tá tudo certo, leia logo a história e não seja xarope, Anica. Oooooook. Mas enfim, o anacronismo chama minha atenção, e por isso fico até surpresa quando encontro um livro que tenha algo aproximado do que é o cotidiano de uma pessoa nos dias de hoje.

E se falo isso tudo, é para explicar o que fez com que eu começasse a ler iDrakula, de Becca Black. Pela sinopse, entendi que a ideia era trazer a história de Drácula para os dias atuais, justamente com a adição do elemento “internet” no enredo: Mina, Jonathan, Lucy, etc seriam personagens que trocariam e-mails e mensagens de texto, ao invés de trocarem cartas como acontece no romance de Bram Stoker. O negócio é que mesmo sabendo do que se tratava o livro, nada poderia me preparar para o susto que foi, logo na primeira página, dar de cara com isso aqui:

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Abraham Lincoln caçador de vampiros (Seth Grahame-Smith)

Quando gosto muito de um autor costumo dar uma segunda chance caso ele me decepcione. Foi o que aconteceu com os livros que li de Seth Grahame-Smith: o primeiro, How to Survive a Horror Movie (ainda sem tradução no Brasil) achei fantástico. Aí chegou Orgulho e Preconceito e Zumbis e foi simplesmente uma decepção. Resolvi dar a tal da segunda chance com Abraham Lincoln caçador de vampiros, e agora fiquei com a sensação de que muito do que não gostei de Orgulho e Preconceito e Zumbis está em ter procurado humor onde não havia humor. Porque é óbvio que ao ler um título que una o nome de um dos mais famosos presidentes americanos com um dos monstros da moda, dá a sensação de que será uma piada atrás da outra (como em How to Survive a Horror Movie), tanto quanto a inclusão de “e Zumbis” no título do romance de Jane Austen. Mas o que Seth Grahame-Smith faz é construir uma aventura das boas usando uma personagem conhecida como ponto de partida. Não vou negar que há alguns momentos de humor, mas são mais leves.Abraham Lincoln caçador de vampiros deve ser lido como você leria qualquer livro que tenha vampiros.1

A história começa com Seth Grahame-Smith contando que enquanto trabalhava como caixa em um mercadinho recebera de um cliente chamado Henry nada mais nada menos do que os diários de Abraham Lincoln. O que ele percebe logo que começa a ler é que há um elemento até então não conhecido na vida do presidente: ele fora um caçador de vampiros. Após a introdução, começamos a ler o que seria uma biografia de Lincoln – mesmo estilo de texto, mesma voz narrativa, as mesmas fotos ilustrando passagens descritas ao longo do livro – só que é aí que vem o truque de Grahame-Smith, que sem abrir mão do que já é conhecido sobre a figura política, inclui o elemento vampiro de forma muito engenhosa. Continue lendo “Abraham Lincoln caçador de vampiros (Seth Grahame-Smith)”


  1. Ok, hoje em dia é melhor enfatizar: vampiros como vilões, monstros. Não os vampiros bonzinhos que se apaixonam por humanas etc. etc. etc. 

Giffy Reviews

Ontem o Tuca me apresentou o que achei um dos tumblrs mais bem sacados dos últimos tempos: Giffy Reviews. A ideia é, através de uma imagem (sim, no formato gif, Sherlock) “resenhar” um livro. Pense assim: é quase um Como eu me sinto quando, só que para livros. E achei tão engraçado que em pouco tempo já tinha visto todas as Giffy Reviews da página, e estava morrendo de vontade divulgar aqui no blog e também de fazer ao semelhante. Não, calma: não vou criar um tumblr assim, nem mudar o formato dos meus posts sobre livros. Mas resolvi entrar na brincadeira e fazer “giffy reviews” de alguns livros que li este ano, mas não comentei por aqui (o plano original, jogado na lixeira do wordpress, era falar deles no formato de um tweet, mas concisão não é bem uma qualidade minha, digamos assim). Vamos lá então, de janeiro até agora, temos:

A Mulher de Preto (Susan Hill)

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The Little Stranger (Estranha Presença, Sarah Waters)

Nunca tinha ouvido falar do livro The Little Stranger de Sarah Waters (lançado aqui no Brasil pela Record como Estranha Presença). O que chama minha atenção para a total ignorância sobre o título foi basicamente o fato de que eu adoro histórias de casas assombradas por fantasmas e bem, The Little Stranger tem uma casa assombrada por fantasmas. Junte aí o fato de que a obra foi finalista do Man Booker Prize de 2009 e pans, wtf Anica, por onde anda sua cabeça? Ok, voltamos à ordem natural das coisas, já li o dito cujo. É realmente uma ótima história de fantasmas, mas ela não é uma história de fantasmas, e daí justamente o seu charme. De certa maneira lembrei muito de A outra volta do parafuso enquanto lia, já que muito dos recursos utilizados por Waters são bastante parecidos com os da obra de Henry James.

As semelhanças começam com a presença de um narrador não confiável, Faraday. Logo de cara  ele descreve seus sentimentos sobre a primeira vez que esteve na mansão Hundreds Hall, quando ainda era criança: uma grande admiração e desejo de ser parte daquilo. Faraday era filho de pessoas humildes, ainda jovem perdeu a mãe e com esforços do pai conseguiu seguir carreira na medicina, e é como médico que retorna à mansão, para cuidar da empregada da família Ayres. Quando chega ao local, descobre que ele não tem mais nada a ver com as memórias de sua infância: decadente e caindo aos pedaços, Hundreds Hall aparece como um símbolo do que as Guerras fizeram com as famílias mais ricas da Inglaterra.

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O Teorema Katherine (John Green)

Já tem alguns dias que terminei O Teorema Katherine de John Green, mas quis esperar alguns dias para ver se envelhecia bem na minha cabeça. Não entenda mal: o livro é divertidíssimo, gostoso de ler, engraçado e cheio de referências bacanas (se você já assistiu a algum episódio do Mental Floss com o John Green vai sacar logo o que quero dizer com isso). Mas… mas… chegou por aqui depois de A culpa é das estrelas. E é até injusto julgar O Teorema Katherine tendo como critério de comparação A culpa é das estrelas, porque há um intervalo de seis anos (e três livros) entre eles, porém, por mais que você repita o mantra “não eleve suas expectativas, não eleve suas expectativas”, o final da leitura deixa um gosto meio agridoce, digamos assim.

Logo de cara para o que eu não gostei para que depois eu vá para o que eu gostei: o livro é MUITO previsível. Ridiculamente previsível. Previsível do tipo: personagem entra na história e você já sabe qual será o desfecho do livro, porque já viu ‘n’ filmes e leu ‘n’ livros assim. Pode ser falta de jeito de um escritor até então não tão experiente (lembrando, este foi o segundo livro publicado do Green lá fora), mas enquanto ele consegue ser bastante sutil e surpreender quando já maduro em A culpa é das estrelas, em O Teorema Katherine ele entrega apenas mais do mesmo. Não tem nada aqui que você já não tenha lido (ou visto) em histórias para adolescentes já contadas nos últimos anos. Além disso, acho que os conflitos das personagens são extremamente rasos, sem profundidade, quando o próprio enredo oferecia uma ótima oportunidade para falar dos desafios de tornar-se adulto de um modo mais sutil.  E se usei a palavra “sutil” duas vezes em um mesmo parágrafo acho que dá para resumir a coisa toda como “falta de sutileza”. Mas veja bem, não estou me contradizendo sobre não poder comparar um com outro pelo intervalo de tempo. É um defeito do livro independente do que Green publicou depois. O problema é que pela ordem de publicação nem todo mundo aqui no Brasil ficará sabendo que O Teorema veio antes de A culpa, e para muitos ficará parecendo que a qualidade da escrita dele caiu, ao invés de evoluir. Então fica o aviso: Teorema veio antes. Não se esqueça disso. E sim, é previsível. Tente não se irritar com isso e leve em consideração os outros aspectos, e você terá algumas horas de diversão, posso garantir.

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O filho de mil homens (Valter Hugo Mãe)

Muitas vezes como leitor você pode dizer que gostou de um livro, mas na realidade gostou do enredo. Ou ainda, gostou das ideias apresentadas pelo autor. Pode também gostar de alguma técnica de narrativa inovadora ou mesmo difícil de usar, mas que o escritor soube dominar muito bem. Mas a verdade é que depois de um tempo como leitor, ter os três elementos combinados vai se tornando algo cada vez mais raro, e é por isso que enquanto lia O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe (agora com maiúsculas!), já o fazia pensando que era livro para entrar fácil nos favoritos do ano. Sim, todos os elementos estão ali. E sim, se você como eu também se apaixonou por A máquina de fazer espanhóis, deve correr atrás sem perder tempo – vale a pena até furar aquela sua interminável lista de leituras pendentes, acredite.

O enredo encanta porque, embora melancólico, é de uma doçura surpreendente. Temos inicialmente um pescador chamado Crisóstomo, que ao chegar nos 40 anos se dá conta que por conta de fracassos na vida amorosa é agora um homem sem filho. E ele realmente acredita que um filho o tornaria completo, tiraria dele uma tristeza na qual mergulhara. “Via-se metade no espelho porque se via sem mais ninguém, carregado de ausência e silêncios como os precipícios ou poços fundos“. Sai então procurando alguém que o aceite como um pai, para encontrar Camilo, metade como ele que com Crisóstomo forma algo inteiro, completo. Até que o menino sugere ao pai que busque uma mulher, para que seja o dobro.

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