Eu começo com um aviso porque não quero passar uma impressão errada sobre É assim que você a perde, de Junot Díaz. Vamos lá: eu gostei da obra. Há algo na prosa de Díaz que te faz não querer largar o livro, quase como se fosse abandonar alguém no meio de uma conversa, não sei. Mas há algo que me incomodou nos nove contos do escritor (do que falarei mais para frente), e além disso, a verdade é que eu ouvia tanto elogio sobre o cara, especialmente por causa de A Fantástica Vida Breve de Oscar Wao, que não dá para deixar de pensar que talvez eu tenha escolhido o livro errado para meu primeiro contato com Díaz. Mas ok, vejamos se eu consigo explicar meus incômodos, ou de como apesar desses, ainda assim chego aqui e digo que gostei do livro.
Como já mencionado, É assim que você a perde é uma coletânea de nove contos. Abre com uma epígrafe linda, citando Sandra Cisneros:
Tudo bem, a nossa relação não deu certo e, para ser sincera, nem todas as lembranças são boas.
Mas até que tivemos momentos felizes.
O amor foi legal. Adorei seu sono irrequieto ao meu lado e nunca sonhei com medo.
Deveria haver estrelas para grandes guerras como a nossa.
A epígrafe e o título do livro apontam para o tema principal dos contos, a unidade da coletânea: rompimentos. Certo? Não, calma. Há rompimentos, vários rompimentos, mas não pense que é só sobre isso, ou que segue o estilo comédia romântica de Hollywood, com o mocinho tendo um momento de iluminação e correndo atrás da mocinha para implorar perdão e que fiquem juntos novamente. Díaz finca os pés na realidade, e ao falar desses rompimentos, prefere partir para a pancada seca do que normalmente acontece do que um retrato falso das histórias de amor.
Alguns escritores infelizmente carregam uma fama de “difíceis” por conta de uma ou outra obra. Digo infelizmente porque é a tal fama que afasta possíveis novos leitores não só da obra que seria a razão desse “estigma”, mas também de outras que ele possa ter vindo a publicar que nada apresentam de hermético ou, digamos, até complicado. O caso mais representativo disso é o de James Joyce, evidentemente. Você, leitor comum, que lê por prazer e não por qualquer obrigação “ego-acadêmica”, provavelmente leu o título deste texto e já torceu o nariz. Ih, Dublinenses do James Joyce. Lá vai mais uma pessoa falando desse cara que eu nunca vou ler porque todo mundo sabe que ele “escreve difícil”. Vamos então para a boa notícia: se o Luciano já afirmou que James Joyce não é tão difícil, tenha certeza que Dublinenses é nada difícil. E pode inclusive convencê-lo a tomar fôlego para as outras obras do irlandês. Mas estou me apressando, vamos por partes.
Primeiro que já tinha lido Dublinenses há alguns anos, em inglês. O fato de eu ter “conseguido” ler sem qualquer dificuldade no idioma original serve para atestar que você não terá nenhum bicho de sete cabeças em mãos caso decida conhecer esta coletânea de contos de James Joyce. Segundo que este mês surgiu uma ótima oportunidade de conhecer o livro, já que a editora Hedra acabou de lançar Dublinenses com tradução de José Roberto O’Shea, um dos grandes nomes da tradução literária no Brasil. A tradução foi publicada anteriormente 20 anos atrás, mas O’Shea teve a oportunidade de revisá-la de tal modo que o próprio tradutor na introdução diz “o texto aqui publicado configura uma nova tradução”. Saiba portanto que se esse será seu primeiro contato com James Joyce, você estará em boas mãos. Continue lendo “Dublinenses (James Joyce)”
Cadê Você Bernadette?, é segundo livro da a escritora Maria Semple, que também trabalhou como roteirista para séries como Mad About You e Arrested Development. O livro saiu ano passo lá fora com o título Where’d You Go Bernadette?, e foi muito bem recebido, ganhando elogios até de autores consagrados como Jonathan Franzen. Com o lançamento recente da tradução pela Companhia das Letras e muitos e muitos elogios do Tuca, achei que era hora de dar uma olhada no livro. Hmkay. Era meio o que eu sabia sobre o livro, fora um breve resumo do enredo que é óbvio, contava com o desaparecimento de Bernadette o dia em que ela, o marido e a filha fariam uma viagem para a Antártida.
Ok. O negócio é que eu realmente não esperava o que acabei encontrando ali. E digo isso de forma positiva. Eu achava que a narrativa já partiria do sumiço de Bernadette e da investigação pela personagem, mas vão lá páginas e páginas do livro em que ela ainda está lá, vivendo com a filha Bee e o marido Elgin em uma casa bizarríssima que na realidade era um internato abandonado. Nesse primeiro momento, o que prendeu minha atenção à história foi uma vontade incontrolável de que algo muito ruim acontecesse com as “gnats”, as mães das colegas de escola de Bee, especialmente Audrey, que parecia até uma daquelas personagens caricatas de comédias que envolvem uma relação complicada entre vizinhos: pense em uma mulher que chega a inventar que foi propositalmente atropelada, ou que invade o quintal da vizinha por causa de plantas que estão invadindo seu terreno. É a dondoca típica, que tenta ganhar um espaço importante na comunidade a qualquer custo, e não consegue compreender por que Bernadette não dá a mínima para esse tipo de coisa (portanto, transformando Bernadette em inimiga).
O quêêê? Rainbow Rowell de novo, Anica? Pois então. Resolvi seguir a sugestão da Marcia e fui conferir o primeiro livro da autora, até porque eu realmente gostei de Eleanor & Park. Não pretendo entrar em comparações aqui, são livros completamente diferentes, e embora o mais recente pareça mais denso, acho que ainda tem muita coisa neste mais antigo para se observar, mesmo que de primeira você pense que é só um livro açucarado como outros tantos. Então, para eliminar de vez o Attachments x Eleanor & Park, basta dizer que há elementos que se repetem como os carinhas UÓÓÓÓMMMM! ou as meninas cheias de neuras sobre o corpo. Há também um punhado de referências culturais, que fazem a leitura ainda mais divertida, e nos dois casos você devora o livro sem nem perceber. Satisfeitos? Ok, agora vamos esquecer que existe um Eleanor & Park e vamos voltar nossos olhos só para o filho mais velho de Rowell, combinado?
Então. A história se passa em 1999, naquele período em que a internet ainda dava seus primeiros passos na vida das pessoas comuns. Lincoln é um carinha tímido que vive pulando de uma graduação para outra, sem saber muito bem o que quer da vida. Mora com a mãe (superprotetora) e acabou de aceitar um emprego na área de IT (have you tried turning it off and on again?), fiscalizando os emails dos funcionários para que não saíssem da linha com a ferramenta “nova” de trabalho. Parece ok, mas o negócio é que aos poucos ele começa a acompanhar a conversa de duas funcionárias, Jennifer e Beth, e apesar de apresentarem um monte de palavrão e estarem lidando apenas com assuntos pessoais, ainda assim ele não manda uma advertência. Porque aos poucos ele passa a gostar de ler aqueles emails, e mesmo daquelas meninas. Especialmente de Beth.
Quando comecei a ler O espírito da prosa de Cristovão Tezza, já estava quase chegando ao final da “autobiografia literária” quando algo chama minha atenção: Tezza fala justamente do livro que eu leria a seguir. Tratava-se de As relações perigosas, romance epistolar escrito pelo francês Choderlos de Laclos no século XVIII. Sobre o livro, Tezza diz que é “a obra-prima que consolidou a cultura moderna da correspondência escrita como o espaço perfeito da expressão privada individual“. E não é exagero do brasileiro usar o termo “obra-prima” para falar do livro de Laclos, que até hoje é referência quando o assunto é romance que tem em sua base cartas. Mas, se é possível dizer isso, obviamente é porque Laclos explora ao máximo todas as possibilidades que este tipo de narrativa pode oferecer, aproveitando-se de certas características para criar não só personagens, mas também uma história inesquecível.
O que não deixa de ser extremamente admirável, já que o enredo de As relações perigosasé até bem simples. Através das correspondências trocadas entre diversas personagens, ficamos sabendo sobre os planos da Marquesa de Merteuil para se vingar de um ex-amante, usando para tal o Visconde de Valmont. Como é então que consegue ser tão interessante? Para começar, o que vejo como a principal qualidade da obra, é a sutileza de Laclos. Valmont e Merteuil são ricos, educados e inteligentes e isso fica evidente em suas cartas, algumas bastante sensuais mas de um jeito que o leitor mais desatento pode acabar deixando passar batido. Não espere nada como as cartas de James Joyce para Nora, por exemplo. A graça aqui é o quanto se pode dizer sem ser explícito ou ainda, o quanto se pode dizer sem nada dizer.
Se você nunca ouviu falar de Blackbirds ou Chuck Wendig (o que era meu caso há poucos dias), então acho que o melhor jeito de apresentá-lo e através do mesmo book trailer que fez com que eles entrassem no meu radar literário:
Eu não sou muito fã de book trailers, confesso. Aliás, conheci o vídeo justamente em um artigo do Book Riot que questiona esse formato de publicidade do mercado editorial. Mas este foi um dos raros casos em que mal terminei de assistir ao book trailer e já estava procurando o livro na Amazon para comprar, ainda mais porque minutos depois o Gabriel comentou que Blackbirds era “muito, muito bom”. Enfim, explicando minha empolgação até para ninguém achar que sou um et por ter acabado com o livro em dois dias, há.
Eu sei que da história da raposa com o Pequeno Príncipe todo mundo lembra daquela frase sobre cativar, mas na minha memória eu tenho uma lembrança mais forte do que a citação em si: é de um momento anterior, com a raposa falando que dia após dia ela e o Príncipe deveriam ficar cada vez mais próximos um do outro, até que ele a tenha cativado. Eleanor & Park de alguma forma fez com que eu recordasse desse trecho. Lançado lá fora em fevereiro deste ano e aparentemente ainda sem tradução no Brasil, o livro parece seguir o caminho contrário de muitos YA em que o casal de protagonista se apaixona no momento em que trocam um primeiro olhar. A primeira troca de olhar entre os dois não foi exatamente apaixonadora. As primeiras palavras não foram exatamente doces (há até uma f-word envolvida). Mas mesmo assim, aos poucos Eleanor e Park vão se aproximando, cativando um ao outro no melhor estilo “raposa do Pequeno Príncipe”. E talvez até por esse processo de encantamento, o leitor acaba se envolvendo com a história. Entre “nhóóóóóums” e “nããããos”, uma página segue outra sem que seja possível deixar o livro de lado.
Não se engane: não estou falando de livro que prende nossa atenção por alguma inovação na estrutura ou por trazer algum assunto para ser refletido por horas depois da leitura. É YA romântico como muitos que já apareceram por aí, aquela coisa de menina cheia de complexos e com problemas familiares que acaba encontrando um carinha que vai mudar seu mundo mas que por algum fator ‘x’ não podem ficar juntos e blablabla. E por que então, Eleanor & Park está conquistando tanta gente? Não posso afirmar com certeza (sabe como é, um livro é um livro diferente para cada leitor). Porém, pelo menos no meu caso, acredito que talvez a autora tenha deixado uma pista logo no começo, com um diálogo na aula de inglês em que o professor questiona Eleanor sobre Romeu e Julieta. Enquanto lia não conseguia acreditar: era exatamente o mesmo raciocínio que desenvolvi quando reli a peça há alguns anos.
A primeira vez que ouvi falar de The Spectacular Now de Tim Tharp foi em uma já mencionada lista de filmes adaptados de livros que chegariam este ano nos cinemas (lá fora a data de estreia é, coincidentemente, nesta sexta). Sendo bem sincera, eu não botava muita fé na história: sujeito popular assume como projeto pessoal mudar uma garota “geek”. Você já deve ter lido ou assistido dezenas de variações desse tema, todas uma forma de recontar o Pigmaleão de George Bernard Shaw, por isso achei que o livro seguiria também por essa linha. Mas, embora em muitos aspectos ele seja até bem previsível, a verdade é que The Spectacular Now acaba se desdobrando de tal maneira que o que poderia ser leve e raso vira algo completamente diferente.
A melhor sacada de Tharp foi não ter pressa de desenvolver o narrador-protagonista, Sutter Keely. Através de algumas ações que (aparentemente) nada terão a ver com o plot principal (estamos esperando a chegada da geek, lembra?), ele vai se revelando uma personagem não só (extremamente) carismática, mas também crível. Todo mundo conhece um Sutter Keely, aquele sujeito legal que se dá bem com todo mundo, está sempre feliz, consegue fazer graça de si mesmo e das situações mais constrangedoras. Enfim, estar perto dele te faz bem. Não tem a ver com inocência como alguns protagonistas de YA tipo o Charlie de As vantagens de ser invisível, é mais o modo como ele encara a vida e o modo de se relacionar com as pessoas.
Primeiro eu tinha ficado sabendo sobre um livro novo da Cosac Naify que traria um conto inédito de Nick Hornby e meu alerta de “quero ler” já começou a piscar. Depois fiquei sabendo que seria uma coletânea, que traria outros nomes além do Hornby, gente como Neil Gaiman, Lemony Snicket e Jonathan Safran Foer. Verdade é que eu não precisava de mais nada para querer comprar o livro, mas aí ele chegou nas livrarias com o hilário título Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas e algumas outras coisas que não são tão sinistras, quem sabe, dependendo de como você se sente quanto a lugares que somem, celulares extraviados, seres vindos do espaço, pais que desaparecem no Peru, um homem chamado Lars Farf e outra história que não conseguimos acabar, de modo que talvez você possa quebrar esse galho. Acabou que a vontade chegou quase junto com aquela promoção da Cosac com desconto de 50% e finalmente tenho o livro em mãos. Ansiosa, começo a dar aquela primeira olhada rápida que sempre dou quando chega livro novo. Primeira ponto positivo (que não chega a ser uma surpresa, já que estamos falando de Cosac Naify), uma dust jacket (aquela capa “solta” do livro, que serve para proteger a capa de verdade) muito bacana brincando com o longuíssimo título, e com uma proposta interessante: um conto iniciado por Lemony Snicket, para ser concluído pelo leitor e então enviado para a editora.
E então vou virando as páginas e vejo que os contos contam com ilustrações legais, que o livro mantém a proposta de levar tudo com senso de humor até quando chega lá no final, com “palavras cruzadas tremendamente difíceis” e, puxa, que vontade de ler tudo logo de uma vez. Foi o que fiz. Aí começaram as decepções. A número um foi ver que o conto de Neil Gaiman não era inédito, já foi publicado no Brasil na coletânea Coisas Frágeis, que saiu pela Conrad. O conto em questão é Pássaro-do-sol, que honestamente nem é meu favorito do Gaiman. Sobre ele falarei além, mas continuemos com minha segunda decepção: descobrir que o que tem do Snicket não é propriamente um conto, mas uma introdução (embora eu ache que possa ser lido como conto, apesar do aspecto fragmentado). Sim, é muito bem sacada e tenho certeza que falará muito bem com o público-alvo do livro, mas convenhamos, não é algo exatamente original: Neil Gaiman na introdução de Fumaça e Espelhos inclui um conto dentro da introdução, como um prêmio para os que leem introduções. Snicket faz algo parecido, e até divertido, mas eu sinceramente esperava algo diferente (embora sim, um sorriso tenha aparecido no meu rosto quando li o trecho “Socorro!” gritou o Rei da Terra dos Ursinhos. “Paul Revere está me batendo com uma caixinha feita de madeira brilhante!” Continue lendo “Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas etc. (Vários)”
Eu falo bastante da semelhança entre a obra do Joe Hill e do Neil Gaiman, eu sei. Mas ler NOS4A2 (o mais recente livro do autor, ainda sem tradução no Brasil) logo depois de O Oceano no Fim do Caminho e não estabelecer uma relação entre os dois é praticamente impossível. Não que o Joe Hill vá te fazer chorar copiosamente como Neil Gaiman fez, mas parte do horror construído em seu novo romance tem como base a mesma ideia do livro de Gaiman, de ser criança e se ver sozinho em uma situação difícil, principalmente porque os adultos que deveriam apoiá-lo (ou ainda, protegê-lo) não acreditam em você, ou estão preocupados demais com suas próprias vidas para perceber o que está se passando com você. O efeito causado por esse tipo de situação é interessante porque, mesmo falando de fantasmas, vampiros e assassinos seriais, ainda assim o que mais assusta não é a ficção, mas a realidade.
De qualquer modo, comparações ficando de lado, vamos ao NOS4A2 (pronuncia-se “nosforatchu” ou, como é a intenção do dono do carro que apresenta esta placa, “nosferatu”). Eu me enrolei um pouco para começá-lo (saiu no final de abril lá fora) porque as 700 páginas me desanimavam um tanto. Calma, não é preguiça de ler livro grande. É só que eu estava achando que o Hill acabaria pegando uma mania chata do pai dele de escrever livros desnecessariamente prolixos, que estragam muito o clima do horror. Não vou dizer que não exista um tico de “gordura” em NOS4A2 (aquelas divagações de personagens secundárias que te fazem rolar os olhos e pensar em pular algumas páginas, por exemplo), mas logo entendi o motivo para o tamanho do livro: ele segue a história de Vic “The Brat” McQueen desde a infância, quando descobre que tem um dom especial para “encontrar” objetos perdidos.