Então. A história se passa em 1999, naquele período em que a internet ainda dava seus primeiros passos na vida das pessoas comuns. Lincoln é um carinha tímido que vive pulando de uma graduação para outra, sem saber muito bem o que quer da vida. Mora com a mãe (superprotetora) e acabou de aceitar um emprego na área de IT (have you tried turning it off and on again?), fiscalizando os emails dos funcionários para que não saíssem da linha com a ferramenta “nova” de trabalho. Parece ok, mas o negócio é que aos poucos ele começa a acompanhar a conversa de duas funcionárias, Jennifer e Beth, e apesar de apresentarem um monte de palavrão e estarem lidando apenas com assuntos pessoais, ainda assim ele não manda uma advertência. Porque aos poucos ele passa a gostar de ler aqueles emails, e mesmo daquelas meninas. Especialmente de Beth.
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As relações perigosas (Choderlos de Laclos)
O que não deixa de ser extremamente admirável, já que o enredo de As relações perigosasé até bem simples. Através das correspondências trocadas entre diversas personagens, ficamos sabendo sobre os planos da Marquesa de Merteuil para se vingar de um ex-amante, usando para tal o Visconde de Valmont. Como é então que consegue ser tão interessante? Para começar, o que vejo como a principal qualidade da obra, é a sutileza de Laclos. Valmont e Merteuil são ricos, educados e inteligentes e isso fica evidente em suas cartas, algumas bastante sensuais mas de um jeito que o leitor mais desatento pode acabar deixando passar batido. Não espere nada como as cartas de James Joyce para Nora, por exemplo. A graça aqui é o quanto se pode dizer sem ser explícito ou ainda, o quanto se pode dizer sem nada dizer.
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Blackbirds (Chuck Wendig)
Se você nunca ouviu falar de Blackbirds ou Chuck Wendig (o que era meu caso há poucos dias), então acho que o melhor jeito de apresentá-lo e através do mesmo book trailer que fez com que eles entrassem no meu radar literário:
Eu não sou muito fã de book trailers, confesso. Aliás, conheci o vídeo justamente em um artigo do Book Riot que questiona esse formato de publicidade do mercado editorial. Mas este foi um dos raros casos em que mal terminei de assistir ao book trailer e já estava procurando o livro na Amazon para comprar, ainda mais porque minutos depois o Gabriel comentou que Blackbirds era “muito, muito bom”. Enfim, explicando minha empolgação até para ninguém achar que sou um et por ter acabado com o livro em dois dias, há.
Eleanor & Park (Rainbow Rowell)
All the lonely people, where do they all belong?
Eu sei que da história da raposa com o Pequeno Príncipe todo mundo lembra daquela frase sobre cativar, mas na minha memória eu tenho uma lembrança mais forte do que a citação em si: é de um momento anterior, com a raposa falando que dia após dia ela e o Príncipe deveriam ficar cada vez mais próximos um do outro, até que ele a tenha cativado. Eleanor & Park de alguma forma fez com que eu recordasse desse trecho. Lançado lá fora em fevereiro deste ano e aparentemente ainda sem tradução no Brasil, o livro parece seguir o caminho contrário de muitos YA em que o casal de protagonista se apaixona no momento em que trocam um primeiro olhar. A primeira troca de olhar entre os dois não foi exatamente apaixonadora. As primeiras palavras não foram exatamente doces (há até uma f-word envolvida). Mas mesmo assim, aos poucos Eleanor e Park vão se aproximando, cativando um ao outro no melhor estilo “raposa do Pequeno Príncipe”. E talvez até por esse processo de encantamento, o leitor acaba se envolvendo com a história. Entre “nhóóóóóums” e “nããããos”, uma página segue outra sem que seja possível deixar o livro de lado.
Não se engane: não estou falando de livro que prende nossa atenção por alguma inovação na estrutura ou por trazer algum assunto para ser refletido por horas depois da leitura. É YA romântico como muitos que já apareceram por aí, aquela coisa de menina cheia de complexos e com problemas familiares que acaba encontrando um carinha que vai mudar seu mundo mas que por algum fator ‘x’ não podem ficar juntos e blablabla. E por que então, Eleanor & Park está conquistando tanta gente? Não posso afirmar com certeza (sabe como é, um livro é um livro diferente para cada leitor). Porém, pelo menos no meu caso, acredito que talvez a autora tenha deixado uma pista logo no começo, com um diálogo na aula de inglês em que o professor questiona Eleanor sobre Romeu e Julieta. Enquanto lia não conseguia acreditar: era exatamente o mesmo raciocínio que desenvolvi quando reli a peça há alguns anos.
The Spectacular Now (Tim Tharp)
A melhor sacada de Tharp foi não ter pressa de desenvolver o narrador-protagonista, Sutter Keely. Através de algumas ações que (aparentemente) nada terão a ver com o plot principal (estamos esperando a chegada da geek, lembra?), ele vai se revelando uma personagem não só (extremamente) carismática, mas também crível. Todo mundo conhece um Sutter Keely, aquele sujeito legal que se dá bem com todo mundo, está sempre feliz, consegue fazer graça de si mesmo e das situações mais constrangedoras. Enfim, estar perto dele te faz bem. Não tem a ver com inocência como alguns protagonistas de YA tipo o Charlie de As vantagens de ser invisível, é mais o modo como ele encara a vida e o modo de se relacionar com as pessoas.
Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas etc. (Vários)
E então vou virando as páginas e vejo que os contos contam com ilustrações legais, que o livro mantém a proposta de levar tudo com senso de humor até quando chega lá no final, com “palavras cruzadas tremendamente difíceis” e, puxa, que vontade de ler tudo logo de uma vez. Foi o que fiz. Aí começaram as decepções. A número um foi ver que o conto de Neil Gaiman não era inédito, já foi publicado no Brasil na coletânea Coisas Frágeis, que saiu pela Conrad. O conto em questão é Pássaro-do-sol, que honestamente nem é meu favorito do Gaiman. Sobre ele falarei além, mas continuemos com minha segunda decepção: descobrir que o que tem do Snicket não é propriamente um conto, mas uma introdução (embora eu ache que possa ser lido como conto, apesar do aspecto fragmentado). Sim, é muito bem sacada e tenho certeza que falará muito bem com o público-alvo do livro, mas convenhamos, não é algo exatamente original: Neil Gaiman na introdução de Fumaça e Espelhos inclui um conto dentro da introdução, como um prêmio para os que leem introduções. Snicket faz algo parecido, e até divertido, mas eu sinceramente esperava algo diferente (embora sim, um sorriso tenha aparecido no meu rosto quando li o trecho “Socorro!” gritou o Rei da Terra dos Ursinhos. “Paul Revere está me batendo com uma caixinha feita de madeira brilhante!” Continue lendo “Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas etc. (Vários)”
NOS4A2 (Joe Hill)
De qualquer modo, comparações ficando de lado, vamos ao NOS4A2 (pronuncia-se “nosforatchu” ou, como é a intenção do dono do carro que apresenta esta placa, “nosferatu”). Eu me enrolei um pouco para começá-lo (saiu no final de abril lá fora) porque as 700 páginas me desanimavam um tanto. Calma, não é preguiça de ler livro grande. É só que eu estava achando que o Hill acabaria pegando uma mania chata do pai dele de escrever livros desnecessariamente prolixos, que estragam muito o clima do horror. Não vou dizer que não exista um tico de “gordura” em NOS4A2 (aquelas divagações de personagens secundárias que te fazem rolar os olhos e pensar em pular algumas páginas, por exemplo), mas logo entendi o motivo para o tamanho do livro: ele segue a história de Vic “The Brat” McQueen desde a infância, quando descobre que tem um dom especial para “encontrar” objetos perdidos.
Trilogia Jogos Vorazes (Suzanne Collins)
Então que há tempos toda vez que vou mencionar Jogos Vorazes eu lembro que não coloquei os posts que publiquei no Meia Palavra aqui no Hellfire, tenho só meus comentários sobre o filme. Eu li os livros entre fevereiro e março do ano passado, daquele jeito meio imerso que depois dá até uma ressaca literária depois. No Meia escrevi separadamente sobre cada um deles, mas convenhamos, sendo isso aqui só uma republicação, não vejo motivo para separar em três posts. Portanto senta que lá vem história, porque aqui vou falar de Jogos Vorazes, Em chamas e A Esperança.
JOGOS VORAZES
Confesso que comecei a ler Jogos Vorazes com uma certa carga de preconceito que tenho sobre o que se publica ultimamente para o público infantojuvenil. Pensei “Lá vem mais uma história romântica com um casal improvável…”. Mas estava dando um crédito mesmo assim para o primeiro livro da série escrita por Suzanne Collins porque pessoas cujo gosto é parecido com o meu falavam muito bem do livro. Primeiras páginas, fico conhecendo Katniss Everdeen, adolescente que vive em um futuro para lá de distópico: o mundo se organiza em distritos, cada qual com sua matéria-prima principal, todos tendo que servir a Capital sem perguntas. A última vez que uma revolta aconteceu, a Capital acabou com quem ia contra seu poder e criou a partir daí os Jogos Vorazes. Continue lendo “Trilogia Jogos Vorazes (Suzanne Collins)”
Love Is a Mix Tape: Life and Loss, One Song at a Time (Rob Sheffield)
LADO A
Muito embora meu contato com música no último ano seja mais Interpol/Paul Banks em eterno repeat no player, a verdade é que gosto de música. Muito. Cresci em uma família de pessoas apaixonadas por música, durante um bom período da minha adolescência música era o que movia meus dias e portanto eu sei bem o que Rob Sheffield quer dizer quando comenta sobre nossa capacidade de conversar através da música em sua autobiografia Love is a Mix Tape: Life and Loss, One Song at a Time, publicado em janeiro de 2007 nos Estados Unidos e, pelo menos após uma rápida googlada, aparentemente sem tradução no Brasil (ainda). Mais do que nos ajudar a falar, a música também tem outra característica (também reconhecida por Sheffield e muito, muito apreciada por mim) de permitir viagens no tempo. Toca Bitter Sweet Symphony e lá estou eu, caminhando pelos corredores da PUC. Escuto Love Me Do e estou em uma viagem de carro com a família quando ainda era criança. Toca Qualquer coisa e tenho quinze anos e estou voltando do colégio com minha amiga e juntas cantamos a música bem alto. E por aí vai. Não tem a ver com o ano de lançamento da canção, mas com o momento em que você conheceu a canção. Quem estava com você. O que você estava fazendo. Quem te apresentou. Quem ouvia muito com você.
E Love is a Mix Tape toma emprestada essa característica da música para que o autor resgate as lembranças do tempo em que conheceu e viveu com sua esposa, Renée Crist. Ambos eram jovens recém-formados e obcecados por música (e mix tapes, é óbvio), casaram cedo mas, infelizmente, tiveram apenas cinco anos para compartilharem essa paixão. Renée faleceu em maio de 1997, vítima de embolia pulmonar.1
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Sei que isso parece ser um spoiler, mas lembrem, é uma autobiografia centrada justamente na morte de Renée. Tem coisas que não tem como não dizer, mas de qualquer forma, comento um pouco mais sobre isso um pouco para frente ↩
Viagem ao fundo da sala (Tibor Fischer)
Daquela história dos vários sentidos que uma palavra carrega, sempre que ouvia a Sol comentando sobre este livro eu pensava que a “sala” do título era a sala de aula. Coisa de professor, sabe como é. E qual não foi minha surpresa quando dou de cara com Oceane, uma designer que é, como conta a primeira frase do romance, rica e acaba usando seu dinheiro para manter um estilo de vida recluso. A jovem não sai de casa nem mesmo quando vai viajar: contrata um agente de viagens que organiza festas temáticas com estrangeiros no apartamento do andar de baixo para saciar sua curiosidade sobre as diferentes culturas.