É natural que o leitor acabe pensando que o livro será sobre o conteúdo dessa carta (até porque o dilema de Cecilia sobre ler ou não se estende por vários capítulos) e pense que o tal do “segredo do marido” seja um mistério a ser desvendado (ou daqueles que sustentam a curiosidade do leitor até o fim do livro). Não é o caso. O segredo do meu marido é um daqueles livros “enganadores”, que tão logo o leitor avança na leitura, percebe que não era exatamente o que esperava, mas talvez até algo melhor. Então digo desde já que não acho que o segredo seja o mais importante na história, mas para quem tem frescura de spoiler é sempre bom avisar então lá vai: daqui para frente tem spoilers, etc.
Tag: literatura estrangeira
Rodada de YA
Explicando pela enésima vez porque sempre tem o perdido que chega aqui por causa de um único post e aí acha que eu tenho preconceito sobre YA e blablabla. Não, eu não tenho. Eu curto, me divirto e alguns eu considero acima da média, vide o caso de Eleanor & Park e A culpa é das estrelas, por exemplo. Mas a verdade é que os YA que andei lendo recentemente não são exatamente aqueles sobre os quais eu tenho muito a comentar, então resolvi agrupá-los em um post só (sim, esse que você está lendo agora), para não ficar sem o registro (porque eu já estou naquela fase em que vejo post antigo meu aqui e penso “Caramba, eu li esse livro??? Sério???”). Bom, aos comentários.
Então. Apesar de o enredo tomar um caminho bem previsível, o livro me conquistou principalmente porque as descrições que Perkins faz de Paris são ótimas, você quase viaja junto com a protagonista. a escola de Anna fica no Quartier Latin, mesma região em que fiquei quando fui para lá, então acabei morrendo saudades (e de vontade de viajar). Além disso, o interesse romântico da menina é um fofo, então o lado noveleira meio que pega o balde de pipoca e acompanha animada o will they won’t they por mais que já tenha ideia que yes, they wil.
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O escolhido foi você (Miranda July)
Então, aquilo que eu lembrava de ter lido em toda resenha e que eu conto aqui para você caso ainda não tenha visto nada sobre o livro por aí (o que acho difícil, já que ele foi lançado em fevereiro do ano passado, mas nunca se sabe, né): Miranda July é roteirista, e estava vivendo um momento de bloqueio criativo quando um dia no meio da já rotineira procrastinação, tem a ideia de entrevistar pessoas que publicam anúncios no PennySaver. Quer conhecê-las, capturar um tanto de suas histórias e transformar isso em um projeto paralelo que justifique seu “não-escrever”, digamos assim. Continue lendo “O escolhido foi você (Miranda July)”
It’s Kind of a Funny Story (Ned Vizzini)
Mas aí temos casos como It’s Kind of a Funny Story de Ned Vizzini, e aí é simplesmente impossível escapar da relação vida e obra, até porque o próprio Vizzini passou alguns dias internado em uma ala psiquiátrica para tratar da depressão, tal como seu protagonista. Pior: no fim do ano passado o autor (então com 32 anos) se suicidou, deixando mulher e filho. “Um sujeito de sucesso, com pessoas que o amam e outras que dependem dele, como assim pode tirar a própria vida?”, alguns podem pensar. Outros já chegam com a resposta pronta “É coisa de covarde”. Falta talvez o exercício de empatia, de se colocar no lugar do outro para tentar compreender, o que a Literatura acaba ajudando a fazer. Assim, com It’s Kind of a Funny Story o efeito de vida do autor misturada com a obra foi bastante perturbador: ver a depressão com os olhos de quem sofreu desse mal chega a ser doloroso, especialmente se você tem conhecidos que fazem tratamento para tal.
Quem é você, Alasca? (John Green)
Calma. Ainda temos um narrador em primeira pessoa, masculino, nerd com alguma peculiaridade aleatória, que tem uma amizade forte com outro garoto e sim, a garota por quem o protagonista é perdidamente apaixonado. Mas há algo tanto na estrutura quanto na forma como o autor aborda certas questões (ei, já chego lá) que faz com que Quem é você, Alasca? seja único e, devo dizer, superior às publicações seguintes. A história começa aparentemente simples: Miles é um garoto meio solitário e meio sem propósito algum na vida que vê em uma ida a um colégio interno a possibilidade de dar uma virada, ou, como ele diz ao citar Rabelais, “sair em busca do grande talvez”. Chegando em Culver Creek, começa uma amizade com Chip (apelidado de “o Coronel”) e cai de amores por Alasca Young, uma garota visivelmente mais experiente, meio doidinha e, nas palavras dele, linda.
The Brief History of the Dead (Kevin Brockmeier)
A premissa básica do romance é que quando uma pessoa morre, ela não vai para um céu ou inferno. Ela vai para uma cidade, onde ficará com outras pessoas mortas até o momento em que não exista mais ninguém vivo que lembre dela. Há alguns trocadilhos no texto que deixam implícita a ideia de “alma”, mas os habitantes dessa cidade comem, dormem, ouvem música, se apaixonam, enfim, “vivem” como fariam do lado de cá. E aí você pega o papelzinho onde anotou o número de gente de quem você lembra e pensa: nossa, então essa cidade deve estar cheia, e seu raciocínio está correto, embora a cidade de adapte às novas “almas” que vão chegando, e vai crescendo cada vez mais, além de existir um certo equilíbrio: para um determinado número de gente que chega, há outro que vai embora.
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Love and Other Perishable Items (Laura Buzo)
Negócio é que não começou muito bem. Amelia, menina de 15 anos descreve seus primeiros dias no emprego em um supermercado. Hum, sim, ela se apaixona por um funcionário chamado Chris. Não sei se era só porque eu estava em uma fase ruim (já mencionada no post anterior), mas a leitura só engrenou mesmo para mim quando descobri que a história era narrada por Amelia, mas cada trecho dela era seguido por páginas dos diários de Chris (uma personagem bem mais interessante, digo desde já). Assim, como leitores nós ficamos sabendo dos eventos primeiro sob o ponto de vista da garota, depois do garoto.
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Fangirl (Rainbow Rowell)
Continuando, eu acho que Fangirl é um presente da Rowell para os Potterheads. Poderia ser para qualquer outro fandom entre os milhares existentes por aí, é evidente, mas você não consegue deixar de lado as óbvias referências e principalmente, da homenagem que a autora presta aos leitores que cresceram (literalmente) lendo Harry Potter. Você sabe, este não é meu caso. Morro de inveja dessa galerinha que mal tinha entrado na adolescência quando leu o primeiro livro e já estava quase chegando na fase adulta quando leu o último. Deve ter sido uma experiência única, crescer junto com um livro. Não à toa esse pessoal é profundamente devotado, e continua falando dos livros como se o último não tivesse sido publicado há o que? Uns seis anos? É essa paixão pelos livros que a Rowell acaba captando ao contar a história de Cather, uma garota completamente obcecada pelas histórias de Simon Snow (o que seria aqui o equivalente de Harry Potter). Dezoito anos, morando fora de casa pela primeira vez, começando a se ambientar na faculdade e mantendo firme o amor pelas histórias de Snow, bem como o gosto por escrever fanfics sobre a personagem.
Important Artifacts and Personal Property From The Collection of Lenore Doolan and Harold Morris, Including Books, Street Fashion, And Jewelry (Leanne Shapton)
O livro começa com uma nota dos responsáveis pelo leilão avisando que a introdução ao catálogo seria a reprodução de um cartão postal escrito em 2008 por Harold Morris, o dono dos itens que estão sendo leiloados. No cartão, Morris conta para Lenore que o único relacionamento que ele se arrependia de ter terminado era o que ele tinha com ela. É uma boa sacada de Shapton, porque ela na realidade já está nos entregando que não haverá surpresas: veremos o relacionamento de um casal do começo até o fim. Portanto, o enredo em si é ordinário, mas a forma como ela o desenvolverá que ganha destaque aqui. Primeiro porque a autora conta com o leitor para complementar as lacunas que são deixadas na história, adivinhar o que está acontecendo por conta de simples objetos. Segundo pela ideia que ela acaba desenvolvendo do que é um fim de relacionamento (e falo disso logo mais, calma aí).
Como Shakespeare se tornou Shakespeare (Stephen Greenblatt)
Pensava isso pelo menos até ler Como Shakespeare se tornou Shakespeare, de Stephen Greenblatt. O modo como ele escolhe falar sobre a vida daquele que é considerado um dos nomes mais importantes da literatura de língua inglesa é simplesmente genial, indo além da já citada linearidade (sim, começa do “começo”, como qualquer outra biografia) detalhando momentos que foram fundamentais para que as obras de Shakespeare fossem tais como são. O curioso da ideia por trás desse livro, de que Shakespeare era um reflexo do tempo em que vivia, é que enquanto lia lembrava da faculdade, da professora Célia Arns na disciplina sobre Shakespeare dizendo exatamente isso: que Shakespeare só existiu (e consequentemente sua obra) porque ele nasceu naquele exato momento da história. Tivesse surgido hoje em dia, não teríamos o Bardo.
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parece bobo dizer isso, como se fosse óbvio que só pessoas interessantíssimas merecessem biografias, mas a verdade é que o fato da pessoa ser famosa ou ter realizado algo grande não faz da vida dela algo que desperte o interesse do leitor ↩