Não sei bem como começar. Quero falar de tantas coisas, talvez o ideal seria comentar comentar brevemente cada um dos contos, porque todos são ótimos – algo raro em coletânea de contos, convenhamos. Se tem alguma escala de mais para menos no livro é “assustador”, e mesmo assim isso não tem relação alguma com a qualidade deles.
De forma geral o que ficou da leitura de As coisas que perdemos no fogo de Mariana Enríquez foi: como nossa história é parecida com a da Argentina e como eu nunca tinha me tocado disso. Como frases do tipo “All electronics were cheap – TVs and stereos, photo and video cameras. It couldn’t last long, said my parents, it couldn’t be true that an Argentine peso had the same worth as a dollar” me transportaram para minha adolescência em 1994, no início do Plano Real.
Desde Stoner volta e meia acabo pensando em como todo o processo do que faz um livro sobreviver ao tempo da publicação original pode ser meio injusto. Não sei bem quais os elementos daquele 1965 que deixaram para trás um livro tão bom, que hoje em dia ganhou até tradução para o português porque no começo dos anos 2000 uma editora resolveu republicá-lo.
Não dá um comichão, pensar em quantos outros tantos títulos também não estão por aí, esquecidos, esperando serem resgatados? Outro exemplo: o ótimo Mrs. Caliban de Rachel Ingalls (de 1982) e só voltou a ganhar alguma atenção porque foi relançado seguindo o rastro do sucesso do último Del Toro, A Forma da Água. Não fosse o filme, talvez nenhuma editora enxergasse a possibilidade de publicar novamente o título.
Eu tinha acabado de ler Enclausurado do Ian McEwan e achando que curtiria uma ressaquinha literária pois McEwan tão bom, né. Aí pensei “Bom, vamos dar uma olhada no tal do I’m Thinking of Ending Things que dizem que é assustador, aí eu não corro o risco de ficar comparando e talvez a ressaca passe”. Então comecei a ler. Vira página, vira página, vira página. Quando percebo já estou tão envolvida com a história que não quero mais largar.
E antes que eu continue, siiiiim, o post tem spoilers. O livro é essencialmente um thriller, então não tem muito como comentá-lo sem colocar aqui informações do enredo. Mãããs eu garanto para você que ao terminar o livro e VAI querer encontrar gente compartilhando informações sobre o enredo, então não esqueça de voltar aqui, hehe. Não à toa a editora que publicou o livro lá fora criou o espaço “After Things End“, para o pessoal compartilhar impressões sobre a história. Não chega num nível “fórum para colher todas as pistas” como com House of Leaves, mas é legal ler sobre diferentes impressões que as pessoas tiveram ao ler a história, sobretudo sobre seu desfecho.
Nesse momento já deve ser meio difícil você não ter cruzado com o nome Svetlana Aleksiévitch, mesmo que não tenha dado muita atenção: ano passado ela ganhou o Nobel de Literatura, este ano foi um dos destaques da FLIP. É o lado bom do Nobel (tem lado ruim?), isso de acabar atraindo a atenção do mercado editorial para nomes que poderiam nem ser publicados aqui. No caso da Aleksiévitch, por exemplo, não deu nem um mês do anúncio do Nobel e a Companhia das Letras já estava anunciando a publicação de quatro livros da autora. Bom para nós, né.
Enfim, o primeiro título publicado aqui no Brasil foi Vozes de Tchernóbil, lançado em abril (quando o desastre na usina nuclear completava 30 anos). O livro foi originalmente publicado em 1997, mais de dez anos após o acidente e é uma reunião de relatos de pessoas que viveram nas regiões afetadas pela radiação. Abre com o depoimento de Liudmila Ignátienko, esposa de um bombeiro que estava no grupo dos primeiros a chegarem ao local no dia da explosão.
É meio dizer o óbvio ao notar suas mil e tantas páginas que Cidade em Chamas de Garth Risk Hallberg é um baita romance. Mas a definição não cabe só por ser longo, ele é ambicioso, sabe. Se concentra em eventos de um determinado período da história de Nova York, mas outros anos vão se esparramando ao longo da narrativa, vemos o antes e o depois de uma forma não-linear. A melhor forma de descrever é citando um trecho onde uma personagem refletindo sobre o espetáculo de fogos de artifício:
(…) cada espetáculo de fogos é totalmente preso ao tempo. Uma singularidade. Sem passado e sem futuro. Fora o próprio fogueteiro, ninguém jamais vem a saber que o grand finale é o grand finale até tudo estar acabado.
E aí, por mais que aqui e acolá você tropece em uma descrição do livro falando qualquer coisa sobre o ser sobre os irmãos Hamilton-Sweeney e as pessoas com quem eles convivem, eu acho que vai um tanto além. Aliás, a cola que parece prender todas as personagens (bem como a narrativa em si) é Sam, a menina apaixonada por música e fotografia contra quem alguém atirou no Central Park na noite da virada de 76 para 77.
(Editado: ueeepa, esqueci do aviso básico de spoilers. SPOOOOILERS!! Pronto, está aí o aviso)
Dia desses li um artigo comentando sobre o novo filme do Denis Villeneuve, com a Amy Adams no papel principal. Pela descrição do trailer, a ideia parece genial: uma raça alienígena chega na Terra, o problema é que não conseguimos entender o que eles dizem (nem eles compreendem os terráqueos). E então qualquer movimento pode ser interpretado como ameaça e dar origem a um ataque. Já fiquei morrendo de vontade de ver o filme? Sim.
Só que o artigo conta também que Story of Your Life é adaptação de uma novela de Ted Chiang publicada no final da década de 90. Fui dar uma pesquisada básica, vi que ganhou um monte de prêmio (incluindo aí Nebula e Hugo) e pans, lá fui eu ler – até porque novela, né, é curtinho, dá para ler tudo de uma vez só, etc.
“A escritora brasileira Beatriz Yagoda é vista com uma mala e um charuto, subindo uma amendoeira e então desaparece”. Foi por causa dessa breve descrição do ponto de partida de Ways to Disappear (primeiro romance de Idra Novey) que fiquei morrendo de curiosidade de ler o livro. Não por Beatriz ser brasileira ou pela história se passar no Brasil – não sou lá muito ufanista e, convenhamos, via de regra os gringos erram a mão na hora de descrever as coisas daqui. Foi mais pelo absurdo da situação, a imagem de uma senhora subindo em uma árvore e desaparecendo.
E então eu mal começo a ler o livro e percebo com espanto que mais do que uma história sobre o sumiço de Beatriz, é uma verdadeira declaração de amor ao trabalho do tradutor. É através da figura de Emma (a tradutora norte-americana que vem correndo para o Brasil tentar descobrir o paradeiro de sua autora) que aos poucos questões sobre tradução vão sendo levantadas – e não, não é de forma sutil. O paralelo entre a vida da personagem e seu ofício é escancarado, como quando fotos dela com o filho de Beatriz aparecem na mídia, e o narrador comenta:
Neither of them had mentioned Emma’s appearance in the photos as well, which was a relief, though also insulting and dismissive – a conflict of emotions that was standard fare for a translator.
Fico imaginando o trabalho que deve ter dado para o pessoal do marketing da Nova Fronteira na época em que Tópicos Especiais em Física das Calamidades da Marisha Pessl foi lançado aqui no Brasil. Porque ele deve ser um pesadelo para quem precisa ter algo mais ou menos rotulado e ter público-alvo definido, não é bolinho mesmo. O modo como ele vai se transformando página após página foge do previsível não só em termos de enredo: é uma experiência nova, que vai exigir um tico de paciência, sim, mas que depois vale a pena.
Antes de continuar, algumas informações: a primeira é que o livro foi originalmente publicado em 2006 lá fora e chegou por aqui em 2008 (mas nada tira da minha cabeça que a Pessl criou sua protagonista como uma adolescente da década de 90, embora no livro as datas não batam). Além disso, vale dizer que eu li a edição americana, então já peço desculpas por alguns termos e citações em inglês – não tenho certeza de como ficou na tradução e prefiro não arriscar. Finalmente: ahm, spoilers. Não que seja um livro que dependa de surpresas para agradar (a autora revela muita coisa do fim já no início, para falar bem a verdade), mas nunca é demais avisar.
Eu não sei bem onde começar sobre A Little Life, que chegará pela Record aqui no Brasil agora no primeiro semestre de 2016. É muita coisa. Pelo número de páginas (700 e tantas), era de se imaginar que tivesse “muita coisa”, mas assim, não digo só em termos de eventos ocorridos ou número de personagens. Tematicamente A Little Life é amplo, daqueles livros que você sabe que resultam em uma infinidade de leituras.
Do que você não escapará em qualquer comentário sobre o romance serão as considerações sobre o quão miserável é a vida do protagonista Jude. É talvez o elemento mais forte, e o que empresta unidade para um romance que, ao se propor narrar toda a vida de um homem de mais de cinquenta anos, acaba sendo tão caótico quanto seria o ato de contar toda a vida de qualquer pessoa real. E é forte, porque Jude se define a partir das tragédias que aconteceram com ele, não a partir dos momentos felizes. Volto a falar sobre a questão da definição mais para frente, mas vamos voltar ao começo.
Chega 31 de outubro e chovem listas de livros e filmes assustadores para conhecer. E uma presença constante nas que falavam de livros era a do novo de David Mitchell, Slade House. Saber que era um livro derivado de outro (The Bone Clocks) e que Mitchell tem costurado todos os seus romances criando um universo único poderia ter me desanimado um tanto porque, confesso: nunca tinha lido nada dele. Mas termos como “casa assombrada” piscavam em cada comentário que lia sobre Slade House e caramba, se tem um tipo de história de terror que eu adoro é história de casa assombrada.
Então lá vou eu, né, contando que não saber nada do universo de Mitchell não pese na hora da leitura. E olha, a impressão que tenho é que ao invés de atrapalhar, ajudou, mas falo disso mais para frente. Só que isso nos leva à óbvia conclusão: é um livro bacana de ler sabendo o mínimo possível, a diversão está justamente nas pequenas descobertas que vamos fazendo em cada capítulo. Ou seja: este é um post para quem já leu Slade House.
(Eu adoro esses meus posts sabotadores que afastam os leitores ao invés de trazê-los para cá, haha.
Mentira, não adoro, não. Mas sei lá. Quando é importante não saber eu prefiro avisa para não estragar a experiência de quem planeja ler o livro. Dizer que gostei muito já ajuda? Espero que sim.)