O enredo encanta porque, embora melancólico, é de uma doçura surpreendente. Temos inicialmente um pescador chamado Crisóstomo, que ao chegar nos 40 anos se dá conta que por conta de fracassos na vida amorosa é agora um homem sem filho. E ele realmente acredita que um filho o tornaria completo, tiraria dele uma tristeza na qual mergulhara. “Via-se metade no espelho porque se via sem mais ninguém, carregado de ausência e silêncios como os precipícios ou poços fundos“. Sai então procurando alguém que o aceite como um pai, para encontrar Camilo, metade como ele que com Crisóstomo forma algo inteiro, completo. Até que o menino sugere ao pai que busque uma mulher, para que seja o dobro.
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Por isso a gente acabou (Daniel Handler)
A identificação com a situação foi instantânea, por isso queria ver como a trama se desenvolveria. Minha primeira (boa) surpresa ao ter o livro em mãos foi perceber que ele tinha ilustrações de Maira Kalman representando os objetos dos quais Min está falando. A arte é muito legal, e o efeito que provoca ver o objeto e então ler o que Min tem a falar sobre ele acaba de certo modo reproduzindo a sensação que teríamos se fôssemos Ed, abrindo a caixa e vendo aos poucos aquelas recordações, revendo tudo o que passaram juntos nos poucos dias de namoro. Continue lendo “Por isso a gente acabou (Daniel Handler)”
Garota Exemplar (Gillian Flynn)
Mas ok, comecei a ler. E poucas páginas depois, já não queria mais abandonar o livro, principalmente quando percebi a jogada que Flynn começou a fazer com as opiniões que o leitor tinha das personagens. E se menciono isso já, assim, segundaparagrafamente, é porque quero dar um aviso para você que ainda não leu Garota Exemplar: fuja da campanha de marketing da editora. Não leia sinopse do livro, orelha, nem nada. Algumas informações que estão sendo colocadas para anunciar o livro acabam te colocando na pista errada e, o principal, afetando seu julgamento das personagens de uma forma diferente do que deveria ocorrer. Sobre isso falo um pouco mais para frente, aguenta aí.
A questão é que minha cabeça está aqui cheia de ideias a serem comentadas sobre o livro, mas não queria estragar a experiência inicial de ninguém, portanto fica a velha recomendação: volte quando tiver acabado de ler. Por incrível que pareça, esse meu cuidado nada tem a ver com o enredo principal que tem sido apresentado por aí (mulher desaparece, marido é o principal suspeito, etc.), aliás, eu acho que é o tipo de livro que “sobrevive” muito bem mesmo que revelem spoilers, só que fica aquela sensação de chupar bala sem tirar o papel (há!). Avisados? Ok, então agora vamos por partes. Três, como no livro.
Max e os Felinos (Moacyr Scliar)
A edição que ganhei da Clara veio sete anos após a polêmica de 2002 envolvendo o canadense Yann Martel, portanto já veio “equipada” com alguns itens para quem deseja informações sobre a questão do plágio: uma introdução escrita pelo próprio Scliar em 2003, além de Zilá Bernd chamado De trânsito e de sobrevivências, que traça um paralelo entre as duas obras, mostrando suas óbvias semelhanças. Como não queria afetar meu julgamento sobre a questão, deixei para ler esse texto depois (mas que achei bem interessante, com algumas interpretações que passaram batido para mim inicialmente). De qualquer forma, acredito que os dois estarão presentes na nova edição, por motivos óbvios.
Zodíaco (Robert Graysmith)
Na época em que Zodíaco começou a atacar Graysmith trabalhava como cartunista no jornal San Francisco Chronicle, e estava presente no momento em que a primeira carta para o editor do periódico chegou. Por conta disso, se envolveu de tal forma com as histórias dos crimes que resolveu investigá-los por conta própria, para tentar encontrar a resposta para quem era o homem que dizia ter matado quase 40 pessoas.
The Sense of an Ending (Julian Barnes)
Confesso que não conhecia Julian Barnes, embora ele já tenha publicado onze romances. Foi o fato de o último livro dele, The Sense of an Ending ter levado o Man Booker desse ano que chamou minha atenção para o título. A sensação que ficou ao ter acabado o romance em questão foi um misto de alívio por saber que tenho mais do autor para conhecer e arrependimento por nunca ter lido algo dele antes. Não dá para economizar elogios, é realmente um livro fantástico.
E como todo livro bom, falar do enredo pode ser perigoso, passar uma falsa ideia de que é simples. Cabe então frisar que embora The Sense of an Ending gire em torno das memórias de Tony Webster, especialmente em seu relacionamento com seu primeiro amor Veronica e sobre sua amizade com Adrian, ele é muito mais do que isso. Há camadas e camadas nesse romance, muito para se absorver. Tanto, que após lido há uma sensação de urgência em encontrar mais alguém que também o conheça para poder conversar sobre ele. Continue lendo “The Sense of an Ending (Julian Barnes)”
As aventuras de Pi (Yann Martel)
1. O filme após a leitura
Eu adorei o filme. É meu queridinho para o Oscar, por mais que eu saiba que ele não tenha café no bule para ser o grande ganhador da noite. E como andei sendo bem ranzinza com algumas adaptações (As vantagens de ser invisível e O lado bom da vida, mais especificamente), achei que cabiam alguns comentários, até para deixar claro que eu não sou aquele tipo de bocó que não consegue perceber que é óbvio que adaptações são diferentes dos livros.
A questão é: tomo o trabalho de Ang Lee com As aventuras de Pi como modelo de um bom roteiro adaptado. Coisas foram deixadas de lado? Claro. Coisas foram alteradas? Evidente. Mas a essência da obra foi captada, o que a fez dela algo especial (ou seja, uma história que merecia ser contada), está lá. Continue lendo “As aventuras de Pi (Yann Martel)”
As Virgens Suicidas (Jeffrey Eugenides)
Por mais que algumas pessoas pensem que boas histórias são escritas como que em uma enxurrada criativa vivida pelo autor, a verdade é que pelo menos nos bons livros nada é por acaso. Para explicar meu ponto de vista, dou este exemplo: o que seria de Dom Casmurro se ao invés de um narrador-personagem (Bentinho) tivéssemos um narrador em terceira pessoa, onisciente e que não atribuísse qualquer juízo de valor aos acontecimentos descritos? Bom, obviamente que Capitu não seria lembrada por tantos brasileiros (mesmo os que se traumatizaram com as aulas na escola). E digo isso porque se As Virgens Suicidas é um livro tão hipnotizante, é justamente por causa das (ótimas) escolhas de Jeffrey Eugenides ao contar os mistérios envolvendo os suicídios das meninas Lisbon. Continue lendo “As Virgens Suicidas (Jeffrey Eugenides)”
A idade dos milagres (Karen Thompson Walker)
A protagonista da história é Julia. Considerando outros livros de enredos parecidos, ela poderia ser uma cientista que trabalha para o governo dos Estados Unidos, ela poderia ser uma fora-da-lei que tem alguma perícia única que será capaz de salvar nosso planeta. Mas em A idade dos milagres, Julia é apenas uma garota de 11 anos, que em uma manhã de um final de semana fica sabendo com seus familiares através da notícia no plantão do jornal que o planeta Terra está rodando mais lentamente, e que ninguém ainda tem respostas sobre o que motivou essa mudança, como fazê-la parar ou se ela vai parar.
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A culpa é das estrelas (John Green)
Pode parecer estranho dizer isso, mas fui pega de surpresa por A culpa é das estrelas, de John Green. A parte estranha da informação diz respeito ao fato de que este não é um livro obscuro lido por poucas pessoas, daqueles que chegam em suas mãos sem qualquer informação e te pegam de surpresa. Não, comigo não foi por aí. Desde o lançamento lá fora eu já ouvido falar muita coisa sobre A culpa é das estrelas, com adjetivos que traziam variações do termo “apaixonante”, então é evidente que minhas expectativas estavam lá no alto quando finalmente comecei a ler. E aí foi um tanto frustrante começar a leitura e perceber que bem, o livro não era tudo aquilo. Por que diabos as pessoas gostavam tanto? Parecia morno, e mesmo uma repetição de muita coisa que já tinha visto em outros livros YA. Além disso, confesso que mesmo que uma doença incurável justifique um amadurecimento precoce, o modo como Hazel e Augustus se comportavam e falavam me soava um tanto artificial e em alguns momentos até irritante: “não posso admitir isso porque sou um adolescente”, diz um deles em determinado momento.
Sim, Augustus aparecia como uma personagem bastante cativante, mas enfim, faltava uma fagulha, alguma coisa ali que justificasse a razão pela qual todo mundo parecia amar o livro. Entendam: eu não estava odiando, só não estava achando que merecesse tanto elogio. E então Hazel e Augustus vão para Amsterdam buscar respostas do autor de uma obra que os dois adoravam e tudo muda de figura. TUDO. Entendi os elogios e eu mesma acabei me encantando pela história. Aquele começo que eu achei sem sal então faz todo sentido. Mais do que isso, torna-se fundamental para um efeito que John Green aparentemente queria causar. E como falarei do tal efeito daqui para frente, peço para quem não leu o livro que pare neste parágrafo, porque A culpa é das estrelas é um daqueles casos em que quanto menos você sabe sobre a obra, melhor. Continue lendo “A culpa é das estrelas (John Green)”