Livros da quarentena

Diabo de ano esquisito. Eu vejo fotos de janeiro e fevereiro e não consigo nem imaginar o que era que eu tinha em mente sobre 2020, até o sentimento naqueles tempos já parecem meio alienígenas. O negócio é que estou perto de completar cinco meses de isolamento. Já passei por crises de ansiedade, já mandei uns “VOCÊS PAREM COM ESSAS BRINCADEIRAS ESTÚPIDAS PORQUE A GENTE NÃO PODE IR PRO HOSPITAL” para os piás, já estou naquele ciclo de ficar com raiva por mais um dia trancada em casa, e aí me sentir culpada porque afinal eu posso ficar mais um dia trancada em casa, etc. etc. etc.

Enfim, nada que não esteja acontecendo com quase todo mundo por aí. Eu digo quase porque dia desses umas gurias da vizinhança gritavam “a minha bandeira jamais será vermelha” da sacada, e eu pensava “puxa, queria viver nessa mesma realidade em que a preocupação principal não é um vírus que já matou mais de 100.000 brasileiros, mas a possibilidade de sermos tomados pelo fantasma do comunismo”.

Blé.

Enfim, a pandemia esculhambou minhas leituras também. Inicialmente porque eu simplesmente não conseguia me desligar da realidade para embarcar na história que lia. Aquela coisa de “Moça, não abraça o cara, cumprimenta de longe” ou “Nha, saudades aglomeração no bar”. Depois o problema com as leituras ficou um pouco diferente, é sobre concentração, mas não mais pelo conflito entre a realidade que estava vivendo e a ficção que estava lendo. É mais que tem tanto acontecendo que a cabeça está sempre em outro lugar, nunca no que estou lendo e então a leitura não flui como deveria.

Mas mesmo com todas as dificuldades, volta e meia lembro de algum livro que li em outros  tempos. E aí achei que seria legal elaborar uma lista, situando os títulos nos momentos do isolamento, o que de certa forma explicaria a lembrança. Para lembrar os velhos tempos, é um misto de relato com top5. Começando, é claro, pelo começo.

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Station Eleven (Emily St. John Mandel)

Apesar de todo o barulho sobre Station Eleven, eu tinha lá um certo pé atrás com o título. Futuro pós-apocalíptico? DE NOVO? Séééério? Por isso nunca engrenava muito além dos primeiros parágrafos, descrevendo uma apresentação de Rei Lear no que eu imaginava já ser esse futuro. Mas quando finalmente engatei a leitura, só pela quebra de expectativas a Emily St. John Mandel já conquistou minha confiança para seguir em frente até o fim.

Acontece que a tal da apresentação se passa no que seriam os dias de hoje, é anterior ao evento que praticamente apaga a humanidade do mapa. Um ator famoso sofre um ataque cardíaco enquanto encenava Rei Lear, é acudido por um cara obviamente meio perdido na vida (mas que naquele momento decide que quer ser paramédico) chamado Jeevan. Está seguindo tudo dentro do esperado, nada demais, mesmo que o ponto de partida não seja como dos outros livros – até que no capítulo seguinte, quando após o brinde ao ator falecido feito por membros da companhia de teatro vem esta frase:

“Of all of them there at the bar that night, the bartender was the one who survived the longest. He died three weeks later on the road out of the city.”

PAM, PAM, PAAAAAM!! (Insira aqui a imagem do “That escalated quickly“). Então que fique claro desde já: essas frases com pequenas noções das proporções assustadoras da nova realidade vivida pelas personagens é uma constante durante todo o romance. St. John Mandel poderia se demorar descrevendo todo um cenário de fim do mundo, como livros no estilo costumam fazer. Mas ela economiza nesse ponto, deixa o leitor criar uma falsa sensação de segurança, de “nem é tão ruim assim” para então chegar com um punhado de frases como essas que servem quase como uma marretada e nos colocam de novo nos eixos: nada mais é como costumava ser.

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