A vida de um escritor sempre vem carregada de ironias. Vide o caso do autor norte-americano Herman Melville, famoso pelo catatau Moby Dick, e que por outro lado tem algumas de suas obras mais curtas (contos e novelas) completamente ignorados pelo público. O que não deixa de ser uma pena, porque Melville se sai muito bem nesse estilo de narrativa mais breve, o que fica óbvio em trabalhos como Bartleby. E é até por causa dessa dificuldade em reconhecê-lo não só como o escritor de Moby Dick que a coletânea O violinista e outras histórias, lançada recentemente pela editora Arte&Letra, é simplesmente essencial para quem quer conhecer mais sobre ele.
O livro traz sete contos de Herman Melville, (muito bem) traduzidos por Lúcia Helena de Seixas Brito. São como pequenos recortes da vida do século XIX, e talvez por isso mesmo acabará agradando bastante aqueles que tem gosto pela literatura da época. Mas o que se destaca nesses contos é como a leitura que se faz deles pode ser tão atual mesmo nos dias de hoje.
Desde a primeira vez que bati os olhos na capa do livro O estranho mundo de Zofia e outras histórias de Kelly Link (que ilustra esse post), pensava sempre a mesma coisa: Tim Burton. Tinha algo naquelas pernas com meia calça listrada de preto e vermelho, a rosas em tom meio vitoriano que evocavam a lembraça dos filmes meio estranhos e darks do diretor, como Eduardo Mãos de Tesoura e A Noiva Cadáver. Agora ao terminar a leitura desta coletânea de contos, chego à conclusão de que a referência não está assim tão errada.
Para quem acha que elementos fantásticos como bruxas, fantasmas e zumbis são coisa para livros de crianças, talvez devesse dar uma conferida nos contos de Kelly Link. Morte, solidão, aquela sensação de não se encaixar – está tudo ali, mesmo com a presença do sobrenatural, que aparece para dar contornos de fábulas ou contos de fadas à histórias na realidade bastante urbanas.
O Machado de Assis contista sempre se apresentou aos poucos para mim. Fora a coletânea Contos Fluminenses, não lembro de ter buscado outras coletâneas, mas os contos de forma avulsa mesmo. Sem nem pensar duas vezes penso em A Igreja do Diabo, Missa do Galo e outros textos que mostram que quando o assunto era prosa, Machado de Assis sabia muito bem o que estava fazendo. E justamente por isso quis conferir a edição de Papéis Avulsos que saiu pela Penguin & Companhia das Letras: mesmo que já conhecesse alguns contos, sabia que seria um prazer reler.
Minha grande surpresa é que mesmo as releituras viraram novas leituras. Porque o trabalho com as notas de Hélio Guimarães (professor de Literatura Brasileira na USP) tornou textos já conhecidos como O Alienista e O Espelho algo completamente diferente, ampliando a noção do Rio de Janeiro e do Brasil de Machado e, mais do que isso, mostrando a pluralidade de referências do escritor, que citava autores então modernos como Allan Poe e Longfellow, além dos clássicos.
O lado negativo de gostar muito de uma forma de narrativa é que o leitor faz dela sempre sua primeira opção de leitura. E aí, anos e anos depois, começa a encontrar dificuldade em se surpreender. O prazer da boa leitura ainda está lá, alguns textos são de fato excelentes. Mas falta aquele “algo a mais” que te faz pensar “Como é que não conheci esse escritor antes?”. Foi justamente o que aconteceu comigo ao ler O fio das missangas, de Mia Couto. Gosto muito de contos, mas a verdade é que há tempos não sentia essa sensação de descoberta, da inclusão de mais um nome da lista de favoritos de todos os tempos.
A prosa de Couto é quase poesia. Nem tanto pelo ritmo, mais pelas imagens que evoca – o fantástico no cotidiano apresentado de maneira leve, suave. Muito cabe à interpretação do leitor, somada a verdadeiros quadros-ideias. Trata-se de algo que normalmente escritores só conseguem em um poema, como dá para ver na abertura do conto Inundação: Continue lendo “O fio das missangas (Mia Couto)”
Na apresentação dessa coletânea de contos de Guy de Maupassant publicada pela Companhia das Letras, Noemi Mortiz Kon conta que a educação literária do escritor ficou por conta de ninguém mais, ninguém menos do que Gustave Flaubert. A condição para ser aceito como pupilo é que escrevesse sem parar e que não publicasse seus primeiros textos. O resultado desse “treinamento” de Flaubert fica óbvio ao constatarmos o tamanho do livro (mais de 800 páginas) e a qualidade dos contos nele presentes. E se pensar que foram escolhidos (ou seja, outros ficaram de fora), temos aí um autor que realmente levou a sério a tarefa de escrever ininterruptamente.
Os 125 contos presentes na coletânea mostram o que há de melhor na prosa de Guy. Os grandes contos, mais conhecidos do público, como Bola de Sebo e O Horla estão lá, assim como obras geniais do horror, o caso do conto A Morta e Sobre a água. Retratos ácidos da sociedade em que vivia também ganham destaque, sempre com uma conclusão irônica a respeito do que foi contado.
Eu não sei exatamente qual era a intenção da Conrad ao partir Fragile Things de Neil Gaiman em dois. A impressão que fica após a leitura do primeiro volume é que a seleção dos contos e poemas presentes na coletânea do escritor inglês funcionariam muito melhor se viessem como no original. Isso porque o primeiro volume ficou só com os contos (e uma novela), e alguns deles já apareceram em outras coletâneas de Gaiman, e também porque não respeita a ordem de apresentação da publicação original.
E Gaiman é cuidadoso, e a verdade é que há um ritmo que é criado a partir da ordem dos textos. Os temas também não se repetem, e assim a leitura fica menos cansativa. Resumindo: ainda acho que Coisas Frágeis deveria vir em um volume só, mas isso não significa que não seja bom. Alguns dos melhores trabalhos de Gaiman estão ali. Continue lendo “Coisas Frágeis Vol.1 (Neil Gaiman)”
Publicado no Brasil pela Companhia das Letras pela primeira vez em 2008, e agora em 2010 ganhando a primeira reimpressão, Putas Assassinas trata-se de uma coletânea de contos do escritor chileno Roberto Bolaño. Eu confesso que ainda estou começando a conhecer o autor (lendo 2666 aos poucos, lembram?) e fiquei bastante impressionada com o que vi, ainda mais quando os fãs de Bolaño dizem que esse é o livro mais fraco dele. Se realmente é, fico imaginando os demais deve ser excelente.
Não é que todos os contos sejam perfeitos. Mas todos chamam a atenção por algum aspecto, mesmo os que se revelam mais sem graça. Os temas são recorrentes (e inclusive ecoam no romance 2666): sexo, violência, exílio, pesadelo. A maioria das personagens mostram aquele deslocamento de quem vive em vários lugares mas não reconhece nenhum como seu. São de outros países, vão para outros países e se perdem, tentando se encontrar em resgates de memória.
Enquanto estava lá envolvida com minha monografia (que sim, envolve um trabalho do Neil Gaiman mas que não, não vou comentá-la antes de ela ter sido aprovada) me dei conta que M is for Magic não é uma boa antologia de contos do escritor. Não no sentido de ter contos ruins, quéisso, gente. Mas mais por não mostrar o verdadeiro Gaiman contista, já que ali o que temos são os trabalhos mais leves, voltados especialmente para o público infanto-juvenil. Foi por isso que decidi comprar Smoke and Mirrors para relaxar um pouco das leituras monográficas (há!).
Publicado pela primeira vez em 1998 (por coincidência, o ano que li Sandman pela primeira vez), conta lá com 30 textos de Gaiman, isso sem contar a Introdução que tem um conto no meio também. Aqui não tem a história de contos escolhidos para crianças, são os contos dele e é isso aí. E por causa do número grande de textos que eu indicaria para alguém que quer conhecê-lo além das HQs e dos romances (mas vale lembrar que alguns dos meus favoritos estão lá no M is for Magic também, incluindo Chivalry, The Price e October in the Chair).
E se você queria ter participado mas perdeu a chance, não se preocupe porque logo outros concursos surgirão lá no Meia Palavra, e não só de contos. No mais, agradeço de coração a todos que toparam participar enviando contos. Esse concurso só foi possível por causa de vocês.
PS. Sim, mudei o visual do Hellfire. Finalmente me rendendo às três colunas, há, há.