The Little Stranger (Estranha Presença, Sarah Waters)

the-little-strangerNunca tinha ouvido falar do livro The Little Stranger de Sarah Waters (lançado aqui no Brasil pela Record como Estranha Presença). O que chama minha atenção para a total ignorância sobre o título foi basicamente o fato de que eu adoro histórias de casas assombradas por fantasmas e bem, The Little Stranger tem uma casa assombrada por fantasmas. Junte aí o fato de que a obra foi finalista do Man Booker Prize de 2009 e pans, wtf Anica, por onde anda sua cabeça? Ok, voltamos à ordem natural das coisas, já li o dito cujo. É realmente uma ótima história de fantasmas, mas ela não é uma história de fantasmas, e daí justamente o seu charme. De certa maneira lembrei muito de A outra volta do parafuso enquanto lia, já que muito dos recursos utilizados por Waters são bastante parecidos com os da obra de Henry James.

As semelhanças começam com a presença de um narrador não confiável, Faraday. Logo de cara  ele descreve seus sentimentos sobre a primeira vez que esteve na mansão Hundreds Hall, quando ainda era criança: uma grande admiração e desejo de ser parte daquilo. Faraday era filho de pessoas humildes, ainda jovem perdeu a mãe e com esforços do pai conseguiu seguir carreira na medicina, e é como médico que retorna à mansão, para cuidar da empregada da família Ayres. Quando chega ao local, descobre que ele não tem mais nada a ver com as memórias de sua infância: decadente e caindo aos pedaços, Hundreds Hall aparece como um símbolo do que as Guerras fizeram com as famílias mais ricas da Inglaterra.

Continue lendo “The Little Stranger (Estranha Presença, Sarah Waters)”

O Teorema Katherine (John Green)

TeoremakaJá tem alguns dias que terminei O Teorema Katherine de John Green, mas quis esperar alguns dias para ver se envelhecia bem na minha cabeça. Não entenda mal: o livro é divertidíssimo, gostoso de ler, engraçado e cheio de referências bacanas (se você já assistiu a algum episódio do Mental Floss com o John Green vai sacar logo o que quero dizer com isso). Mas… mas… chegou por aqui depois de A culpa é das estrelas. E é até injusto julgar O Teorema Katherine tendo como critério de comparação A culpa é das estrelas, porque há um intervalo de seis anos (e três livros) entre eles, porém, por mais que você repita o mantra “não eleve suas expectativas, não eleve suas expectativas”, o final da leitura deixa um gosto meio agridoce, digamos assim.

Logo de cara para o que eu não gostei para que depois eu vá para o que eu gostei: o livro é MUITO previsível. Ridiculamente previsível. Previsível do tipo: personagem entra na história e você já sabe qual será o desfecho do livro, porque já viu ‘n’ filmes e leu ‘n’ livros assim. Pode ser falta de jeito de um escritor até então não tão experiente (lembrando, este foi o segundo livro publicado do Green lá fora), mas enquanto ele consegue ser bastante sutil e surpreender quando já maduro em A culpa é das estrelas, em O Teorema Katherine ele entrega apenas mais do mesmo. Não tem nada aqui que você já não tenha lido (ou visto) em histórias para adolescentes já contadas nos últimos anos. Além disso, acho que os conflitos das personagens são extremamente rasos, sem profundidade, quando o próprio enredo oferecia uma ótima oportunidade para falar dos desafios de tornar-se adulto de um modo mais sutil.  E se usei a palavra “sutil” duas vezes em um mesmo parágrafo acho que dá para resumir a coisa toda como “falta de sutileza”. Mas veja bem, não estou me contradizendo sobre não poder comparar um com outro pelo intervalo de tempo. É um defeito do livro independente do que Green publicou depois. O problema é que pela ordem de publicação nem todo mundo aqui no Brasil ficará sabendo que O Teorema veio antes de A culpa, e para muitos ficará parecendo que a qualidade da escrita dele caiu, ao invés de evoluir. Então fica o aviso: Teorema veio antes. Não se esqueça disso. E sim, é previsível. Tente não se irritar com isso e leve em consideração os outros aspectos, e você terá algumas horas de diversão, posso garantir.

Continue lendo “O Teorema Katherine (John Green)”

O filho de mil homens (Valter Hugo Mãe)

o-filho-de-mil-homens-valter-hugo1Muitas vezes como leitor você pode dizer que gostou de um livro, mas na realidade gostou do enredo. Ou ainda, gostou das ideias apresentadas pelo autor. Pode também gostar de alguma técnica de narrativa inovadora ou mesmo difícil de usar, mas que o escritor soube dominar muito bem. Mas a verdade é que depois de um tempo como leitor, ter os três elementos combinados vai se tornando algo cada vez mais raro, e é por isso que enquanto lia O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe (agora com maiúsculas!), já o fazia pensando que era livro para entrar fácil nos favoritos do ano. Sim, todos os elementos estão ali. E sim, se você como eu também se apaixonou por A máquina de fazer espanhóis, deve correr atrás sem perder tempo – vale a pena até furar aquela sua interminável lista de leituras pendentes, acredite.

O enredo encanta porque, embora melancólico, é de uma doçura surpreendente. Temos inicialmente um pescador chamado Crisóstomo, que ao chegar nos 40 anos se dá conta que por conta de fracassos na vida amorosa é agora um homem sem filho. E ele realmente acredita que um filho o tornaria completo, tiraria dele uma tristeza na qual mergulhara. “Via-se metade no espelho porque se via sem mais ninguém, carregado de ausência e silêncios como os precipícios ou poços fundos“. Sai então procurando alguém que o aceite como um pai, para encontrar Camilo, metade como ele que com Crisóstomo forma algo inteiro, completo. Até que o menino sugere ao pai que busque uma mulher, para que seja o dobro.

Continue lendo “O filho de mil homens (Valter Hugo Mãe)”

Do Kindle 3 para o Kindle Paperwhite

A imagem não é minha, mas daqui: http://mailboxmonday.wordpress.com/2012/10/10/kindle-paperwhite-love-it-returning-it/ curiosamente a autora não curtiu a luz. Vale a leitura, até para ter opiniões diferentes do produto.
A imagem não é minha, mas daqui: http://mailboxmonday.wordpress.com/2012/10/10/kindle-paperwhite-love-it-returning-it/ curiosamente a autora não curtiu a luz. Vale a leitura, até para ter opiniões diferentes do produto.

Já vão aí uns três anos desde a primeira vez que “experimentei” o kindle do Fábio e mandei para as cucuias todo o meu preconceito sobre e-readers e disse “Quero um também!”. Não vou dizer que foram anos tranquilos, já que aqui em casa nossos kindles estragaram um número suficiente de vezes para que eu ficasse traumatizada e sempre sentisse aquele medo de “Será que a tela vai congelar?” cada vez que puxava o botão para ligar o aparelho. O outro ponto negativo era que meu kindle 3 não tinha luz. Isso não é de fato um problema se você: a) tem uma luz boa na cabeceira da sua cama ou b) não precisa se preocupar com a energia caindo na sua rua cada vez que cai uma chuva mais forte.

Não era bem o meu caso. A luz da minha cabeceira era fraquinha, e eu só conseguia ler virada para a esquerda. Se virasse para a direita, tinha que forçar a vista. E sim, só durante este verão foram pelo menos duas noites lendo com uma lanterninha xumbrega que temos para os dias em que a energia cai por aqui. Por isso quando chegaram as notícias sobre o Kobo Glo sendo vendido no Brasil, já comecei a ficar toda animada para trocar o aparelho. Matava dois coelhos com uma cajadada só: não tenho trauma de Kobo com tela congelada e teria a luz para a leitura à noite.

Continue lendo “Do Kindle 3 para o Kindle Paperwhite”

Por isso a gente acabou (Daniel Handler)

12986_ggNa capa de Por isso a gente acabou tem um selinho que diz “Daniel Handler é Lemony Snicket, o autor dasDesventuras em Série“. Ao contrário de muita gente eu ainda não li Desventuras em Série, então no final das contas a questão do nome do autor não pesou no meu interesse pelo livro – Handler, Snicket, tanto faz. Mas ao ler a sinopse, fiquei morrendo de vontade e curiosidade de ler Por isso a gente acabou. A história é na realidade uma carta que Min está escrevendo para o ex-namorado Ed, para entregar junto com uma caixa cheia de objetos que representaram algo para ela no tempo em que estiveram juntos. “Vou largar essa caixa na sua varanda, Ed, mas é você, Ed, quem está sendo largado“.

A identificação com a situação foi instantânea, por isso queria ver como a trama se desenvolveria. Minha primeira (boa) surpresa ao ter o livro em mãos foi perceber que ele tinha ilustrações de Maira Kalman representando os objetos dos quais Min está falando. A arte é muito legal, e o efeito que provoca ver o objeto e então ler o que Min tem a falar sobre ele acaba de certo modo reproduzindo a sensação que teríamos se fôssemos Ed, abrindo a caixa e vendo aos poucos aquelas recordações, revendo tudo o que passaram juntos nos poucos dias de namoro. Continue lendo “Por isso a gente acabou (Daniel Handler)”

American Horror Story: Asylum

06Quando começaram a sair as primeiras notícias sobre o que seria a segunda temporada de American Horror Story, confesso que senti um certo receio: o que ficou claro é que ela não seria uma continuação da primeira, as personagens não teriam nada a ver com o que vimos antes e um novo local seria o cenário para o horror. Logo fiquei sabendo que alguns atores da temporada anterior voltariam  (sem ter a menor ideia de como isso funcionaria), e que a segunda temporada seria ambientada em um hospício. Coloque aí nessa conta uma série de teasers beeeem “wtf?!” e pronto, curiosidade lá no topo.

Pois bem, toca aí o tema de abertura (assustador, mas ainda acho o da primeira temporada mais horripilante). Por desencargo de consciência vou já avisando que este post fala da segunda temporada como um todo, e portanto está cheio de spoilers, ok? Ok. Então vamos lá. Logo no primeiro episódio fica evidente o que é que eles tinham em mente: é como se cada temporada de  American Horror Story fosse uma nova série de terror estreando na tv. Ao entrar em Briarcliff logo fica evidente que agora as regras do jogo mudaram: esqueça as histórias de espíritos presos a uma casa, o horror agora é outro. Na realidade, outros: não se economiza em possibilidades de assustar: ets, médico louco, serial killer, freira sádica. De tudo, um pouco.

Continue lendo “American Horror Story: Asylum”

Locke & Key (Joe Hill/ Gabriel Rodriguez)

395px-JoehilllockekeyLembro que quando me perguntavam sobre A estrada da noite, eu costumava dizer que era algo como Stephen King meets Neil Gaiman: há o terror, sem dúvida, mas também aquele jogo de referências que o autor britânico tanto gosta de fazer. Considerando esta definição, é até curioso que Joe Hill tenha trilhado um novo caminho em sua carreira, escrevendo histórias em quadrinhos (fazendo a trilha de Gaiman ao contrário). Então é claro que fiquei com a curiosidade atiçada e quis ir atrás da série Locke & Key, escrita por Hill e ilustrada por Gabriel Rodriguez.

Reza a lenda que a IDW Publishing tinha procurado o Hill para publicar uma versão em quadrinhos da coletânea de contos Fantasmas do Século XX, mas então o autor ofereceu o título até então inédito, e a editora acabou publicando. O que pessoalmente acho muito inteligente da parte da IDW, porque Fantasmas do Século XX é só “meh”, mas Locke & Key é muito legal – das coisas escritas pelo Hill que eu já li, fica só atrás de A estrada da noite.

Continue lendo “Locke & Key (Joe Hill/ Gabriel Rodriguez)”

O Circo da Noite (Erin Morgenstern)

Capa_CircoDaNoite_WEB(alguém fez busca por este post aqui, então acho que já está na hora de trazer do arquivo para cá)

Muitas pessoas torcem o nariz para livros de fantasia, isso é fato. Mesmo que autores como J.R.R. Tolkien e J.K. Rowling conquistem legiões de fãs, parece que livros desse tipo estão sempre com o estigma de “literatura de entretenimento”, como se por serem assim não tivessem qualquer qualidade. Não é verdade. O simples fato de conseguirem nos transportar para um lugar onde as regras do “mundo real” não são mais válidas, de nos permitir romper um pouco com nossa chata realidade já é, por si só, um aspecto mais do que positivo. Pensei nisso enquanto me maravilhava com Le Cirque des Rêves, criado por Erin Morgenstern em seu romance de estreia, O Circo da Noite. Não há outro verbo, é maravilhar mesmo, imaginando pequenos momentos descritos pela escritora e pensando em como isso ficaria lindo se visto “na vida real” (ou, pelo menos, em um filme).

A premissa é até bastante simples: uma garotinha de cinco anos é entregue ao pai logo após a morte de sua mãe. O pai é Próspero, um grande mago (embora não se refira a si mesmo como tal), que finge ser um ilusionista (se não ficou claro, a ideia é parecida com a do Teatro dos Vampiros em Entrevista com o Vampiro, só que ao invés de vampiros estamos falando de pessoas que conseguem manipular a realidade). O sujeito resolve envolver a filha em uma espécie de desafio com outro mago, que acolherá um pupilo para tal fim. O desafio em si não fica claro nem para a menina (Celia) nem para o rapaz (Marco) e ok, nem para o leitor – e em partes é isso que prende a atenção de quem tem o livro em mãos, descobrir o que é o tal do duelo entre Próspero e Alexander.

Continue lendo “O Circo da Noite (Erin Morgenstern)”

Garota Exemplar (Gillian Flynn)

GarotaExemplarJuro que não sei exatamente o que despertou minha curiosidade sobre Garota Exemplar, de Gillian Flynn. Acho que uma reportagem mencionando o fato de que este livro tinha desbancado Cinquenta Tons de Cinza, e aí eu queria saber qual era a nova pira do momento, não sei. O fato é que coloquei no kindle e comecei a ler sem grandes expectativas, primeiro porque a) eu estava um pouco traumatizada com a Intrínseca (ver lista de piores leituras de 2012), b) O enredo parecia de filme que eu assistia no Supercine (ainda passa Supercine?) e c) Meu preconceito bocó dizia que se desbancou Cinquenta Tons de Cinza, boa coisa não poderia ser.

Mas ok, comecei a ler. E poucas páginas depois, já não queria mais abandonar o livro, principalmente quando percebi a jogada que Flynn começou a fazer com as opiniões que o leitor tinha das personagens. E se menciono isso já, assim, segundaparagrafamente, é porque quero dar um aviso para você que ainda não leu Garota Exemplar: fuja da campanha de marketing da editora. Não leia sinopse do livro, orelha, nem nada. Algumas informações que estão sendo colocadas para anunciar o livro acabam te colocando na pista errada e, o principal, afetando seu julgamento das personagens de uma forma diferente do que deveria ocorrer. Sobre isso falo um pouco mais para frente, aguenta aí.

A questão é que minha cabeça está aqui cheia de ideias a serem comentadas sobre o livro, mas não queria estragar a experiência inicial de ninguém, portanto fica a velha recomendação: volte quando tiver acabado de ler. Por incrível que pareça, esse meu cuidado nada tem a ver com o enredo principal que tem sido apresentado por aí (mulher desaparece, marido é o principal suspeito, etc.), aliás, eu acho que é o tipo de livro que “sobrevive” muito bem mesmo que revelem spoilers, só que fica aquela sensação de chupar bala sem tirar o papel (há!). Avisados? Ok, então agora vamos por partes. Três, como no livro.

Continue lendo “Garota Exemplar (Gillian Flynn)”

Max e os Felinos (Moacyr Scliar)

max e os felinosEntão, demorou um pouco para eu poder ler Max e os Felinos porque o livro simplesmente tinha sumido de qualquer livraria online, e até do estante virtual. Fiquei sabendo pela Izze que a L&PM está preparando uma nova edição bem caprichada agora para março, e eu já estava até convencida a esperá-la quando a Clara me escreveu dizendo que achou um Max e os Felinos em uma banca e que mandaria para mim e bem, chegou ontem e já li. Antes que comecem com “E aí, Pi é plágio mesmo?” vou falar sobre o livro, hmkay? Depois tratamos do assunto mais espinhoso.

A edição que ganhei da Clara veio sete anos após a polêmica de 2002 envolvendo o canadense Yann Martel, portanto já veio “equipada” com alguns itens para quem deseja informações sobre a questão do plágio: uma introdução escrita pelo próprio Scliar em 2003, além de Zilá Bernd chamado De trânsito e de sobrevivências, que traça um paralelo entre as duas obras, mostrando suas óbvias semelhanças. Como não queria afetar meu julgamento sobre a questão, deixei para ler esse texto depois (mas que achei bem interessante, com algumas interpretações que passaram batido para mim inicialmente). De qualquer forma, acredito que os dois estarão presentes na nova edição, por motivos óbvios.

Continue lendo “Max e os Felinos (Moacyr Scliar)”