A Peculiar Tristeza Guardada Num Bolo de Limão (Aimee Bender)

peculiartristezaRose é uma garotinha que está prestes a completar nove anos de idade, quando experimenta um bolo de limão com calda de chocolate feito especialmente por sua mãe. Ao colocá-lo na boca, sente um gosto ruim, mas não um sabor de ingrediente estragado ou excesso de doce ou seja lá o que deixa um bolo de limão ruim. Não, o que Rose sente é a profunda tristeza da mãe. É ali que ela descobre que tem um “poder especial”, de sentir o sentimento das pessoas ao comer algo preparado por elas. E então você une essa ideia bacanérrima com um título bastante curioso (gente, tenho uma queda por “peculiar”), uma capa fofíssima e lógico que a curiosidade sobre a história faz com que ele pule algumas posições na infinita lista de livros para ler. E aí quando você termina, com o perdão do trocadilho, sente um sabor meio agridoce. Aquela sensação de “certo, eu até gostei do livro, mas ao mesmo tempo, poutz, que ideia boa jogada fora!”. Mas me apresso, vamos devagar.

O fato é que para Rose, ainda uma criança, o tal do “poder especial” acaba se apresentando como um fardo, e não como uma dádiva. Isso porque a protagonista (e narradora) vive em um lar bastante disfuncional: não basta a mãe deprimida, ela tem um pai que parece bastante distante e um irmão tratado como prodígio mas que tem óbvios problemas para lidar com outras pessoas (inclusive Rose). Sem poder contar com a família e sem muitos amigos, a garota acaba recorrendo ao amigo do irmão, George, que a ajuda a “testar” seu poder, ou ainda, compreendê-lo melhor. A aproximação obviamente acaba virando uma apaixonite, mas sobre isso falamos logo mais. O fato é: esse primeiro momento da narrativa é fofo, embora não passe nenhuma ideia de onde é que vai dar (será uma história em que nada acontece? algo acontecerá? o foco será o poder de Rose?, etc). Mas assim que Rose começa a crescer, ela começa a ficar amarga e a narrativa também azeda. E juro que a partir de agora vou para com os termos relacionados ao paladar para falar de A peculiar tristeza guardada num bolo de limão, sério.

Continue lendo “A Peculiar Tristeza Guardada Num Bolo de Limão (Aimee Bender)”

Dia dos namorados, livros, etc.

Nota: este post foi originalmente publicado no Meia Palavra em 31 de maio de 2012. Como aos poucos estou trazendo meus textos de lá para cá, achei que era o momento adequado para esse. Dei uma editadinha no final com outras sugestões de leitura, então quem quiser conferir o texto original é só clicar aqui.

Someone is staring at you in “personal growth”…

Este ano demorou um pouco mais, porém já aparecem aqui e acolá propagandas dos Dias dos Namorados, incluindo as que vendem livros como opção de presente. O que eu achava até engraçado, já que no final das contas a leitura mais e mais é um hábito particular. Mas aí pensando em elaborar uma lista de sugestões, por coincidência cai em minhas mãos Bonsai, que é todo montado na relação de um casal com os livros. Ou seja, embora a experiência de leitura seja única e varie de leitor para leitor, podemos ter momentos compartilhados com outras pessoas, fazer uma obra virar lembrança, uma piada interna, ir além da leitura. Quer exemplos?

Exemplo 1: Menina de 18 anos ao telefone com um carinha por quem era completamente apaixonada porque ele era todo inteligente-cheio-de-mil-referências. Estão jogando conversa fora, quando a garota comenta que o irmão e a cunhada estão assistindo ao filme 1984. O guri fala “Desligue já o telefone e vá ver este filme”. A menina desligou e nem assistiu direito, em uma neura louca pensando que ele só queria era se livrar dela. E mais: naquele dia escreveu no diário como aquele cara era babaca às vezes. Poucos anos depois finalmente leu 1984 de George Orwell. Gostaria de ainda ter contato com o sujeito para comentar com ele como aquele livro era genial, e como ela deveria ter assistido ao filme sem birra naquele dia do telefonema. Mas outros anos depois viu a lista de favoritos dele no Orkut e chegou a conclusão que um relacionamento com um carinha que colocava Amyr Klink no top5 estava mesmo fadado ao fracasso. Incompatibilidade de gostos literários fala alto, sabe como é.

Continue lendo “Dia dos namorados, livros, etc.”

Dr. Horrible’s Sing-Along Blog

Quem assiste séries de tv deve lembrar ainda da greve dos roteiristas, que começou em novembro de 2007 e seguiu até fevereiro de 2008. A coisa foi séria, ao ponto de arruinar completamente séries que tinham algum potencial (como Heroes) e mexer com o calendário de premiações. A lembrança pode não ser boa, mas foi por causa dessa greve que Joss Whedon teve a oportunidade de criar a ótima web série Dr. Horrible’s Sing-Along BlogNas palavras do próprio Whedon: “Once upon a time, all the writers in the forest got very mad with the Forest Kings and declared a work-stoppage. The forest creatures were all sad; the mushrooms did not dance, the elderberries gave no juice for the festival wines, and the Teamsters were kinda pissed. (They were very polite about it, though.) During this work-stoppage, many writers tried to form partnerships for outside funding to create new work that circumvented the Forest King system.” Ou seja: Dr. Horrible foi um jeito de não fazer parte do sistema dos grandes canais, provar que era possível fazer algo novo, diferente.

O musical tragicômico cujo protagonista é um vilão no melhor esteriótipo das histórias em quadrinhos foi dividida em três atos, cada um com pouco mais de quinze minutos. Cada ato foi ao ar em um dia diferente naquele ano, sendo disponibilizado para todos de graça (pelo que eu entendi, ficaram no ar até o dia 20 de julho daquele ano, quando então foram retirados do site). É um modelo que hoje em dia pode já até não ser mais novidade, mas naquele momento era bastante original e chamou atenção (valendo até premiações, vale ressaltar).

Continue lendo “Dr. Horrible’s Sing-Along Blog”

Haunted (Chuck Palahniuk)

Muitas pessoas conhecem a história de como Frankenstein foi escrito: quando tinha ainda dezenove anos, Mary Shelley passou um período em Genebra junto com Percy Shelley, John Polidori e Lord Byron. Reza a lenda que foi proposto um desafio sobre quem escreveria a história mais assustadora, e que Shelley vencera. Se isso é verdade ou não, não há como confirmar, mas é certo que foi de um sonho que teve enquanto dormia na chamada Villa Diodati que surgiu um dos monstros mais famosos da literatura. E é tendo esse encontro de escritores em mente que em Haunted, de Chuck Palahniuk, a personagem Mr. Whittier cria uma espécie de retiro de escritores, convidando outras 18 pessoas para “abandonarem suas vidas por três meses”, de modo a finalmente estarem aptos a escrever uma grande obra.

Esta reunião é a moldura de Haunted. Seguindo o exemplo de outras obras com estrutura similar (como Os contos da Cantuária e Decamerão), o livro de Palahniuk é o que chamam de narrativa de moldura (ou frame story em inglês), onde temos uma (ou mais) histórias inseridas dentro de uma história. Aqui, Whittier reúne em um teatro abandonado o grupo de pessoas, tranca as portas, e pede para que cada um conte sobre suas vidas, afirmando que só deixarão o lugar quando escreverem suas obras primas ou quando passarem os três meses propostos inicialmente (o que vier antes). A história de cada personagem, que em sua maioria poderiam ser lidos como contos independentes do romance, é precedida de um poema de versos livres que de certa forma apresenta a pessoa que prestará o depoimento.

Continue lendo “Haunted (Chuck Palahniuk)”

Tweets que valem o clique (4)

E já que amanhã é feriado, vamos lá continuar com a sequência de tweets que valem o clique. Para quem chegou agora, aqui tem o primeiro, aqui o segundo e aqui o terceiro. Atualizado: sempre assim, termino de colocar o post e vem coisa nova.

Para quem acha que Sherlock é tiozão:

Para quem gostou de Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children:

Continue lendo “Tweets que valem o clique (4)”

Sintomas (Paulo Leminski)

– Doutor, estou sentindo uma rima terrível.

É assim que o curitibano Paulo Leminski abre o conto Sintomas, presente na deliciosa coletâneaGozo Fabuloso. Conto? Mas Leminski não era poeta? Calma, meu pequeno gafanhoto, porque essa nossa mania de rotular o sr. Leminski aplicou um golpe e nos colocou no chão.

Era poeta sim, e dos bons. Mas foi tanto mais: escreveu romance, escreveu conto. Compôs música, traduziu, escreveu ensaios. É tanto que alguma coisa acaba sempre passando batida, o que é uma pena, porque ele parecia circular muito bem em qualquer área que pedisse um punhado de linguagem misturado com criatividade. Falo de Sintomas numa escolha aleatória, porque essencial mesmo é todo o Gozo Fabuloso.

O conto é breve, um recorte. Mostra o diálogo entre paciente e médico, fazendo uma brincadeira entre a condição de ser poeta como se isso fosse um mal, uma doença. Carregado de traços autobiográficos, acaba sendo um caldo em que o escritor coloca para fora o que sente sobre ser um poeta. Não só poeta, vale lembrar. “Quando eu não agüento mais, eu faço um poema.“, diz ele em resposta ao médico sobre o que faz quando dói demais, levantando a velha questão de que é preciso ser um pouco triste para fazer poesia.

Continue lendo “Sintomas (Paulo Leminski)”

Top5: Novelas

Não, eu não vou falar de novelas da tv, até porque eu acho que a última que assisti do começo ao fim foi A Usurpadora.  Negócio é que notei que volta e meia falo sobre novela (em literatura) e aí fico sentindo falta de um linkezinho que traga uma (tentativa de) explicação sobre o que é novela e alguns exemplos disso. Então veio uma ideia de voltar para o bom e velho top5 do Hellfire, trazendo uma seleção com minhas novelas favoritas, ieiii! Ok, primeiro as (tentativas de) explicações. Normalmente as pessoas resumem toda a lenga lenga em “Novela é um texto mais longo que um conto, porém mais curto do que um romance”. Você já deve ter lido isso por aí, inclusive no Hellfire mesmo. O negócio é que é um tanto chato fazer uma definição que vá além disso, porque na realidade: 1) ninguém liga para esses detalhes, e aí todo mundo prefere dividir entre curto (conto) e longo (romance); 2) editoras e autores também não facilitam o trabalho, já que às vezes chamam de conto o que é novela, e de romance o que é novela e 3) a definição curtinha até que é boa, no final das contas.

Traçando um paralelo, romances seriam 11.

Mas tudo bem, vamos aos detalhes. Há quem diga que novela seja um texto que tenha algo entre 20 ou 40 mil palavras, o que é só uma versão com números da definição curta, se você for pensar bem. Negócio é que há concursos literários que premiam contos e novelas, e aí a diferenciação entre categorias fica justamente por conta do número de palavras, caso do Prêmio Nebula, que premia além de  roteiros, também contos, novelas, noveletas (sim, a coisa complica) e romances, levando em consideração o número de palavras. O conto, por exemplo, tem menos de 7.500 palavras, se tiver pouco mais do que isso já é noveleta. Continue lendo “Top5: Novelas”

How I Met Your Mother (S08E11 até Season Finale)

Se o grande evento é o casamento dele, então essa temporada foi…

No episódio anterior de Anica fala da oitava temporada de How I Met Your Mother

Certo, não parece muito animador. De qualquer forma, uma boa notícia: o episódio da semana que vem durará uma hora (daquele tipo “dois episódios em um”). E, segundo a notícia que eu li, uma coisa muito importante acontece. E parece que parte da equipe chorou em algumas cenas . Parece promissor. Negócio é esperar pelo dia 17, que poderá marcar o momento em que a série voltou aos trilhos.

O episódio em questão foi The Final Page (com parte 1 e 2). A coisa importante era o desenvolvimento do plano de Barney para pedir Robin em casamento, uma cena fofinha e toda nhooooum e bem legal porque brinca um pouco com a “mitologia” da série, já que o pedido envolve o famoso playbook do Barney. Mas a cena que fez parte da equipe chorar acho que foi a do Ted sozinho no final do grande evento. E cheesus, como o Ted sofreu nessa temporada – pelo menos a partir do rompimento com a Victoria. Não só por esse momento em The Final Page, mas com outros dois em episódios seguidos,  The Time Travelers (S08E20) e Romeward Bound (S08E21). Em Romeward Bound tem aquele baita xulépt que o Barney dá nele, dizendo “Eu vou casar com Robin, não você”. Aquilo foi tão seco, tão não-Barney que achei que iria repercutir de alguma forma nos episódios seguintes, mas ficou por aquilo mesmo.

Continue lendo “How I Met Your Mother (S08E11 até Season Finale)”

Not a Star and Otherwise Pandemonium (Nick Hornby)

Então que eu estava lá sofrendo minha crise de abstinência de Nick Hornby e fui fuçar nas livrarias gringas se tinha alguma novidade, o pelo menos algo que fizesse com que eu apagasse da memória o péssimo Everyone’s Reading Bastard. Acabei encontrando na Amazon não exatamente algo novo, mas pelo menos um livro que nunca tinha lido: Not a Star and Otherwise Pandemonium. Publicado em 2009 (viu, eu disse que não era novo), o livro saiu pela Riverhead Books, como parte da Penguin eSpecials. Nunca ouviu falar da Penguin eSpecials? Pois é, eu também não conhecia. Diz o site que “eSpecials são para leitores de ebooks que querem mais de um autor que já admiram”. Uou, gente, é bem o meu caso. Vem ni mim, Hornby.

O livro abre com Not a Star, um conto (ou novela, parece um pouco longo mas o fato de eu estar lendo de madrugada e com sono pode ter afetado o meu julgamento) originalmente publicado em 2000. Conta a história de uma mãe que um dia descobre que o filho é ator de filme pornô. Achou ruim? Calma, piora: ela descobre também que o rapaz é extremamente avantajado. É até um conto bacaninha, gostei principalmente das divagações da narradora mais para o final. Vale lembrar também que Lynn é uma narradora feminina até bem razoável, o que acho um ponto positivo, já que o na minha opinião o Hornby não é muito feliz nas histórias com narradoras femininas.

Continue lendo “Not a Star and Otherwise Pandemonium (Nick Hornby)”

O Psicopata Americano (Bret Easton Ellis)

Perto do final do romance O Psicopata Americano, de Bret Easton Ellis, temos um capítulo chamado “Fim da década de 1980″. A verdade é que este bem que podia ser um título para a obra de Ellis, já que resume tão bem o espírito geral do que se lê ao longo das quase 500 páginas, em uma narrativa sob o ponto de vista de Patrick Bateman. Bateman é o “psicopata” da história, mas inicialmente aparece apenas como mais um yuppie (termo usado para se referir a jovens adultos de classe média ou alta), com uma rotina tão próxima do esteriótipo que chega quase a ser um clichê. Ele se preocupa com a marca das roupas que usa, repara nas que seus colegas de trabalho usam, quer frequentar os lugares da moda, é mimado, egoísta e completamente desprovido de grandes sentimentos pelas pessoas próximas. É quando ele começa a falar em cabeças decepadas no congelador que o leitor passa a perceber que cheirar cocaína não é o único ato criminoso que Bateman comete.

Eu poderia seguir comentando sobre os assassinatos, mas durante a leitura resolvi tomar outro caminho. Explico: à medida que Bateman vai perdendo o controle sobre suas vontades e ficando cada vez mais violento, a narrativa fica pesadíssima. Torturas envolvendo choque elétrico, uma ratazana sendo colocada dentro da vagina de uma mulher, pedaços de outra sendo cozidos, etc. E acreditem, eu estou sendo breve e poupando os detalhes. Tem que ter estômago mesmo, e quem fala aqui é uma fã de filmes slashers, para ter ideia. Mas apesar de toda a piração do narrador ao descrever seus atos, não consigo deixar de ficar com uma certa pulga atrás da orelha sobre se os crimes realmente aconteceram, ou se ele estava apenas imaginando coisas. Algumas passagens colocam isso em dúvida, e por isso que foquei em outro aspecto, o de ninguém prestar atenção em ninguém.

Continue lendo “O Psicopata Americano (Bret Easton Ellis)”