E aos poucos, nós mesmos vamos conhecendo a vizinhança, num modelo que de certa forma se aproxima de The Brief History of the Dead que eu acabei de ler, com um capítulo concentrado em uma personagem. A diferença é que se no livro americano eu não achei que as personagens foram bem desenvolvidas dentro desse modelo, em Noites de Alface eu fiquei surpresa como a autora conseguiu desenvolver tão bem cada uma das figuras da cidadezinha, de torná-las tão palpáveis e carismáticas ao ponto de prenderem sua atenção mesmo que o que esteja retratado ali seja mero cotidiano: datilografa, vende remédio, bate iogurte no liquidificador, etc. Não há nada de realmente extraordinário (pelo menos aparentemente, já falo disso), mas cada um deles acaba conquistando sua atenção, como se fossem todos protagonistas junto ao Otto.
The Brief History of the Dead (Kevin Brockmeier)
A premissa básica do romance é que quando uma pessoa morre, ela não vai para um céu ou inferno. Ela vai para uma cidade, onde ficará com outras pessoas mortas até o momento em que não exista mais ninguém vivo que lembre dela. Há alguns trocadilhos no texto que deixam implícita a ideia de “alma”, mas os habitantes dessa cidade comem, dormem, ouvem música, se apaixonam, enfim, “vivem” como fariam do lado de cá. E aí você pega o papelzinho onde anotou o número de gente de quem você lembra e pensa: nossa, então essa cidade deve estar cheia, e seu raciocínio está correto, embora a cidade de adapte às novas “almas” que vão chegando, e vai crescendo cada vez mais, além de existir um certo equilíbrio: para um determinado número de gente que chega, há outro que vai embora.
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Les revenants
A primeira vez que ouvi falar sobre Les revenants lembro que a definição era “série de zumbis francesa”. Antes de começar a assistir de fato fui atrás de outras informações e então descobri que ainda conta com só uma temporada (oito episódios iniciados em 2012), que a segunda temporada tem previsão de estreia para a segunda metade de 2014 e que a série é uma espécie de remake de um filme de 2004 dirigido Robin Campillo. Hum, sim, também vi esta imagem aqui da publicidade:
E achei que tinha tudo para gostar e lá fui eu, dar uma olhada nessa primeira temporada. Já no primeiro capítulo já fiquei bastante interessada, até porque fugia do que já é mais conhecido nas histórias de zumbis: você não via cadáveres se decompondo andando de um lado para outro, mas pessoas normais. Até por causa disso, acho que a nota principal de Les revenants acabou ficando com o drama ao invés do terror, apesar da história central. Esta primeira temporada é muito mais sobre como os vivos se relacionarão (ou ainda, lidarão) com os mortos-vivos do que com sustos causados por comedores de cérebro, digamos assim.
House of Leaves (Mark Z. Danielewski)
A primeira vez que ouvi falar de House of Leaves foi em uma dessas listas que pipocam por aí sobre livros “intraduzíveis”. Fiquei curiosíssima após ver algumas imagens mostrando a formatação completamente louca das páginas, imaginando como é que aquilo se encaixaria na história, que em teoria é até simples. Temos três linhas para seguir: o artigo de Zampanò sobre um documentário, as notas que Johnny Truant incluiu neste artigo após a leitura e o material coletado por Will Navidson para criar o documentário do qual Zampanò fala. Cada linha é apresentada com uma fonte diferente, para ajudar o leitor a reconhecer a “voz” predominante. O documentário em questão é conhecido como The Navidson Record, e desde o início Truant revela nas notas de rodapé que não encontrou qualquer informação que comprovasse a existência do vídeo, porém o estudo de Zampanò vem recheado de referências a livros e pessoas tratando o documentário como real. Nós, como leitores, sabemos que é ficção mesmo que nomes como Miramax e Weinstein apareçam por ali, mas não deixa de ser interessante até como um recorte do nosso tempo a inclusão de nomes reais em um romance. Não tem como não achar graça, por exemplo, do trecho em que pessoas são entrevistadas e falam do Navidson Record. Quais pessoas? Ah, só “desconhecidos” como Anne Rice, Stephen King, Harold Bloom, Hunter S. Thompson e Stanley Kubrick. De novo: é evidente que são depoimentos “falsos”, mas ainda assim, cria um efeito interessante, puxando a ficção para a realidade.
Livro de papel x livro digital
Então, há tempos que estou matutando sobre isso, mas pensava que seria dizer o óbvio, então largava o rascunho na lixeira. Até que hoje cedo li esta matéria na Folha: Espírito crítico empobrecerá sem o livro de papel, diz Vargas Llosa. Afirma Llosa que “O espírito crítico, que sempre foi algo que resultou das ideias contidas nos livros de papel, poderá se empobrecer extraordinariamente se as telas acabarem por enterrar os livros“. Vamos partir do princípio que o texto é bem vago e não fala especificamente de e-readers e tablets mas de “telas”, mas uma vez que ele insiste bastante no termo “livro de papel”, acredito que esteja sim se referindo às novas formas de ler um livro ou seja, a boa e velha discussão sobre livros de papel e livro digital.
Llosa continua: “Estou convencido de que a literatura que se escreverá exclusivamente para as telas será uma literatura muito mais superficial, de puro entretenimento e conformista“. Eu não sei sobre você, mas eu fiquei com a nítida impressão de que ele não faz a menor ideia do que está falando (pelo menos no caso da tecnologia). Sabe, parece que é daqueles que ainda acham que há um ser contra ou a favor dos livros digitais, como quem veste camisa com um kindle estampado para num jogo qualquer decidir qual será o meio utilizado pelas pessoas para ler. Não, não é por aí. Já começa que não acredito que livros digitais substituirão livros de papel, eles trabalham de forma complementar. Talvez os “profetas” que anunciam o fim do livro de papel tenham em mente a chegada do dvd substituindo as fitas de video cassete, não sei. Se for esse o caso, acho que vale lembrar que não há um “aparelho” para decodificar o livro que não seja o próprio leitor, então onde existir alguém que saiba ler, o livro de papel terá sua função. Outra coisa é que houve uma real melhora na qualidade da imagem e de som do vhs para o dvd, mas no caso do livro de papel para o e-reader, bem, o que importa é o que está escrito, e não como você lê.
Só para deixar registrado
(Seguindo a mesma ideia deste post aqui e deste outro aqui, vamos lá para alguns comentários aleatórios sobre os filmes que tenho assistido)
Love and Other Perishable Items (Laura Buzo)
Negócio é que não começou muito bem. Amelia, menina de 15 anos descreve seus primeiros dias no emprego em um supermercado. Hum, sim, ela se apaixona por um funcionário chamado Chris. Não sei se era só porque eu estava em uma fase ruim (já mencionada no post anterior), mas a leitura só engrenou mesmo para mim quando descobri que a história era narrada por Amelia, mas cada trecho dela era seguido por páginas dos diários de Chris (uma personagem bem mais interessante, digo desde já). Assim, como leitores nós ficamos sabendo dos eventos primeiro sob o ponto de vista da garota, depois do garoto.
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Jack o Estripador (Paulo Schmidt)
Um dos pontos altos de Jack o Estripador é o modo como o autor consegue nos transportar para a Inglaterra Vitoriana, mesclando fatos sobre os assassinatos e as investigações com o dia-a-dia dos envolvidos (algo que também gostei no texto da Cornwell). Não é uma mera descrição fria de detalhes até perturbadores (se formos pensar especialmente nas descrições das vítimas), mas um texto montado de tal forma que pequenas informações te fazem lembrar uma das principais razões para Jack não ter sua identidade revelada: era a mente de alguém do século XX contra uma polícia que na realidade parecia pertencer ao século XVIII: impressão digital, amostra de sangue e outras pistas que hoje são lugar comum em qualquer investigação hoje sequer existem. Junte a isso um lugar superpovoado, com iluminação fraquíssima e temos o cenário perfeito para que Jack o Estripador cometesse seus crimes.
To everything there is a season
Eu sei que antigamente fazia posts de cada episódio para cada série que acompanhava, mas como deve ter dado para notar pela falta de posts, ando com uma preguiça tremenda para escrever (e ler e fazer qualquer coisa, que fase!), então para não deixar passar batido vou comentar algumas séries que estrearam nova temporada recentemente e que estou assistindo. Lembrando que ainda estou de ressaca pelo fim de Breaking Bad e nada do que vejo é tão bom quanto Breaking Bad e eu adoraria só falar de Breaking Bad e… ok, parei. Vamos lá.
HOW I MET YOUR MOTHER (S0901 até S0904)
Muita especulação sobre como seria a última temporada da série, ainda mais que agora todos nós conhecíamos o rosto da mãe. Aí começaram a surgir notícias falando que toda a temporada mostraria apenas o final de semana do casamento de Robin e Barney (confirmando minha teoria de que o nome da série deveria ser How I Met Your Barney) e eu fui desanimando. Mas aquela coisa, se você assiste oito temporadas, é claro que vai acabar vendo a nona nem que seja para saber qual será o desfecho. E aí chegou primeiro o episódio duplo de estreia, e então o terceiro e… agora recuperei minha esperança na série.
Breaking Bad: Felina (Series Finale)
Caro leitor que ainda não assistiu aos outros episódios de Breaking Bad: é evidente que se o título fala de Felina, este post será sobre Felina, portanto recheado de spoilers. Não seja bobo de continuar lendo isso aqui para depois sair xingando que tomou spoilers. Eu avisei: SPOIIIIIIIIIIIIILERS, SPOILERS MIIIIIIIL. Dica para quem quer começar, Netflix tem todas as temporadas (aqui no Brasil a quinta vai até o episódio 8, no Netflix UK eles já colocaram o episódio 16). E agora você, que já assistiu ao finale, pega na minha mão e vem comigo.
Que final. Que final. Como eu tinha comentado no post anterior, não tinha como ter “final feliz”, até porque Walt arrastou todo mundo para o fundo do poço. Eu me sentiria bastante lograda caso o último capítulo da história de Walt fosse, sei lá, com a personagem inventando uma mentira que livrasse sua pele, e aí todo mundo vivendo feliz e contente como se nada tivesse acontecido. Porque não foi só a metanfetamina que aconteceu, muito foi dito e feito e por causa disso para o protagonista sobrava apenas uma vaga redenção. Então veio como um alívio o fato de não termos Walter Jr. abraçando o pai e dizendo que o perdoa, ou qualquer outra variante do tipo.