Meu coração de pedra-pomes (Juliana Frank)

meucoracaoDa minha época de solteira acostumada a voltar do bar só depois das cinco da manhã, eu lembro de um dia em que cheguei em casa morrendo de sede, abri a geladeira e tomei um belo gole de coca-cola. Calma, não é aqui que eu imito o ursinho polar e faço HUMMMMM. Negócio é que um segundo depois descobri que não era coca o que eu tinha tomado, mas shoyu. A memória do incidente que na época serviu como lição (se chegar bêbada, não abra a geladeira) voltou assim que avancei na leitura de Meu coração de pedra-pomes, de Juliana Frank. Calma, não é um livro ruim como beber shoyu às cinco da manhã. É que considerando algumas resenhas que li por aí, estava esperando algo completamente diferente dessa obra lançada em no ano passado pela Companhia das Letras.

Eu não sei bem como foi que criei essa imagem, mas a impressão que tinha é que Lawanda, a faxineira do hospital, seria uma espécie de mistura de Amélie Poulain com Macabéa, e que o livro seria todo fofo, olha aquela borboleta na capa que não me deixa mentir. Bom, eis o choque de perceber que Lawanda não tem nada de fofa ou apática. Ela é tosquíssima e justamente por causa disso muito engraçada. Aliás, o tom do romance é esse: cômico. Um humor ácido e algumas vezes beirando ao nonsense (a começar pelo primeiro capítulo, com um julgamento da autora), do jeitinho que eu gosto.

Continue lendo “Meu coração de pedra-pomes (Juliana Frank)”

Ela (Her, 2013)

Tá. Acho que vale começar a dizer que apesar do histórico, não sou particularmente fã do Spike Jonze, muito menos do Joaquin Phoenix. Digo isso porque não são nomes que despertem minha curiosidade sobre um filme, nem é um daqueles casos em que você já gosta antes mesmo de assistir. Mas aí saiu trailer, e depois começaram a aparecer os comentários e, principalmente, as citações de algumas falas do filme, então de todos os “oscarizáveis”, Her acabou entrando no topo da lista dos que eu tinha vontade de ver. E não decepcionou.

Veja bem, eu tenho um fraco por histórias que buscam trabalhar um tema trivial (aqui, como nos relacionamos com o outro) de forma pouco convencional. Na história Theodore (Phoenix) é um homem que ganha a vida escrevendo cartas por outras pessoas que não são tão boas com as palavras quanto ele. Um dia ele fica sabendo sobre um novo sistema operacional criado para se adaptar ao dono e decide instalá-lo. Poucas perguntas depois, eis que surge Samantha (voz de Scarlett Johansson), que aparentemente não vai só se “adaptando” ao Theodore, mas evoluindo: ela tem senso de humor próprio e, o principal, sentimentos. O resultado disso é bizarro, mas óbvio para o enredo: os dois se apaixonam.

(Aviso: o post será uma série de aloprações minhas sobre variados momentos do filme, então assim, se você ainda não viu, pode ter spoilers, etc.)

Continue lendo “Ela (Her, 2013)”

Todos Nós Adorávamos Caubóis (Carol Bensimon)

Então que lá em 2012  saiu aquela Granta com os jovens autores brasileiros e no Meia Palavra fizemos uma série de posts onde dois membros da equipe comentavam sobre as impressões que tiveram de um dos contos da coletânea. Por coincidência, dois dos que mais me empolgaram na época não eram exatamente contos, mas trechos de romances ainda não publicados: Apneia, que saiu pela Companhia das Letras como o ótimo Barba Ensopada de Sangue do Daniel Galera e Faíscas, que saiu ano passado também pela Companhia como Todos Adorávamos Caubóis, da Carol Bensimon. Em comum, duas coisas: apesar da brevidade (contos, lembra?) prendiam a atenção do começo ao fim, ao ponto de realmente despertar curiosidade sobre o que viria a seguir (e quando os romances seriam publicados).

Faíscas, se eu não me engano, é exatamente o primeiro capítulo de Todos Nós Adorávamos Caubóis, ou seja, a introdução para a história de Cora e Julia. Na época ficava claro um desentendimento no passado, provavelmente relacionado à viagem de uma delas, bem como o fato de que aquela viagem de carro pelo interior do Rio Grande do Sul surgia para Cora (narradora e protagonista) como uma oportunidade de reatar antigos laços. E no final das contas o romance durante os outros capítulos se desenvolve exatamente assim: a viagem de Cora e Julia, os estranhamentos sobre os tempos em que passaram distantes, as explosões de frases não-ditas presas na garganta, a intimidade compartilhada – tudo isso com um tempero de bons road movies norte-americanos.

Continue lendo “Todos Nós Adorávamos Caubóis (Carol Bensimon)”

It’s Kind of a Funny Story (Ned Vizzini)

Eu sei que isso parece meio estranho (ainda mais considerando o que eu escrevi sobre O Oceano no Fim do Caminho de Neil Gaiman), mas costumo separar a vida do escritor de sua obra. Não gosto de ficar procurando detalhes na biografia que justifiquem esta ou aquela passagem da história, até porque aprendi cedo com Tio Wilde a lição de que isto pode ser uma arapuca: muitos e muitos leitores de O Retrato de Dorian Gray costumam ver em Gray a figura do ex-amante de Wilde, Sir Alfred Douglas. A tentação de estabelecer a relação é grande demais, porque há muito ali no romance que bate com a história dos dois – Wilde se desdobraria em Basil (o artista apaixonado por seu modelo) e Lord Henry (o homem mais velho e experiente). Tudo muito bonito só que… O Retrato de Dorian Gray foi originalmente publicado em 1890, e Wilde só conheceria Bosie um ano depois. Pronto, morreu teoria.

Mas aí temos casos como It’s Kind of a Funny Story de Ned Vizzini, e aí é simplesmente impossível escapar da relação vida e obra, até porque o próprio Vizzini passou alguns dias internado em uma ala psiquiátrica para tratar da depressão, tal como seu protagonista. Pior: no fim do ano passado o autor (então com 32 anos) se suicidou, deixando mulher e filho. “Um sujeito de sucesso, com pessoas que o amam e outras que dependem dele, como assim pode tirar a própria vida?”, alguns podem pensar. Outros já chegam com a resposta pronta “É coisa de covarde”. Falta talvez o exercício de empatia, de se colocar no lugar do outro para tentar compreender, o que a Literatura acaba ajudando a fazer. Assim, com It’s Kind of a Funny Story o efeito de vida do autor misturada com a obra foi bastante perturbador: ver a depressão com os olhos de quem sofreu desse mal chega a ser doloroso, especialmente se você tem conhecidos que fazem tratamento para tal.

Continue lendo “It’s Kind of a Funny Story (Ned Vizzini)”

Para organizar (Ou: listão de livros)

E aí que falei da preguiça de atualizar, mas a verdade é que estava ficando meio incomodada com a falta de comentários sobre o que li em dezembro e agora no começo de janeiro. Não, não é que eu ache que o mundo precise saber minha opinião sobre tudo o que eu leio, eu é que tenho o péssimo hábito de esquecer minhas impressões sobre determinado livro após alguns anos, e gosto de ter algo registrado para consultar. A solução número um seria partir para o giffy review, mas a verdade é que dá muito trabalho e nem sempre uma imagem basta. Então vamos para o listão mesmo, com alguns breves comentários. Começando com:

Sílvia (Gerard de Nerval): Se você leu Seis Passeios Pelos Bosques da Ficção do Umberto Eco é impossível que você não tenha ficado curioso sobre este livro. Eco fala tanto, mas tanto (e tão bem), que você logo coloca o título na infinita lista dos livros para ler. No meu caso, ficou na tal da lista pro quase oito anos, quando ao saber do tamanhico dele concluí que seria muita falta de vergonha na cara continuar sem ler. Ok, o problema número um é que já nem lembrava mais exatamente o que o Eco falou sobre o livro, há! De qualquer modo, valeu a pena, é bem interessante. de Nerval faz com que as lembranças do narrador sejam escritas quase como alguém que de fato está perdido em memórias. Sabe quando você vai contar uma história para um amigo, aí coloca um evento anterior, então volta para a história, depois avança e por aí vai? Então. Única coisa é que o narrador é tão sem noção sobre como se relacionar com uma mulher que em alguns momentos você tem vontade de dar uns tapas nele (do tipo, dizer para a menina que está com você que outra ali na festa é mais bonita, tipo, quem faz isso meu deus?). Saiu recentemente pela Rocco na coleção Novelas Imortais, tem uma capa bem bacaninha e sério, é muito curto, não tem desculpa para não conhecer.

The Unbecoming of Mara Dyer (Michelle Hodkin): Avisando desde já: este livro já saiu no Brasil pela Galera Record, como A desconstrução de Mara Dyer. Eu estava vendo bastante comentário sobre este young adult, e como fazia algum tempo que eu não ia para o lado dos que têm uma pegada sobrenatural (cofcof) resolvi conferir, até porque a premissa é interessante: uma adolescente é a única sobrevivente de um desabamento mas não tem qualquer memória sobre a noite do desabamento em si. O negócio é que a menina começa a ver os fantasmas dos amigos que também estavam no local do desabamento, e a autora dá um jeito de nos colocar em dúvida constante sobre se o que está acontecendo mesmo é real ou é piração da Mara Dyer (justificada por um stress pós-traumático). E olha, até que a Hodkin manda bem nisso, embora tenha um vício quase irritante de fechar capítulos com ganchos (alguns ganchos forçados). E tem lá o parzinho romântico da protagonista, que é tipo o Chuck Bass (e eu sei que quase nem falo disso aqui por motivos óbvios, mas vi todas as temporadas de Gossip Girl só por causa do Chuck Bass). Negócio é que aos poucos a trama vai ficando meio estranha, até que chega o segundo livro.

Continue lendo “Para organizar (Ou: listão de livros)”

Os melhores filmes de 2013

A notícia boa é que ao contrário do que aconteceu em 2011 e 2012, agora em 2013 consegui ver até que uma quantidade razoável de lançamentos, o que justifica o top 10 como costumava fazer deeeeeeesde 2004. A notícia ruim é que o ano virou e eu não escrevi o post e ele está meio atrasadinho, mas ok, ok, antes tarde do que nunca. Lembrando que na lista valem apenas filmes lançados no Brasil em 2013 (falo mais sobre isso ali para frente). Só para deixar arrumadinho, links para os outros anos: 2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010

Hum, sendo bem honesta aqui: primeiro lugar porque é combo com os outros dois, Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol. Minha primeira experiência com Jesse e Celine não foi das melhores, mas fazendo uma maratona para o Antes da Meia-Noite, me encantei de tal forma que foi uma das melhores experiências que tive no cinema este ano. Falei mais sobre os três neste post aqui.

Continue lendo “Os melhores filmes de 2013”

Melhores (e piores) leituras de 2013

Então, sem mais enrolações, a listinha do ano. Clicando no link do título do livro você poderá ler minha resenha (trocentos anos escrevendo sobre livros e ainda não gosto de chamar post de blog de resenha, mas vá lá), por isso o comentário aqui no post é mais breve. Só ressaltando que a lista não conta só com livros lançados em 2013, por isso chamo de “melhores leituras” e não “melhores lançamentos”.  E quando eu vi que ia dar uma roubada descarada com mini-listas, resolvi fazer um top 10 mesmo (só para explicar a quebra de ~~tradição~~, já que normalmente faço só top5). Vamos lá, para a lista:

MELHORES LEITURAS DE 2013

1. Haunted (Chuck Palahniuk)

Eu sou da opinião que livro bom é livro que fica com você mesmo depois de muito tempo, e Haunted é exatamente o caso. Li em junho mas ainda não posso ver uma piscina e não lembrar da história do Saint Gut-Free e aí consequentemente de como esse livro mexeu comigo. E é isso: a galeria de personagens criada pelo Palahniuk acaba te assombrando, objetos ordinários fazem com que você lembre dos relatos extraordinários de cada um dos confinados. Mas mais do que os contos que mostram o que fez com que aquelas pessoas fossem ao “retiro de escritores”, o comportamento delas no tal retiro é bastante chocante também, e acaba trazendo bastante questões sobre a natureza humana. Saiu no Brasil como Assombro, pela Rocco.

Continue lendo “Melhores (e piores) leituras de 2013”

A vida secreta de Walter Mitty

 

Você já deve ter passado os olhos em mais de um texto que aponta como o Facebook deixa as pessoas deprimidas. É aquela armadilha que armamos para nós mesmos: sabemos que o que aparece na timeline dos outros é “editado”, só os melhores momentos, e mesmo assim nos perguntamos por que não somos tão bonitos, felizes e bem sucedidos quanto aquelas pessoas que ali estão. E lembrando que não são só fatos da vida de uma pessoa que podem ser “editados”, como ela mesma pode criar uma personagem, expondo só o que tem de melhor (ou de pior, não vamos esquecer dos trollzinhos). Você também já deve ter lido qualquer texto daqueles que mesclam um tom de autoajuda com crítica, falando de como as pessoas têm 500 amigos em redes sociais mas poucos “na vida real”.

É essa linha cada vez mais tênue entre a vida virtual e a vida real que A vida secreta de Walter Mitty explorará, em uma metáfora até bem direta (e bastante óbvia), mas que nem por isso deixa de agradar. Mitty é um sujeito sonhador, que volta e meia está perdido em devaneios onde ele surge como um sujeito que faz tudo o que ele gostaria de fazer na realidade. O Mitty “dos sonhos” é corajoso, aventureiro, genial, extrovertido. Em suma, tudo o que Mitty “da realidade” acha que não é. Ele é o responsável pelos negativos na revista Life, que passa por um período de transição, com a edição de papel deixando de circular e passando apenas a contar com edição online. Há aqui mais um jogo entre ficção e realidade, já que a revista é real e de fato hoje em dia não conta mais com a edição impressa, por outro lado até algumas capas que aparecem no filme não são reaisincluindo aí, é claro, a capa com a foto do negativo 25, que some misteriosamente e é o que lança Mitty em uma aventura real para resgatá-lo.

Continue lendo “A vida secreta de Walter Mitty”

Quem é você, Alasca? (John Green)

Então, mais um do John Green. Eu realmente queria dar um tempo, mas sempre ouvia tantos elogios sobre Quem é você, Alasca? (lançado aqui no Brasil pela WMF Martins Fontes), que acabei lendo de uma vez. Considerando que o Green ainda não tem tanta coisa publicada, e que vários elementos de suas obras tendem a se repetir, é importante dizer que Quem é você, Alasca? foi o primeiro livro publicado do autor, em 2005. Digo isso porque há bastante semelhanças superficiais especialmente entre Quem é você, Alasca e Cidades de Papelmas o leitor nem precisará ser um grande observador para reparar que os temas explorados são um tanto diferentes, bem como o modo como isso é feito.

Calma. Ainda temos um narrador em primeira pessoa, masculino, nerd com alguma peculiaridade aleatória, que tem uma amizade forte com outro garoto e sim, a garota por quem o protagonista é perdidamente apaixonado. Mas há algo tanto na estrutura quanto na forma como o autor aborda certas questões (ei, já chego lá) que faz com que Quem é você, Alasca? seja único e, devo dizer, superior às publicações seguintes. A história começa aparentemente simples: Miles é um garoto meio solitário e meio sem propósito algum na vida que vê em uma ida a um colégio interno a possibilidade de dar uma virada, ou, como ele diz ao citar Rabelais, “sair em busca do grande talvez”. Chegando em Culver Creek, começa uma amizade com Chip (apelidado de “o Coronel”) e cai de amores por Alasca Young, uma garota visivelmente mais experiente, meio doidinha e, nas palavras dele, linda.

Continue lendo “Quem é você, Alasca? (John Green)”

Amsterdam (Ian McEwan)

(Sempre que vou falar algo sobre o Ian McEwan lembro de uma cena de Alta Fidelidade. Achei que seria um bom momento para registrar isso, desculpa aí a qualidade ruim do video. Acho que também é um bom momento para avisar que pode haver spoilers por aqui, então a não ser que você não ligue para isso, é melhor voltar quando já tiver lido o livro.)

Amsterdam saiu lá fora em 1998, ganhou uma edição brasileira no ano seguinte pela Rocco e ano passado ganhou nova tradução pela Companhia das Letras. Foi o livro com o qual McEwan ganhou o Man Booker Prize, o que eu sei que não quer dizer muita coisa, mas vá lá, agora já falei. Eu acho que o principal de todas as informações sobre o livro é o ano de 1998, tão próximo da virada do milênio e uma fronteira importante sobre a popularização da internet (pouco tempo depois disso, o que era algo para poucos virou lugar-comum em nossas vidas). Isso acaba fazendo um sentido enorme dentro da história de Vernon e Clive, dois amigos que se encontram no funeral da ex-amante e impressionados como o mal que a mulher sofrera fora tão súbito e lhe tirou qualquer dignidade no fim da vida, acabam fazendo um trato de que se um deles acabasse em situação semelhante, o outro deveria dar um jeito de matá-lo.

Como todo livro do McEwan eu comecei lendo achando que seria uma coisa, e aos poucos ele foi se revelando algo completamente diferente do que eu esperava. Eu gosto do jeito que ele quebra essa expectativa, então para mim ver uma história que eu tinha certeza que seria um drama debatendo a eutanásia se transformar em um tipo de suspense salpicado de humor negro foi uma ótima surpresa. Não que não existam debates envolvendo ética, moral ou seja lá qual for o prato do dia: é só que o autor consegue escapar do caminho óbvio que poderia ter tomado.

Continue lendo “Amsterdam (Ian McEwan)”