Ghostwatch (1992)

ghostwatchVocê deve conhecer aquela história de como uma leitura de A guerra dos mundos feita pelo rádio por Orson Welles causou pânico em alguns lugares dos Estados Unidos, certo? Halloween de 38, um monte de gente achou que era real, etc.  Sempre tive uma certa dose de interesse sobre o evento, e foi por isso que assim que o especial de Halloween da BBC Ghostwatch passou no meu radar, logo já procurei para assistir. Não lembro mais onde ouvi falar dele, mas comentavam que em 1992 o especial, assim como a leitura do Welles, enganou muitas pessoas achando que o que viam era real, criando tamanha controvérsia que o programa nunca mais foi reprisado na tv britânica, apenas em outros países.

E a ideia era até simples: apesar de ter sido gravado semanas antes, o programa foi apresentado como se fosse ao vivo, naquela noite de 31 de outubro. O especial contava com imagens do estúdio (com um apresentador bem famoso lá na Inglaterra recebendo uma especialista em fenômenos paranormais) e com imagens em uma casa mal assombrada, onde uma apresentadora (igualmente famosa, ao que entendi parece que era o equivalente ao que era a Xuxa aqui no Brasil) passaria uma noite com a família que dizia estar sendo aterrorizada por um fantasma.

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The Love Affairs of Nathaniel P. (Adelle Waldman)

Ok, está aí um livro estranho. Eu já devo ter falado por aqui mais de uma vez de protagonistas tão chatos que acaba que eu simplesmente não me importo com o desenrolar da história, certo? Mas não consigo lembrar (pelo menos não agora às 8 da manhã, há!) de alguma vez ter odiado TANTO um protagonista e mesmo assim ter gostado TANTO de um livro. Vontade de vê-lo se ferrando no fim? Masoquismo? Não sei. Só sei que The Love Affairs of Nathaniel P., livro de estreia de Adelle Waldman, foi realmente uma experiência interessante.

Como já deve ter dado para imaginar, o protagonista detestável em questão é o tal do Nathaniel P., que daqui para frente chamarei de Nate porque é como o narrador se refere a ele. Enfim, Nate é um carinha que vive de escrever artigos para periódicos como freelancer, até que finalmente consegue um contrato com uma editora para lançar um livro. É a glória, no mundinho intelectual de Nova York retratado por Waldman – é mais do que um cartão de visitas, é o que te torna alguém. Ao ponto de você usar seus contratos como escala para se comparar com alguém: “Greer had sold her book for more money than he’d sold his, and would probably sell more copies, but as a memoirist of adolescent promiscuity, she lacked a certain… respectability.“. Enfim, acho que dá para entender o efeito que esse contrato tem: o carinha que era o zé-ninguém de repente entra na mira da mulherada.

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We Were Liars (E. Lockhart)

(Dicona: post para quem já leu o livro ou não liga muito sobre essa coisa de “experiência de leitura”, porque ao falar sobre “experiência de leitura” e sobre o livro em si, eu provavelmente estragarei as coisas para você, veja só que contraditório.)

Assim que a discussão sobre spoilers retornou com força por causa do tal do purple wedding do Game of Thrones (que eu não assisto, não leio e não dou a mínima, vale ressaltar) eu imediatamente lembrei de O Sexto Sentido. Lembrei de ter ido ao cinema com minha mãe e irmã sabendo pouco mais do que “É um filme com fantasmas”, o tipo de coisa que é quase impossível em tempos de redes sociais, blogs, fóruns de discussões e afins. X-Men estreia oficialmente esta semana e eu já sei que terá uma cena foda envolvendo o Mercúrio. O segundo dos Vingadores nem chegou mas já vi fotos da Feiticeira Escarlate. É toda uma cultura de divulgação que se sustenta em adiantar para o público o que ele deverá ver e como deverá se sentir.

Pois bem, O Sexto Sentido. Só fantasmas. Vou dizer que minha principal surpresa não foi nem o plot twist, foi pensar que aquele cara maluco de cueca no começo do filme era o Donnie dos New Kids, hehe. Mas ok, aí você tem o plot twist, e então você volta para o cinema para tentar ver o que deixou passar para não ter previsto a virada, e nossa, que filme legal e engenhoso, como tudo se encaixa direitinho, vou indicar para um amigo, e ele indicará para outro amigo e pans, sucesso. A impressão que tenho é que se eu tivesse assistido a uma propaganda dizendo “VOCÊ TERÁ UMA SURPRESA NO FIM QUE FARÁ COM QUE VOCÊ QUEIRA ASSISTIR AO FILME NOVAMENTE”, eu provavelmente assistiria ao filme já procurando pistas para a tal da surpresa, o que estragaria a experiência. Mais talvez até do que saber qual é o grande-evento-que-não-deve-ser-mencionado.

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Nu, de botas (Antonio Prata)

Uma das lembranças que tenho de verão em família (pelo menos um dos últimos verões que passei com toda a família) era de nós, em um camping em Pontal do Sul, fazendo turnos para ler em voz alta algumas crônicas do livro Comédias da Vida Privada, do Luis Fernando Verissimo. Claro, a coletânea fazia um relativo sucesso na época por conta da adaptação para a tv, mas não era só isso. Havia algo nas histórias de Verissimo que encantavam não só porque nos enxergávamos ali, mas porque conseguíamos rir de nós mesmos através daqueles pequenos recortes do cotidiano.

Pensei bastante nesse livro enquanto lia Nu, de botas de Antonio Prata. Sei que em uma primeira observação, parece que só encontramos de semelhança entre um e outro o fato de ser uma coleção de crônicas cujo tom predominante é o humor. Mas não acredito que seja só isso. Tal como Verissimo, Prata parece ser um daqueles casos de pessoas que conseguem transformar experiências extremamente pessoais em algo universal. Não acho que isso seja característica de qualquer cronista – alguns conseguem agradar com seus textos, mas vem lá com o carimbo do tempo: passou uma semana, ele já causará um outro efeito no leitor. Mas no caso desses dois cronistas consigo imaginar gerações e gerações de famílias em campings lendo histórias e dando risadas.

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The Goldfinch (Donna Tartt)

Você sabe como funciona: você está lá de boa com seus livros, aos poucos riscando títulos da lista de leituras pendentes, quando DO NADA começam a falar de um livro em especial. Sites que você costuma ler apontam a obra como melhor do ano, prêmio aqui, prêmio acolá e pronto, curiosidade lá no alto, e algo que deveria ir para o fim da fila como todos os livros novos que as pessoas sugerem para você, sobe lá para o topo, vira prioridade.

Foi o que aconteceu comigo e com The Goldfinch de Donna Tartt, o queridinho do ano passado que agora em 2014 chegou a ganhar um Pulitzer. Ok, confesso (com vergonha): não sem antes uma certa dose de preguiça para encarar as quase 800 páginas do catatau em questão. Vou comentar sobre a questão do tamanho mais além, por enquanto fiquemos assim: terminei o livro no sábado e ainda não consegui organizar bem minhas ideias sobre ele, o que significa que escreverei caoticamente (as usual) e que o post poderá conter spoilers, mas embora eu ache frescura essa coisa de spoiler, ainda assim sou uma ~~cidadã de bem~~ e aviso antes, então né, ufa, a barra tá limpa. Ei? Que foi? Desculpa, não quis te chamar de fresco. Vem cá, me dá um abraço. Pronto, pronto, passou.

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Neil Gaiman para crianças

Quando falei sobre O oceano no fim do caminho por aqui, comentei que fazia já algum tempo que Neil Gaiman não escrevia para adultos. De fato, se você for dar uma conferida na lista de ficção escrita por ele, perceberá que a balança está tendendo muito mais para o lado infantojuvenil do que o adulto. Já disse aqui e martelo quantas vezes precisar: não tenho problema algum com o termo, vejo mais como uma orientação para qual é o público mais adequado – e acredito de verdade que quando é bom mesmo, agrada qualquer idade.

No caso do Gaiman, volta e meia é justamente o caso: pode ser uma coletânea de contos como M is for Magic, pode ser um picture book como Cabelo Doido, um YA como O livro do cemitério, não importa. O negócio é que é divertido, realmente gostoso de ler e algumas histórias permanecem com você por um bom tempo depois da leitura (algo que acho que fala mais sobre a qualidade de uma obra do que o público-alvo, por exemplo).

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Penny Dreadful S01E01 (Night Work)

Quando falamos de alguns títulos da literatura do século XIX, pensamos nas histórias já em seu formato fechado, em um único livro (ok, às vezes mais de um livro). O negócio é que era bem comum naquela época as histórias serem publicadas aos poucos em periódicos. Fazendo uma comparação com a tv, o periódico seria seu canal favorito e algumas histórias seriam novelas ou séries que você costuma acompanhar. Charles Dickens? Vários romances saíram capítulo por capítulo no Household Words. Sir Arthur Conan Doyle? vários contos de Sherlock Holmes apareceram primeiro na Strand Magazine. E isso para citar os dois mais conhecidos.

Nesse formato em série existiam também os penny dreadfuls, publicações que contavam histórias de horror e eram vendidas por, ahnnn… um penny (dona Wikipédia pede para diferenciar e dizer que é o “old penny“). Muito embora eu goste muito de assuntos relacionados à Inglaterra do século XIX, a primeira vez que ouvi falar dos penny dreadfuls foi através da Kika, enquanto ela pesquisava para escrever o livro Construindo Victoria.

Enfim, a ideia era de entretenimento barato para quem gostava de histórias com monstros e sangue, muito sangue. Para ter uma ideia, a primeira vez de Sweeney Todd no mundo da literatura foi em The String of Pearls: A Romance, publicado originalmente como um penny dreadful. Caso queira saber mais sobre o assunto, recomendo esse link aqui. E se eu estou falando tudo isso é um pouco para que você possa entender o espírito da nova série do canal Showtime, chamada (sim, você adivinhou) Penny Dreadful.

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As Primeiras Quinze Vidas de Harry August (Claire North)

História de sempre: li alguma resenha num canto, achei interessante, resolvi ver qualé. Não é sempre que isso funciona, vide o caso de A Violent Century que apesar de ter uma ideia legal acaba virando um livro só “meh”.  Mas com The First Fifteen Lives of Harry August, me encantei já de primeira. E olha, isso é beeeem difícil de acontecer comigo, sou meio chatonilda e só me entrego de fato lá pelos 20% de um livro (quando decido se vou seguir em frente ou se vou largar). E se comento sobre esse meu encanto inicial é justamente para explicar desde já que embora a história seja ótima (bem sacada, divertida, etc.), a maior qualidade da obra é o como a autora escreve, simples assim.

Você não precisa de ganchos forçados para querer continuar lendo o livro capítulo após capítulo, porque a narrativa de Claire North é por si só viciante. Como comentei no twitter: ela poderia estar falando sobre batatas, e você continuaria lendo achando a coisa mais legal do mundo, de tão envolvente que é o estilo da autora. Eu sei que é o tipo de coisa que não faz muita diferença para quem quer mais é saber do enredo, mas pelo menos no meu caso ter em mãos um livro tão bem alinhavado, uma narrativa tão fluida prende muito minha atenção.

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The Violent Century (Lavie Tidhar)

Clichê de resenha de “blog literário”: começar texto descrevendo a dificuldade de comentar sobre um livro do qual você gostou demais. Eu já devo ter feito isso por aqui umas trocentas vezes, e olha, é difícil mesmo. Sensação de que não importa o quanto você escreva, sempre deixará algo importante de fora, ou não conseguirá passar de forma satisfatória o que tanto te encantou ali. Só que agora eu encontei um pepino novo para quem gosta de escrever sobre o que tem lido – com The Violent Century (de Lavie Tidhar), descobri um campo novo do “putz, é difícil comentar sobre isso”. Anota aí: “livros com enredos bem sacados, ótimas personagens, momentos marcantes e que mesmo assim não chegam perto dos livros da sua lista de favoritos”. Sério, complicado. Você fica tentando entender o que foi que faltou ali, se tinha tudo para funcionar.

Primeira vez que ouvi falar de The Violent Century foi em um artigo do io9, que anunciava que o romance era “like Watchmen on crack“. Não precisava nem ler muito mais, o autor já tinha minha curiosidade. Mas vamos lá: imagine como seria o cenário da Segunda Guerra Mundial (e os eventos históricos seguintes) se por acaso existissem super-heróis. Em The Violent Century conhecemos Fogg e Oblivion1, que costumavam trabalhar em dupla no “Retirement Bureau” e que acompanharam de perto grandes momentos do século XX. Tudo normal, não fosse um detalhe: o “Retirement Bureau” é uma espécie de órgão secreto do governo Britânico dedicado aos Übermensch, pessoas que após “A Mudança” passaram a ter super poderes. Fogg, como o nome sugere, controla o nevoeiro e Oblivion faz com que as coisas desapareçam.

Veja, a ideia é muito legal, porque por mais que já tenhamos pensado no que aconteceria se super-heróis realmente existissem ao ler Watchmen, o livro de Tidhar segue além e pergunta (com uma frequência que parece refrão de poesia): what makes a hero? Então não é como se você tivesse mais do mesmo em mãos, há algo de novo ali. Eu queria poder citar todo o trecho do Dia D com os heróis americanos para você entender o que quero dizer, mas ele ficaria longo demais aqui. De qualquer forma, acho que foi naquele momento que eu pensei “Ok, não gosto do estilo da narrativa, mas vou até o fim”.

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  1. li o livro todo imaginando o Oblivion como o Tom Hiddleston, virge! 

O Segredo do Meu Marido (Liane Moriarty)

Sei que em um mundo cada vez mais umbigo esse tipo de constatação às vezes chega com algum atraso, mas é inevitável em algum momento perceber que não adianta planejar, organizar, prever: muito da sua vida dependerá de terceiros, que podem simplesmente não seguir seu roteiro. Pensei bastante nisso enquanto lia O Segredo do Meu Marido (de Liane Moriarty), especialmente quando a história se concentrava na control freak Cecilia: mãe de três meninas, muito bem casada e igualmente bem sucedida na carreira de vendedora de tupperware. Tem o tal do “pacote completo”, que consegue manter com muito trabalho (e organização). Tudo segue bem até que por acaso encontra um envelope. É uma carta de seu marido, que ela deve ler apenas quando ele morrer.

É natural que o leitor acabe pensando que o livro será sobre o conteúdo dessa carta (até porque o dilema de Cecilia sobre ler ou não se estende por vários capítulos) e pense que o tal do “segredo do marido” seja um mistério a ser desvendado (ou daqueles que sustentam a curiosidade do leitor até o fim do livro). Não é o caso. O segredo do meu marido é um daqueles livros “enganadores”, que tão logo o leitor avança na leitura, percebe que não era exatamente o que esperava, mas talvez até algo melhor. Então digo desde já que não acho que o segredo seja o mais importante na história, mas para quem tem frescura de spoiler é sempre bom avisar então lá vai: daqui para frente tem spoilers, etc.

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