Morte na Mesopotâmia seguido de O caso dos dez negrinhos

Quando se fala em histórias policiais, Agatha Christie é sempre citada. Seus livros estão entre os mais traduzidos no mundo (naquela lista seleta que entra a Bíblia e Shakespeare), o que lhe rendeu o apelido de a Rainha do Crime. Para quem já a conhece as histórias, a boa notícia é que estão chegando no Brasil através da L&PM adaptações feitas para os quadrinhos, das quais pude conferir Morte na Mesopotâmia seguido de O caso dos dez negrinhos.

Tanto Morte na Mesopotâmia quanto O caso dos dez negrinhos foram roteirizados por François Rivière. É óbvio que muito se perde na adaptação, mas Rivière consegue fazer um trabalho razoável na transposição do texto para a linguagem dos quadrinhos. Talvez apenas Morte na Mesopotâmia tenha sofrido alguns cortes que atrapalharam um pouco o ritmo, mas O caso dos dez negrinhos segue eletrizante do começo ao fim – tal como na obra escrita por Agatha Christie. Continue lendo “Morte na Mesopotâmia seguido de O caso dos dez negrinhos”

Bonequinha de Luxo (Truman Capote)

Sei que devemos muito à Audrey Hepburn por imortalizar a imagem de Holly Golightly em frente à joalheria Tiffany’s no filme Bonequinha de Luxo (1961). Mas é só depois de terminar a novela escrita por Truman Capote que você se dá conta que a personagem era na realidade um presente para a atriz, porque ela já vem pronta: arrebatadora, cativante. Página após página o narrador, visivelmente apaixonado pela moça, a apresenta para o leitor de modo que é impossível terminar a história não amando Holly Golightly.

São pequenas manias (como coçar o nariz quando sua privacidade é invadida), o jeito tagarela, inocente e ao mesmo tempo esperto, sonhador e calculista. Não dá para explicar. É uma combinação de elementos que prendem ao leitor da novela porque ele quer mais Holly, saber mais dela. Dia desses ao falar de Amuleto (Roberto Bolaño) comentei sobre a dificuldade de um homem escrever uma personagem feminina e de como eram raros os que conseguiam fazer isso sem cair em clichês. Pois bem, coloquem Capote na lista. Holly é a personagem feminina mais encantadora da qual tenho lembrança. Continue lendo “Bonequinha de Luxo (Truman Capote)”

Os Gatos (T.S. Eliot)

Desde que fiquei sabendo que estava grávida comecei a fazer uma bibliotecazinha para o Arthur. Livros que quero que ao longo da infância ele tenha contato, seja porque foram especiais para mim quando era criança (como Flicts do Ziraldo), seja porque foram ótimas descobertas já na fase adulta. A nova aquisição (presente adiantado de Natal!) foi o livro Os Gatos, de T.S. Eliot, que chegou aqui no Brasil pela Companhia das Letrinhas em uma edição tão, mas tão caprichada que eu quase roubei do Arthur para colocar na minha biblioteca.

Já conhecia as poesias porque elas estão naquela edição de Obra Completa que saiu pela Arx, com tradução de Ivan Junqueira. Mas ontem enquanto arrumava os presentes de Natal, não resisti e lá fui eu reler as histórias dos bichanos como Mister Mistófelis, Rim Tim Tantã e Gogó. É tão divertido que nem dá para sentir o tempo passar, especialmente se você for um gateiro.

Continue lendo “Os Gatos (T.S. Eliot)”

Fight Club (Chuck Palahniuk)

Qual a graça de ler Fight Club (de Chuck Palahniuk) depois de já ter assistido ao filme de 1999 com Brad Pitt e Edward Norton? Eu digo: toda graça do mundo. Sim, é óbvio que o enredo é basicamente o mesmo, mas há algo na experiência de leitura que torna Fight Club no papel algo diferente do que se vê nas telas. Aquelas frases que todo mundo tanto adora repetir estão lá, mas o livro permite um aprofundamento que o cinema infelizmente ainda não pode oferecer.

O que falarei sobre isso se baseia em um spoiler, então se você ainda não assistiu ou leu Fight Club, faça um favor para você mesmo e vá atrás disso agora. MESMO. AGORA. Vale muito a pena. Ok, agora que quem não teve contato com o clube já saiu daqui, vamos aos comentários sobre a diferença principal entre um e outro.

Continue lendo “Fight Club (Chuck Palahniuk)”

Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (J.K. Rowling)

Ok, confesso: desta vez eu me enrolei mais na leitura e até coloquei em risco minha meta de terminar a série Harry Potter antes de chegar aos 30 anos. Mas foi um pouco pelo fato de eu estar lendo depois que todo mundo já leu: não só os spoilers estragaram um pouco a leitura, como também uma vez que quase todo leitor da série ama dei paixão o terceiro livro, minhas expectativas estavam lá no alto. E o começo do livro não foi assim essas maravilhas, então fui deixando para trás entre outras coisas que lia no momento.

O negócio de o começo não ser “essas maravilhas” é porque achei meio enrolado. Se no primeiro e no segundo livro tínhamos aquela sensação quase de jogo de video game, passando de fases (ou seja, de aventura para aventura), aqui tudo é mais parado porque o grande risco que Harry enfrenta inicialmente são os dementadores (lembrando que estou lendo a edição inglesa então não faço ideia se traduzi certo os nomes).

Continue lendo “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (J.K. Rowling)”

Amuleto (Roberto Bolaño)

Um dos meus tipos preferidos de livros são aqueles que rendem mais histórias mesmo depois de fechado. E descobri com prazer que Amuleto de Roberto Bolaño é um desses. Ao “romancear” a história, mesclar personagens com pessoas reais ou ainda, transformar pessoas reais em personagens, o que temos em mãos é quase um livro-jogo, que não só nos oferece uma excelente prosa mas como também o tempo de entretenimento buscando mais informações sobre o que Bolaño nos conta.

Amuleto é o relato de Auxilio Lacouture, figura inspirada em Alcira Scaffo, uma uruguaia que ficou conhecida por ficar escondida no banheiro da Faculdade de Letras e Filosofia, quando da invasão da Universidade Autônoma Nacional do México em 1968.1 O estilo da narrativa lembra em muitos momentos o que já pude conferir em Putas Assassinas e 2666: algo entre o delírio e a realidade, aquele registro da fala de quem conta uma história perdendo a noção de tempo. Continue lendo “Amuleto (Roberto Bolaño)”

Hell House (Richard Matheson)

Publicado em 1971 e sendo relançado agora no Brasil pela Editora Novo Século, Hell House foi escrito por Richard Matheson, o mesmo autor de Eu sou a lenda. E assim como Eu sou a lenda já ganhou versões para o cinema, eu só vi uma, mas bem, já nem lembro mais a razão, mas sei que não curti A Casa da Noite Eterna (1973), dei três estrelinhas só. Então não tinha lá muitas expectativas sobre o livro, apesar de várias pessoas estarem lendo e elogiando.

E o bom de não ter expectativas é que é possível se surpreender. Gostei muito do livro e colocaria fácil em uma lista de melhores histórias de fantasma que já li. Não só pelo fator assustador da história, mas pelo modo como Matheson desenvolve a narrativa, que foi muito bem sacado. Um grupo com quatro pessoas vai investigar uma mansão assombrada: um físico, a esposa dele, uma médium e um rapaz que conseguiu escapar da mansão anos antes.

Continue lendo “Hell House (Richard Matheson)”

A ascensão do romance (Ian Watt)

Não há dúvidas de que A ascensão do romance de Ian Watt é leitura fundamental para quem estuda literatura, e justamente por isso a notícia do lançamento agora em outubro da edição de bolso pela Companhia de Bolso é tão bem-vinda. Focando principalmente nas obras de Daniel Defoe, Samuel Richardson e Henry Fielding, Watt mostra em seus estudos como foi que se criou um dos gêneros mais populares de todos os tempos.

Entretanto, até pela linguagem simples e direta que utiliza, o livro pode ser interessante também para aqueles que apenas gostam de literatura. Especialmente se tomarmos a ideia principal do livro, não deixa de ser curioso pensar que autores do século XVIII são apontados como os responsáveis pela dita ascensão do romance. Nossa visão moderna do gênero dá como certa a existência desse desde que o homem resolveu contar histórias, então até por nos lembrar que não foi bem assim a leitura já vale a pena. Continue lendo “A ascensão do romance (Ian Watt)”

Um erro emocional (Cristovão Tezza)

Lembro de certa vez ter lido uma lista com os 10 começos de livros mais memoráveis, o que apresentava inícios de livros como Moby Dick, Neuromancer e a Bíblia. Está aí uma tarefa quase impossível: conquistar o leitor (ou pelo atiçar a curiosidade desse) já na primeira frase. A maioria absoluta dos meus livros favoritos não me conquistaram assim, acabaram me seduzindo apenas após a décima página para mais. Então imagine com que prazer (e surpresa!) eu acabei recebendo as primeiras linhas do novo livro de Cristovão Tezza:

Cometi um erro emocional, Beatriz se imaginou contando à amiga dois dias depois — foi o que ele disse assim que abri a porta, o tom de voz neutro, alguém que parecia falar de uma avaliação da Bolsa, avançando sem me olhar como se já conhecesse o apartamento, dando dois, três, quatro passos até a pequena mesa adiante em que esbarrou por acaso, depositando ali o vinho com a mão direita e a pasta de textos com a esquerda (e ela se viu desarmada no meio de três sinais contraditórios, o erro, o vinho, o texto, mais a espécie de invasão de alguém que está à vontade — o que ela havia sonha-do, Beatriz teria de confessar à amiga, e ambas achariam graça da ideia — à vontade, mas não do modo correto) e Beatriz fechou a porta devagar com um sorriso de quem se vê imersa na ironia, e isso é bom; e se virou para escutar o resto, agora vendo-o com as mãos livres, a silhueta contra a luz, os braços brevemente desamparados daquele homem magro:
— Eu me apaixonei por você.

Continue lendo “Um erro emocional (Cristovão Tezza)”

Pequena Abelha (Chris Cleave)

Algumas pessoas tem a ilusão de que o ato de ler implica apenas em “quebrar o código” que encontra impresso no papel. Entender as palavras e o que pode ter sido dito pelo autor, basicamente. É uma pena que não consigam enxergar a complexidade dessa ação que fazemos, de como ela envolve uma gama de fatores que combinadas explicam por qual motivo uma pessoa gosta muito de um livro e outra o acha ruim. Quem apresentou esse livro para você? Como apresentou? O que você esperava dele? O que você já sabe sobre o assunto abordado nele? São algumas das ‘n’ perguntas que estão relacionadas com o que você sentirá no momento que estiver lendo.

E eu comecei esse artigo comentando isso, porque no final das contas acredito que um fator externo acabou estragando minha leitura de Pequena Abelha (Little Bee no original). No caso, o problema foi a propaganda em torno do livro, justamente o primeiro contato que tive com o título através de um email da editora Intrínseca. Dizia lá: Continue lendo “Pequena Abelha (Chris Cleave)”