We (Yevgeny Zamyatin)

We, romance do russo Yevgeny Zamyatin tem uma história por trás da história. Os manuscritos mais antigos da obra datam de 1919, mas ela só foi concluída em 1921. Por conta do tema tratado, foi a primeira obra censurada pelo Goskomizdat, na época o novo bureau de censura da União Soviética. A primeira vez que o livro foi publicado foi em inglês, três anos após ter sido terminado. Em russo, só em 1988 ele foi impresso, revelando-se assim um dos casos raros em que a tradução foi publicada muito tempo antes do original.

E mesmo com tantas dificuldades para ser publicada, ainda assim We serviu de inspiração para várias das distopias da literatura moderna, incluindo aí a citadíssima obra de George Orwell, 1984. Nesse caso é importante ressaltar a questão que um inspirou outro, porque levando-se em conta que a obra do russo ganhou ares “cult” no Brasil (não há traduções disponíveis nem no Estante Virtual), o inglês parece mais conhecido e então há uma inversão na distribuição dos méritos: ao ler o romance russo, não esqueçam, foi Orwell que se inspirou, e não o contrário.

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A página assombrada por fantasmas (Antônio Xerxenesky)

As pessoas tem a falsa ilusão de que por serem mais curtos que romances, contos são fáceis de escrever. Pode até ser, mas bons contos não. É difícil dizer muito, causar sensações no leitor, criar personagens cativantes ou mesmo trazer uma boa história com tão poucos caracteres.  Some a isso o fato de que qualquer excesso no texto fica ainda mais óbvio, e já dá para perceber a série de dificuldades que um escritor enfrenta ao seguir por esse caminho. E é por conta disso que sempre fico muito feliz ao ter em mãos uma coletânea tão boa como A página assombrada por fantasmas, de Antônio Xerxenesky.

Os contos são enxutos, fluem de um jeito gostoso e pegam o leitor de jeito – especialmente se esse leitor for também um apaixonado por literatura. Correndo o risco de causar um efeito semelhante ao que acontece com a personagem Charles Mankuviac (do conto A breve história de Charles Mankuviac), a verdade é que A página assombrada por fantasmas é livro que fala de literatura. Mas de um modo delicioso (porque o leitor se reconhece em determinadas situações) e mesmo crítico (não dá para não transferir certas passagens para a realidade).

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As aventuras de Ook e Gluk: Mestres do kung fu primitivo do futuro

Um dos maiores problemas de fazer uma criança se interessar por leitura é vencer a barreira do formal – as personagens podem ser legais, mas não falam como elas falariam no dia-a-dia, por exemplo. É tudo certinho e redondinho demais, o que pode acabar fazendo com que a atenção se perca rapidamente, por mais que o livro traga um enredo bacana para o jovem. Considerando isso, As aventuras de Ook e Gluk (de Dav Pilkey) chega para vencer esta barreira.

Quando a capa fala em 527,2 erros gramaticais, acreditem, eles estão de fato lá. Mas não aparecem à toa, fazem conjunto com as engraçadíssimas personagens principais de modo a tornar a leitura dessa história em quadrinhos algo tão divertido que certamente deixará a criança com gosto de quero mais.

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Dead Reckoning (Charlaine Harris)

Você acompanha a série da HBO, True Blood? Não gosta de ficar sabendo coisas do enredo antes da hora? Então é melhor não ler esse post aqui, porque ele fala do 11º livro da série escrita por Charlaine Harris, na qual é baseado o True Blood. Quem assiste sabe que algumas mudanças grandes do livro para a tv já apareceram, mas nunca se sabe o que é que eles poderão utilizar da história no papel que possa acabar com sua surpresa. Depois não diga que eu não avisei.

Charlaine Harris ganhou sustento para o resto da vida, especialmente depois que seus livros foram adaptados. Mas mesmo antes disso, ela já tinha lançado mão de um truque para fazer a história render: os eventos de cada livro acontecem de forma seguida, sem saltos temporais, e apesar da série ter aí 10 anos, Sookie mal envelheceu um. Claro que o tiro pode sair pela culatra, e render livros mais fraquinhos como o anterior Dead in the Family, mas esse não é o caso de Dead Reckoning, o mais recente publicado por Harris.

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47 Contos de Juan Carlos Onetti

Costumo (tentar) fugir da armadilha de me sustentar na biografia de um autor quando vou opinar sobre um livro. É um terreno perigoso, porque por mais que pareça óbvio que a vida de um escritor se reflete naquilo que ele cria, ainda assim não dá para esquecer os versos de Pessoa sobre o poeta ser um fingidor. De qualquer maneira, como não se surpreender com a coletânea 47 Contos de Juan Carlos Onetti, considerando aspectos de sua vida? A começar para aqueles que acreditam que educação formal está diretamente relacionada com material de qualidade: Onetti abandonou os estudos no segundo grau. E aparentemente isso não fez falta alguma em sua vida.

Ganhador do Prêmio Cervantes e indicado ao Nobel de Literatura, esse uruguaio foi de tudo: de porteiro a vendedor. Em 1930 (então com 21 anos) começou a publicar contos enquanto vivia em Buenos Aires. Os três primeiros contos da coletânea (Avenida de Mayo-Diagonal Norte-Avenida Mayo, O obstáculo, O possível Baldi) são desta fase e mostram já alguns dos elementos que se repetirão em outros textos no livro, como a melancólia noção de que se quer algo mais da própria vida, que se sonha com algo diferente do que se vive. Dessa fase o melhor é O possível Baldini, que reflete muito bem essa questão, quando um sujeito começa a contar para uma moça tudo o que nunca fora.

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Lágrimas na chuva: Uma aventura na URSS (Sergio Faraco)

Faraco abre Lágrimas na chuva: Uma aventura na URSS citando o clássico do cinema Blade Runner, para explicar o título que escolheu para seu livro de memórias. Nas palavras do androide Roy Batty, “Eu vi coisas que vocês nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro na Comporta Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva.” E apesar da explicação, e mesmo do subtítulo, a verdade é que não há como antecipar todas as surpresas que essa breve obra pode trazer ao leitor.

Lágrimas na chuva é autobiográfico, trazendo, como indica o subtítulo, as lembranças do tempo que o autor viveu na URSS, entre os anos de 1963 até 1965. O leitor acostumado a ter uma visão americana da década de 60, amplamente divulgada pelo cinema, acaba esquecendo que paralelamente havia um mundo todo “do lado de lá” da Cortina de Ferro. Mundo esse que Faraco vai conhecer quase que por acaso, com o que no momento seria a sorte de preencher “a cota” necessária para ganhar a oportunidade de estudar no Instituto Universal de Ciências Sociais em Moscou, junto com outros brasileiros.

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Orgulho e Preconceito (Jane Austen)

É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro, de posse de boa fortuna, deve estar atrás de uma esposa. Essa frase já foi repetida e parodiada tantas vezes que o sucesso de Orgulho e Preconceito da britânica Jane Austen é simplesmente inquestionável. O livro já ganhou várias adaptações para o cinema e tv. Povoa tão fortemente o imaginário coletivo que já foi recontado com outros elementos, que vão de vampiros até zumbis. Isso para não falar das referências na cultura pop (ou você acha que a escolha de Darcy para o par romântico de Bridget Jones é uma coincidência?). O que trocando em miúdos já é o suficiente para entrar naquela seleta lista de leituras obrigatórias, nem que seja para compreender o que faz tanta gente ser apaixonada pelos casal criado por Austen, Elizabeth Bennet e Mr. Darcy.

A realidade é que excluindo as condições históricas (casamento como salvação, código rígido de comportamento para mulheres, etc.) uma grande parte das pessoas já viveu um momento “orgulho e preconceito” ou, por que não tomar emprestado o primeiro título que Austen deu à obra, “primeiras impressões”. A situação de Elizabeth, que em um baile conhece um Mr. Darcy que se acha obviamente melhor do que todos os presentes e então aos poucos vai conhecendo mais desse homem e descobrindo que fizera uma imagem equivocada dele não é um privilégio da heroína de Austen. Seus colegas de escola ou trabalho em algum momento já passaram por isso. Você já deve ter passado por isso. E é esse um dos motivos que faz de Orgulho e Preconceito uma obra tão encantadora, esse reconhecimento que transforma-se (através da prosa hábil de Austen) em empatia.

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a máquina de fazer espanhóis (valter hugo mãe)

Você já se apaixonou à primeira página? Comigo isso não acontece muito frequentemente, sou chata e preciso lá de umas 20 páginas para esse tipo de coisa. Mas eis que tinha em mãos a máquina de fazer espanhóis do português valter hugo mãe (é gente, é tudo assim em minúsculas mesmo), e aconteceu. Lendo as primeiras frases, fui completamente tragada pela correnteza de seus longos parágrafos, com o coração até batendo mais forte ao passar em alguns períodos (e isso não é figura de linguagem). “Há alguém por aí que pensa algumas coisas que eu também penso, mas consegue colocar em palavras com uma genialidade sem igual”, passa por minha cabeça enquanto vou virando as páginas. Pronto, me apaixonei.

Já tinha ouvido falar em valter hugo mãe, apontado como um dos grandes nomes da literatura portuguesa do momento. Mas eu realmente não fazia ideia de que sua prosa teria tanta força, tanto esteticamente quando do ponto de vista dos temas que aborda (e como o faz). A comparação com José Saramago (outro lusitano) é inevitável, mas há de se fazê-la considerando como algo positivo. Não trata-se de autor sem talento querendo copiar um grande mestre. valter hugo mãe tem influência clara, mas estilo próprio.

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Winkie (Clifford Chase)

Um ursinho de pelúcia é preso e julgado por uma série de crimes, sendo considerado um perigosíssimo terrorista. É essa a ideia principal que alinhará os eventos em Winkie, romance do escritor Clifford Chase e lançado aqui pela Bertrand Brasil. Considerando essa premissa, seria constatar o óbvio falar que trata-se de uma história carregada pelo nonsense. De qualquer forma, vale a pena se libertar das amarras do “mundo real” e mergulhar de cabeça nessa realidade onde ursos ganham vida e ainda precisam batalhar por ela.

Dividido em três partes, o livro narra a história do urso Winkie partindo do começo de sua captura, para então em um flashback contar como ele ganhou vida e de como (e o motivo pelo qual) deixou a família com que vivia e então retorna para o momento de seu julgamento. Desses três momentos, talvez o mais enrolado seja o do flashback, embora ele fosse necessário para criar empatia pela personagem, conhecendo mais de seu passado e então compreendendo de como ele chegou na situação em que estava quando foi preso.

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Coleção “Isto é…” (M. Sasek)

Lembro de uma campanha de incentivo à leitura cujo slogan era “Quem lê viaja”, o que acaba destacando uma qualidade forte do hábito de ler, o de nos transportar para outro tempo e outro lugar durante aquele breve momento em que passamos os olhos pelo texto. Para a criança essa característica é ainda mais forte, já que ela ainda tem o vínculo com o fantástico, aquela capacidade de se deixar surpreender e de acreditar em coisas que nós adultos acabamos considerando impossíveis após determinada idade.

E é por isso que uma coleção como a “Isto é…” de M. Sasek tem tudo para agradar ao público infantil. Com ilustrações lindíssimas, somos apresentados às grandes cidades do mundo, como que se estivéssemos andando por suas ruas e vendo suas principais atrações e características. O livro foi criado por Sasek com a ideia de servir como um guia turístico para as crianças, mas com o tempo ele se revela muito mais do que isso, já que ele foi escrito no final da década de 50, e então revela também informações que já são históricas (como o fato de ter existido um vagão de primeira classe no metrô de Paris). Continue lendo “Coleção “Isto é…” (M. Sasek)”