As aventuras de Pi (Yann Martel)

AS_AVENTURAS_DE_PI_1355401498PComo comentei no post em que falo sobre o filme As aventuras de Pi, estava com uma birra gigante com essa história por conta de todo o bafafá sobre o autor (Yann Martel) ter plagiado um livro de Moacyr Scliar chamado Max e os Felinos. E como ficou bastante claro para quem me ouviu falar sobre a adaptação, a birra acabou porque me encantei completamente com a história, o que acabou fazendo com que o livro “furasse a fila” das leituras pendentes. Neste post falarei sobre o livro, sobre o plágio e sobre como minha visão do filme mudou após ler a obra – mas vamos por partes.

1. O filme após a leitura

Eu adorei o filme. É meu queridinho para o Oscar, por mais que eu saiba que ele não tenha café no bule para ser o grande ganhador da noite. E como andei sendo bem ranzinza com algumas adaptações (As vantagens de ser invisível e O lado bom da vida, mais especificamente), achei que cabiam alguns comentários, até para deixar claro que eu não sou aquele tipo de bocó que não consegue perceber que é óbvio que adaptações são diferentes dos livros.

A questão é: tomo o trabalho de Ang Lee com As aventuras de Pi como modelo de um bom roteiro adaptado. Coisas foram deixadas de lado? Claro. Coisas foram alteradas? Evidente. Mas a essência da obra foi captada, o que a fez dela algo especial (ou seja, uma história que merecia ser contada), está lá.  Continue lendo “As aventuras de Pi (Yann Martel)”

As Virgens Suicidas (Jeffrey Eugenides)

Nota: Este post foi originalmente publicado no Meia Palavra em 08/05/2012. Trago agora para o Hellfire porque, pelo menos de acordo com o site da Livraria Cultura, hoje o livro sai em nova tradução (de Daniel Pellizzari) pela Companhia das Letras, o que vale a divulgação. Lembrando que a tradução que li foi feita por Marina Colasanti, e saiu pela L&PM através de acordo com a Rocco.

Por mais que algumas pessoas pensem que boas histórias são escritas como que em uma enxurrada criativa vivida pelo autor, a verdade é que pelo menos nos bons livros nada é por acaso. Para explicar meu ponto de vista, dou este exemplo: o que seria de Dom Casmurro se ao invés de um narrador-personagem (Bentinho) tivéssemos um narrador em terceira pessoa, onisciente e que não atribuísse qualquer juízo de valor aos acontecimentos descritos? Bom, obviamente que Capitu não seria lembrada por tantos brasileiros (mesmo os que se traumatizaram com as aulas na escola). E digo isso porque se As Virgens Suicidas é um livro tão hipnotizante, é justamente por causa das (ótimas) escolhas de Jeffrey Eugenides ao contar os mistérios envolvendo os suicídios das meninas Lisbon. Continue lendo “As Virgens Suicidas (Jeffrey Eugenides)”

A idade dos milagres (Karen Thompson Walker)

Eu não sei bem se a culpa é exatamente de Hollywood, mas fico com a sensação de que toda vez que temos em mãos uma história que é situada em um cenário completamente diferente do que temos como nosso “normal”, na maior parte das vezes esse mesmo cenário é apenas isso – um entre tantos elementos da narrativa. É mais ou menos assim: algo TEM que acontecer, caso contrário, não vale a pena ler a história. Então temos protagonistas que partem em busca de um modo do evitar a catástrofe global, ou aqueles que simplesmente já estão habituados com a nova realidade e portanto enfrentam qualquer outro conflito dentro de novas condições. Mas você pode contar nos dedos os livros como A idade dos milagres, de Karen Thompson Walker, que parecem não querer cair na armadilha da ação pela ação e, com isso, conseguem trazer uma história que poderá agradar até aqueles que não são muito fãs de ficção científica.

A protagonista da história é Julia. Considerando outros livros de enredos parecidos, ela poderia ser uma cientista que trabalha para o governo dos Estados Unidos, ela poderia ser uma fora-da-lei que tem alguma perícia única que será capaz de salvar nosso planeta. Mas em A idade dos milagres, Julia é apenas uma garota de 11 anos, que em uma manhã de um final de semana fica sabendo com seus familiares através da notícia no plantão do jornal que o planeta Terra está rodando mais lentamente, e que ninguém ainda tem respostas sobre o que motivou essa mudança, como fazê-la parar ou se ela vai parar.

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A culpa é das estrelas (John Green)

(Ok, acho que já deu para entender e no próximo post nem precisará mais desse parágrafo introdutório. O post a seguir foi publicado originalmente em outubro de 2012 no Meia Palavra, que is kaput. Como por um período eu parei de publicar aqui as coisas que escrevia lá, estou trazendo aos poucos esse conteúdo, pelo menos para deixar registrado aqui o que achei mais relevante.)

Pode parecer estranho dizer isso, mas fui pega de surpresa por A culpa é das estrelas, de John Green. A parte estranha da informação diz respeito ao fato de que este não é um livro obscuro lido por poucas pessoas, daqueles que chegam em suas mãos sem qualquer informação e te pegam de surpresa. Não, comigo não foi por aí. Desde o lançamento lá fora eu já ouvido falar muita coisa sobre A culpa é das estrelas, com adjetivos que traziam variações do termo “apaixonante”, então é evidente que minhas expectativas estavam lá no alto quando finalmente comecei a ler. E aí  foi um tanto frustrante começar a leitura e perceber que bem, o livro não era tudo aquilo. Por que diabos as pessoas gostavam tanto? Parecia morno, e mesmo uma repetição de muita coisa que já tinha visto em outros livros YA. Além disso, confesso que mesmo que uma doença incurável justifique um amadurecimento precoce, o modo como Hazel e Augustus se comportavam e falavam me soava um tanto artificial e em alguns momentos até irritante: “não posso admitir isso porque sou um adolescente”, diz um deles em determinado momento.

Sim, Augustus aparecia como uma personagem bastante cativante, mas enfim, faltava uma fagulha, alguma coisa ali que justificasse a razão pela qual todo mundo parecia amar o livro. Entendam: eu não estava odiando, só não estava achando que merecesse tanto elogio. E então Hazel e Augustus vão para Amsterdam buscar respostas do autor de uma obra que os dois adoravam e tudo muda de figura. TUDO. Entendi os elogios e eu mesma acabei me encantando pela história. Aquele começo que eu achei sem sal então faz todo sentido. Mais do que isso, torna-se fundamental para um efeito que John Green aparentemente queria causar. E como falarei do tal efeito daqui para frente, peço para quem não leu o livro que pare neste parágrafo, porque A culpa é das estrelas é um daqueles casos em que quanto menos você sabe sobre a obra, melhor. Continue lendo “A culpa é das estrelas (John Green)”

Guerra Mundial Z e Meu namorado é um zumbi: ou, “Das adaptações”

Nem vou entrar nos méritos da obviedade de uma adaptação cinematográfica de um livro não ser exatamente igual ao livro (consigo pensar em poucos casos em que isso de fato ocorreu), mas estava pensando aqui sobre dois lançamentos de 2013 que têm zumbis no enredo, e em como essa questão da adaptação pareceu trabalhar de formas diferentes para cada um.

Vamos começar com Meu namorado é um zumbi (estreia prevista para 8/2), que é baseado no livro Sangue Quente. Pelas primeiras notícias, quando ainda achava que o título aqui no Brasil seria Sangue Quente também, pensei: “O conto é genial, o livro é maizomeno, o filme será um cocô”. Aí apareceu um trailer que fez com que eu mudasse de ideia, esse aqui: Continue lendo “Guerra Mundial Z e Meu namorado é um zumbi: ou, “Das adaptações””

Bonsai (Alejandro Zambra)

(Observação: e aos poucos eu vou trazendo meus posts sobre leituras que publiquei nos tempos do Meia Palavra e deixei de publicar aqui. Este sobre Bonsai (Alejandro Zambra), foi publicado em junho do ano passado. A essa altura quase todo mundo já leu o livro, mas de qualquer forma, acho que vale a pena o registro, até como sugestão para quem ainda não conheceu a obra.)

De todos os métodos para procurar novos livros para ler, um que nunca falha para mim é o “falatório entre conhecidos”. Se um amigo seu diz que leu e adorou, depois aparece uma resenha de um crítico que você normalmente lê, aí alguém fala no twitter, etc. etc. etc. pode saber: será no mínimo bom. Foi o que aconteceu comigo sobre Bonsai, estreia na ficção do chileno Alejandro Zambra. Lançado no mês passado aqui no Brasil pela Cosac Naify, desde então quase todos os meus contatos literários estão pelo menos em um dos dois estágios com esse livro: leu ou quer ler. E já acostumada a seguir sem medo  o tal do “falatório entre conhecidos”, fui conferir o que esse livro tinha a oferecer (e saber o porquê, afinal, de falarem tanto sobre ele).

O que chama a atenção logo de cara é que Bonsai é curtíssimo. Dá pouco mais de 90 páginas, mas há de se considerar o projeto gráfico da publicação, que ocupa pouco espaço das páginas (ou seja, das 90 dá para dizer que ele provavelmente tem algo em torno de 60). Eu fiquei realmente curiosa se há alguma intenção de que o leitor apare as sobras do livro, como quem cuida de um bonsai. Confesso que ver o pontilhado da capa despertou em mim um desejo irresistível de fazê-lo, mas como sofri com meu Bartleby, resolvi deixar para lá qualquer exercício envolvendo tesouras ou guilhotinas e apenas ler. Continue lendo “Bonsai (Alejandro Zambra)”

O lado bom da vida

O leitor é um adivinhador. Inconscientemente enquanto lemos estamos sempre tentando antecipar o que vem a seguir: qual a próxima ação da personagem, quando o autor explicará alguma condição dessa e assim vai. Mesmo quando os temidos “spoilers” são revelados, ainda assim o processo de adivinhação continua: ok, você sabe que “x” acontecerá – mas quais os eventos que levarão até “x”? Muitos autores construíram suas maiores obras partindo justamente dessa dinâmica do leitor com o texto, buscando inclusive romper com as expectativas mais óbvias. Outros, criam a expectativa através dos famosos “ganchos” que finalizam um capítulo o outro.

Porém, há os que buscam de certa forma colocar o leitor na mesma condição de seus protagonistas. Aquela sensação de pegar “o bonde andando” e ter que se atualizar sobre o que andou acontecendo, a estranheza ao estar em um ambiente que deveria ser familiar mas que não é mais. É exatamente o que Matthew Quick faz em seu romance de estreia, The Silver Linings Playbook (publicado lá fora em 2008 e chegando no Brasil agora pela Instríseca como O lado bom da vida). Situando a história no momento em que o protagonista Pat está deixando um hospital psiquiátrico, e fazendo com que essa personagem seja também o narrador da história, revivemos um sentimento de termos que primeiro encaixar peças de nosso passado para então partir para a brincadeira de adivinhação sobre o que virá a seguir.

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As vantagens de ser invisível (Stephen Chbosky)

Nota: Este post foi publicado originalmente no Meia Palavra em abril do ano passado. Eu estava mantendo o histórico no meu blog-arquivo, mas como algumas pessoas andaram pedindo que eu republicasse o texto, estou colocando aqui para vocês. Sobre o filme, eu dei minha opinião neste post aqui.

Não há nada mais bacana que ter um livro em mãos sem qualquer expectativa e ser surpreendido pouco a pouco com o que ele tem a revelar. Com The Perks of Being a Wallflower, de Stephen Chbosky (lançado aqui no Brasil pela Rocco como As vantagens de ser invisível), foi exatamente assim. Comecei a ler porque depois de Psicopata Americano eu queria algo mais leve, para passar o tempo mesmo. E Perks parecia a escolha ideal: livro para jovens publicado originalmente em 1999, mas que se passa em 1991, trata-se de um romance epistolar mostrando um pouco da vida de Charlie, um adolescente de 16 anos que acaba de começar uma nova etapa na vida de estudante. O melhor (e único) amigo acabou de se suicidar, e como ele se encontra completamente sozinho, resolve enviar cartas para uma pessoa que ele não conhece, comentando sobre tudo o que tem vivido. Continue lendo “As vantagens de ser invisível (Stephen Chbosky)”

Parando de comprar livros

10 em cada 10 leitores vorazes sustentam um hábito de comprar mais livros do que conseguem ler. Pode seguir qualquer um deles e as reclamações estarão lá: “Metade do mês e já comprei 20 livros!”, “Não aguentei a promoção e comprei mais livros!” e variações do mesmo tema. Tem pouco tempo estava todo mundo por aí compartilhando esta imagem dizendo que praticava tsundoku.

O que é legal, supondo que você tenha bastante dinheiro. E o que é unicamente problema seu, supondo que você não tenha. Não vou criticar quem tem orgulho de comprar livros como se não houvesse amanhã (ou limite no cartão), a questão é que agora no começo do ano resolvi parar de tsundokar por uns tempos.

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Ficção Nacional

Saiu hoje matéria na Folha comentando o óbvio para qualquer um que costuma acompanhar listas de mais vendidos aqui do Brasil: livros de ficção escritos por autores nacionais raramente aparecem entre os sucessos de vendas. O interessante da reportagem é ler o que o pessoal das editoras tem a dizer sobre o assunto. Chama a atenção o fato de que dessa vez a culpa não foi jogada no colo do leitor como normalmente acontece, mas do escritor, como dá para ver neste trecho:

Opinião parecida com a do publisher da Companhia das Letras, Otávio Marques da Costa, assim como o diretor-geral da editora Leya, Pascoal Soto, que comenta:

Sobre as afirmações do Soto eu vou comentar algo a mais, por enquanto vamos observar essa conversa de que não temos autores nacionais que escrevam “ficção mais popular” ou “de forma mais acessível”.

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