O Psicopata Americano (Bret Easton Ellis)

O_psicopata_americanoPerto do final do romance O Psicopata Americano, de Bret Easton Ellis, temos um capítulo chamado “Fim da década de 1980″. A verdade é que este bem que podia ser um título para a obra de Ellis, já que resume tão bem o espírito geral do que se lê ao longo das quase 500 páginas, em uma narrativa sob o ponto de vista de Patrick Bateman. Bateman é o “psicopata” da história, mas inicialmente aparece apenas como mais um yuppie (termo usado para se referir a jovens adultos de classe média ou alta), com uma rotina tão próxima do esteriótipo que chega quase a ser um clichê. Ele se preocupa com a marca das roupas que usa, repara nas que seus colegas de trabalho usam, quer frequentar os lugares da moda, é mimado, egoísta e completamente desprovido de grandes sentimentos pelas pessoas próximas. É quando ele começa a falar em cabeças decepadas no congelador que o leitor passa a perceber que cheirar cocaína não é o único ato criminoso que Bateman comete.

Eu poderia seguir comentando sobre os assassinatos, mas durante a leitura resolvi tomar outro caminho. Explico: à medida que Bateman vai perdendo o controle sobre suas vontades e ficando cada vez mais violento, a narrativa fica pesadíssima. Torturas envolvendo choque elétrico, uma ratazana sendo colocada dentro da vagina de uma mulher, pedaços de outra sendo cozidos, etc. E acreditem, eu estou sendo breve e poupando os detalhes. Tem que ter estômago mesmo, e quem fala aqui é uma fã de filmes slashers, para ter ideia. Mas apesar de toda a piração do narrador ao descrever seus atos, não consigo deixar de ficar com uma certa pulga atrás da orelha sobre se os crimes realmente aconteceram, ou se ele estava apenas imaginando coisas. Algumas passagens colocam isso em dúvida, e por isso que foquei em outro aspecto, o de ninguém prestar atenção em ninguém.

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O futuro de nós dois (Carolyn Mackler, Jay Asher)

O-futuro-de-nós-dois.-capaEstava eu lendo uma matéria qualquer na Folha quando reparei na lateral da página a propaganda de um livro cuja capa lembrava, de certa maneira, o pôster de Nick and Norah’s Infinite PlaylistComo tinha gostado do filme, resolvi clicar no link para ver qual é do livro. Dizia a sinopse: “É 1996, e menos da metade dos alunos das escolas de ensino médio nos Estados Unidos já tinham usado a internet. Emma acaba de ganhar o primeiro computador e um CD-ROM da America Online de Josh, seu melhor amigo. E ao instalar o programa, logo no primeiro acesso, descobrem que acabam de entrar no Facebook, dali a quinze anos. Todos se perguntam como será o futuro. Josh e Emma estão prestes a descobrir…”. Uou! 1996!!! Internet das antigas!!! Prato cheio para uma criatura que adora nostalgia como eu.  Logo comecei a ler o livro e… que decepção.

Pois é. Decepção. A ideia é muito bem sacada, mas muito, muito, MUITO mal desenvolvida. Se você tira o fator “piadas sobre nosso futuro/nosso passado”, pans, o livro é chato. Não é só questão de chatice, é de ser vazio ou ainda, mais do mesmo. Melhores amigos que se apaixonam. Sério? Sério meeeeesmo? Chegou num ponto que eu já estava até querendo pular as páginas com momentos de Josh e Emma quando não estavam checando o Facebook, de tanto que parecia que aquelas páginas tinham sido escritas no piloto automático.  Sei que terá quem se encante, sei que pessoas acharão o Josh fofo e blablabla, mas duvido que alguém termine de ler o primeiro capítulo sem já saber tudo o que acontecerá dali para frente.

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Retrato de um assassino (Patricia D. Cornwell)

retrato-de-um-assasino---patricia-d--cornwell_4128233_114451Poucos criminosos mexeram tanto com o imaginário popular quando Jack, o Estripador. Por conta do fato de que sua identidade nunca foi descoberta, coube à ficção tentar desvendar os crimes que ocorreram em Londres no final da década de 1880. De romances até HQs (vide o caso de Do Inferno, de Alan Moore), com uma passada óbvia pelo Cinema, histórias e mais histórias foram contadas, baseando-se em diversas teorias a respeito da identidade do famoso serial killer. Um médico influente, um membro da realeza britânica. Muitos foram apontados como suspeitos, mas considerando o que era o trabalho de investigação naqueles tempos, a verdade é que fica difícil sair do campo das teorias de conspiração. Pelo menos até recentemente.

Há 10 anos a autora de best-sellers policiais Patricia Cornwell resolveu investigar o caso aplicando a metodologia moderna, o que inclui entre vários detalhes a análise de amostras de DNA e digitais. E a partir disso ela afirma categoricamente que sim, ela sabe a identidade de Jack, o Estripador. O livro Retrato de um assassino busca mostrar o que foi que ela descobriu com suas investigações, justificando porque seu suspeito, no final das contas, é o Estripador (e também porque isso foi mantido em segredo até os dias de hoje). Continue lendo “Retrato de um assassino (Patricia D. Cornwell)”

Dark Places (Gillian Flynn)

darkplacesConsiderando que Garota Exemplar foi um dos livros mais bacanas que li agora em 2013, é natural a curiosidade sobre os outros romances já publicados pela escritora Gillian Flynn. Aquela coisa: alguém que acertou tanto em um, com certeza tem mais coisa bacana publicada, certo? Mas aí comecei a lembrar da maldição da Intrínseca que eu e a Dani comentamos no meu post sobre O Teorema Katherine: a editora lançava um livro que era um total sucesso aqui no Brasil, mas a escolha seguinte era sempre fraquinha e por isso mesmo um tanto decepcionante e, por coincidência, quase sempre trabalhos anteriores ao de sucesso (exemplos: A culpa é das estrelas seguido de O Teorema Katherine, A visita cruel do tempo seguido de O Torreão, Um Dia seguido de Resposta Certa, A menina que roubava livros seguido de Eu sou o mensageiro). Então fica aqui minha sugestão para a Intrínseca: ó, vai sem medo em Dark Places. MESMO. Só dessa vez faz o material promocional sem spoilers, ok? Ok.

Então. Eu não sei se já aconteceu com você de gostar muito de um autor, e aí você vai atrás de outro livro dele e quando lê ou tem a sensação de que aquilo não tem nada a ver com o cara (sabe, o estilo, a voz, nada está ali) ou é tão a ver que bem, parece só uma cópia/continuação do que ele já tinha escrito antes. É um terreno perigoso, no final das contas: como inovar sem perder o mojo? É engraçado que ao mesmo tempo que queremos algo familiar, queremos o novo. Sim, somos leitores exigentes e queremos o impossível. E é por isso que é sempre bom ter a surpresa de encontrar quem consegue fazer um ótimo malabarismo com essa nossa vontade, como é o caso de Gillian Flynn. Embora Dark Places tenha sido publicado anteriormente ao Garota Exemplar, você consegue enxergar as semelhanças, aquele tom que indica que está lendo algo da Flynn, ao mesmo tempo que entra em um novo terreno para ser explorado.

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Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children (Ransom Riggs)

missperiEu não lembro bem como foi que encontrei Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children pela primeira vez. Só sei que a capa chamou minha atenção (uma foto antiga, em preto e branco, de uma menininha cujos pés não tocam o chão) e que achei o título interessante. Julgando a sinopse (falando de orfanato abandonado e afins) e a imagem da garotinha da capa, pensei “Opa, é horror, vamos conferir”. Aí comecei a leitura e para mim pareceu algo meio The Princess Bride meets A Vida é Bela, com o avô do protagonista Jacob contando histórias sobre a ilha em que ele passou uma parte da vida com outras crianças como ele – que tinham habilidades extraordinárias. A sensação que fica é de que o livro será uma doce e divertida história sobre como o avô maquiou os horrores da Segunda Guerra Mundial com relatos sobre pessoas extraordinárias (judeus?) que precisavam se esconder em um orfanato para fugir dos monstros (nazistas?).

Bem, a questão é que Ransom Riggs tem uma carta na manga: ele te leva a pensar que o livro vai tomar um rumo e aí surpreende. E isso não é apenas uma vez só (e é óbvio que eu não vou ficar revelando aqui as surpresas). A leitura de Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children fica parecendo um pouco com um passeio em um trem fantasma, onde você nunca sabe ao certo o que virá a seguir. Eu disse que achava que seria uma história de horror, certo? É horror.  Mas também fantasia. E aventura. Daquelas obras que enquanto você passa por alguns parágrafos fica só pensando: “Caramba, digam que vão filmar isso aqui!”1

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  1. A Fox já comprou os direitos de filmagem do filme 

Deixa ela entrar (John Ajvide Lindqvist)

deixaelaentrarMeu primeiro contato com o romance Deixa ela entrar, do sueco John Ajvide Lindqvist, foi através da adaptação para o cinema de 2008, chamada Låt den rätte komma in. O responsável pelo roteiro do filme foi o próprio Lindqvist, então rapidamente imaginamos que há uma grande aproximação entre o filme e o livro – o que para mim ficou evidente ainda no mesmo ano, quando li a tradução para o inglês da obra (chamada Let the right one in). E desde então muita água rolou, o filme ganhou uma versão americana (chamada de Deixe-me entrar, que eu ainda não vi), e agora a Globo Livros lançou uma tradução em português direto do sueco, com o título Deixa ela entrar, que tive a oportunidade de ler recentemente. Aviso de antemão que como eu não sei lhufas de sueco, qualquer comentário a seguir sobre a tradução é baseado em teorias e, bem, na lembrança da primeira leitura em inglês.

Até por causa da relativa demora para o livro chegar por aqui é importante contextualizar a obra, para compreender o porquê de ela conquistar tanta gente. A estreia do filme em 2008 (o livro é de 2004) coincidiu com o auge da febre Crepúsculo, que trazia o conceito de vampiros para adolescentes. A franquia de Stephenie Meyer não é de maneira alguma precursora, mas é certamente uma das maiores divulgadoras de uma fórmula que foi repetida exaustivamente ao longo dos anos (na realidade, até hoje), sempre trazendo o amor impossível entre um ser sobrenatural (vampiro, lobisomem, fantasma, boitatá, ou o que for) com um humano. E Deixa ela entrar tem essa fórmula, porém de uma forma muito, muito diferente do que esperamos em livros do tipo. A obra de Lindqvist acabou se tornando um anti-Crepúsculo, ou ainda, um Crepúsculo para quem não suporta uma dose muito alta de sacarina e prefere nossa realidade, muito mais dark. Continue lendo “Deixa ela entrar (John Ajvide Lindqvist)”

Agora é que são elas (Paulo Leminski)

elasNo último dia 20 aconteceu na Livraria Cultura aqui de Curitiba um evento de lançamento do livro Toda Poesia, do Paulo Leminski. Se você, caro amigo caçador de autógrafos, já torceu o nariz pensando “Lançamento sem o autor? Pffft!” tenho que dizer que foi um dos eventos mais bacanas que já presenciei: a ideia foi de criar uma espécie de sarau, onde pessoas leram poesias do Leminski ou tocaram músicas que de alguma forma se baseavam na obra do poeta. Teatro lotadíssimo, um clima bacana e, por que não dizer, uma amostra grátis de um pouco do que aquele livro de capa laranja berrante tem para oferecer. Saí de lá morrendo de vontade de reler Toda Poesia. Saí também com um Agora é que são elas embaixo do braço.

Sobre o título, eu tinha uma vaga lembrança de um folder presente na bagunça do quarto do meu irmão (que eu adorava explorar em busca de cds para emprestar). O folder era de uma peça de teatro, que agora graças à Internet posso confirmar que era uma adaptação dirigida pelo Fiani, apresentada pela Cia Máscaras de Teatro (um beijo, Internet!). Mas talvez por não saber o quem é quem na época, fiquei com a ideia errada gravada na cabeça: de que Agora que são elas era um texto do Leminski escrito para teatro, e não um romance. Então na hora que abri o livro na Cultura tive uma baita surpresa – e por isso resolvi comprá-lo na hora. A saber: o livro foi originalmente publicado em 1984 pela Brasiliense (e lá vão quase 30 anos!), mas ganhou ano passado uma nova edição pela Iluminuras, que também relançou Catatau, com uma capa que faz jogo com a de Agora é que são elas, fica a dica para quem tem TOC. Continue lendo “Agora é que são elas (Paulo Leminski)”

Rock n’ Roll e outras peças (Tom Stoppard)

rockO nome Tom Stoppard pode não soar muito familiar para você, mas vamos tentar estes aqui: Que tal Brazil, o filme? Ainda nas produções da década de 80, quem sabe Império do Sol? Ou ainda o papa-Oscar Shakespeare Apaixonado? Pois saiba que os roteiros desses filmes tem as mãos de Stoppard, seja em autoria, co-autoria ou adaptação. Não acha que são boas referências ainda? Que tal irmos para o campo em que ele realmente atua, o teatro? Ganhador de vários prêmios Tony, além de ser nada mais, nada menos do que “Sir” Tom Stoppard. Já deu para ter uma ideia da importância da figura, não?

É por isso que a publicação de Rock n’ Roll e outras peças pela coleção listrada da Companhia das Letras vem em tão boa hora. Eu já havia comentado em outro momento como fazia falta uma tradução de Rosencrantz and Guildenstern are Dead aqui no Brasil, imagine então minha alegria ao saber que não seria apenas essa peça, mas uma coletânea dos trabalhos de Stoppard que chegariam em português, traduzidas por Caetano W. Galindo. É livro para fazer os olhos dos amantes de teatro brilharem, e mais importante, é daqueles para apresentar Stoppard para um público que aprecia boa literatura.

A coletânea não está organizada por ordem cronológica, mas a forma como foi montada aproximou temas recorrentes do teatro de Stoppard, quase como se fosse uma galeria de quadros dos mais variados estilos na qual temos a oportunidade de ver um pouco de tudo que ele já fez. Stoppard já escreveu mais de 30 peças, a coletânea traz sete (oito se separarmos O Macbeth de Cahoot de O Hamlet de Dogg, embora o dramaturgo afirme que uma complementa a outra). Algumas delas vem com um texto introdutório de Tom Stoppard, explicando algumas questões sobre a criação do texto, característica de personagem, contexto, etc., o que é ótimo para uma leitura mais fluida dos textos. Continue lendo “Rock n’ Roll e outras peças (Tom Stoppard)”

A probabilidade estatística do amor à primeira vista (Jennifer E. Smith)

probabilidadeSem qualquer obrigação de leitura (não estou na faculdade, não escrevo para um blog com parcerias e, principalmente, não quero provar nada para ninguém) acaba que meus critérios para escolha de livros estão para lá de aleatórios. Tentei engatar leituras de terror por causa de Little Stranger, mas então vi este livro de capa fofíssima e título meio nonsense e pronto, já fiquei curiosa. Sim,é young adult, então se essa não for sua praia nem perca tempo, porque não tem nada que vá te surpreender em termos de escrita. Mas é tão gostosinho de ler, tão bonitinho, tão -inho, -inho que pelo menos para as meninas que gostam de uma história doce eu certamente recomendo este livro. Trocando em miúdos: tive mais sorte do que juízo, porque se o critério foi bocó, pelo menos o livro não foi uma perda de tempo.

Confesso que as primeiras páginas prenderam minha atenção porque eu simplesmente adoro essa teoria de que pequenos momentos banais dos nossos dias podem significar uma grande mudança em nossas vidas (acho que o exemplo mais lindo dessa ideia foi mostrado em um filme nacional chamado Não por acaso). Hadley por uma série de fatores acaba perdendo seu voo para Londres por exatos quatro minutos, e corre o risco de se atrasar para o segundo casamento de seu pai. Fica evidente logo de cara que a garota não está muito bem com a obrigação de estar lá, muito menos com o fato do pai casar novamente – o que a leva a questionar em muitos momentos o que diabos faz com que uma pessoa que tinha uma vida estável e boa largue tudo isso por causa de uma paixão.

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iDrakula (Bekka Black)

iDrakulaJá comentei diversas vezes que sinto que boa parte dos livros atuais ainda não conseguem retratar o impacto da internet no nosso cotidiano. Não só da internet, é claro, mas de todas as mudanças nas formas de se comunicar que vieram nos últimos 20 anos. Tem livro de adolescente em que o adolescente não manda mensagem de texto ou NUNCA dá uma olhadinha nos emails, por exemplo. Dude, existe algum adolescente que não manda mensagem de texto nem dá uma olhadinha nos emails nos dias de hoje? Não entenda mal, não é uma questão de verossimilhança: os autores criam um universo próprio, se nesse universo adolescente não twitta, tá tudo certo, leia logo a história e não seja xarope, Anica. Oooooook. Mas enfim, o anacronismo chama minha atenção, e por isso fico até surpresa quando encontro um livro que tenha algo aproximado do que é o cotidiano de uma pessoa nos dias de hoje.

E se falo isso tudo, é para explicar o que fez com que eu começasse a ler iDrakula, de Becca Black. Pela sinopse, entendi que a ideia era trazer a história de Drácula para os dias atuais, justamente com a adição do elemento “internet” no enredo: Mina, Jonathan, Lucy, etc seriam personagens que trocariam e-mails e mensagens de texto, ao invés de trocarem cartas como acontece no romance de Bram Stoker. O negócio é que mesmo sabendo do que se tratava o livro, nada poderia me preparar para o susto que foi, logo na primeira página, dar de cara com isso aqui:

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