Primeiro que já tinha lido Dublinenses há alguns anos, em inglês. O fato de eu ter “conseguido” ler sem qualquer dificuldade no idioma original serve para atestar que você não terá nenhum bicho de sete cabeças em mãos caso decida conhecer esta coletânea de contos de James Joyce. Segundo que este mês surgiu uma ótima oportunidade de conhecer o livro, já que a editora Hedra acabou de lançar Dublinenses com tradução de José Roberto O’Shea, um dos grandes nomes da tradução literária no Brasil. A tradução foi publicada anteriormente 20 anos atrás, mas O’Shea teve a oportunidade de revisá-la de tal modo que o próprio tradutor na introdução diz “o texto aqui publicado configura uma nova tradução”. Saiba portanto que se esse será seu primeiro contato com James Joyce, você estará em boas mãos. Continue lendo “Dublinenses (James Joyce)”
Categoria: Literatura
Cadê Você Bernadette? (Maria Semple)
Ok. O negócio é que eu realmente não esperava o que acabei encontrando ali. E digo isso de forma positiva. Eu achava que a narrativa já partiria do sumiço de Bernadette e da investigação pela personagem, mas vão lá páginas e páginas do livro em que ela ainda está lá, vivendo com a filha Bee e o marido Elgin em uma casa bizarríssima que na realidade era um internato abandonado. Nesse primeiro momento, o que prendeu minha atenção à história foi uma vontade incontrolável de que algo muito ruim acontecesse com as “gnats”, as mães das colegas de escola de Bee, especialmente Audrey, que parecia até uma daquelas personagens caricatas de comédias que envolvem uma relação complicada entre vizinhos: pense em uma mulher que chega a inventar que foi propositalmente atropelada, ou que invade o quintal da vizinha por causa de plantas que estão invadindo seu terreno. É a dondoca típica, que tenta ganhar um espaço importante na comunidade a qualquer custo, e não consegue compreender por que Bernadette não dá a mínima para esse tipo de coisa (portanto, transformando Bernadette em inimiga).
Attachments (Rainbow Rowell)
Então. A história se passa em 1999, naquele período em que a internet ainda dava seus primeiros passos na vida das pessoas comuns. Lincoln é um carinha tímido que vive pulando de uma graduação para outra, sem saber muito bem o que quer da vida. Mora com a mãe (superprotetora) e acabou de aceitar um emprego na área de IT (have you tried turning it off and on again?), fiscalizando os emails dos funcionários para que não saíssem da linha com a ferramenta “nova” de trabalho. Parece ok, mas o negócio é que aos poucos ele começa a acompanhar a conversa de duas funcionárias, Jennifer e Beth, e apesar de apresentarem um monte de palavrão e estarem lidando apenas com assuntos pessoais, ainda assim ele não manda uma advertência. Porque aos poucos ele passa a gostar de ler aqueles emails, e mesmo daquelas meninas. Especialmente de Beth.
As relações perigosas (Choderlos de Laclos)
O que não deixa de ser extremamente admirável, já que o enredo de As relações perigosasé até bem simples. Através das correspondências trocadas entre diversas personagens, ficamos sabendo sobre os planos da Marquesa de Merteuil para se vingar de um ex-amante, usando para tal o Visconde de Valmont. Como é então que consegue ser tão interessante? Para começar, o que vejo como a principal qualidade da obra, é a sutileza de Laclos. Valmont e Merteuil são ricos, educados e inteligentes e isso fica evidente em suas cartas, algumas bastante sensuais mas de um jeito que o leitor mais desatento pode acabar deixando passar batido. Não espere nada como as cartas de James Joyce para Nora, por exemplo. A graça aqui é o quanto se pode dizer sem ser explícito ou ainda, o quanto se pode dizer sem nada dizer.
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Blackbirds (Chuck Wendig)
Se você nunca ouviu falar de Blackbirds ou Chuck Wendig (o que era meu caso há poucos dias), então acho que o melhor jeito de apresentá-lo e através do mesmo book trailer que fez com que eles entrassem no meu radar literário:
Eu não sou muito fã de book trailers, confesso. Aliás, conheci o vídeo justamente em um artigo do Book Riot que questiona esse formato de publicidade do mercado editorial. Mas este foi um dos raros casos em que mal terminei de assistir ao book trailer e já estava procurando o livro na Amazon para comprar, ainda mais porque minutos depois o Gabriel comentou que Blackbirds era “muito, muito bom”. Enfim, explicando minha empolgação até para ninguém achar que sou um et por ter acabado com o livro em dois dias, há.
Eleanor & Park (Rainbow Rowell)
All the lonely people, where do they all belong?
Eu sei que da história da raposa com o Pequeno Príncipe todo mundo lembra daquela frase sobre cativar, mas na minha memória eu tenho uma lembrança mais forte do que a citação em si: é de um momento anterior, com a raposa falando que dia após dia ela e o Príncipe deveriam ficar cada vez mais próximos um do outro, até que ele a tenha cativado. Eleanor & Park de alguma forma fez com que eu recordasse desse trecho. Lançado lá fora em fevereiro deste ano e aparentemente ainda sem tradução no Brasil, o livro parece seguir o caminho contrário de muitos YA em que o casal de protagonista se apaixona no momento em que trocam um primeiro olhar. A primeira troca de olhar entre os dois não foi exatamente apaixonadora. As primeiras palavras não foram exatamente doces (há até uma f-word envolvida). Mas mesmo assim, aos poucos Eleanor e Park vão se aproximando, cativando um ao outro no melhor estilo “raposa do Pequeno Príncipe”. E talvez até por esse processo de encantamento, o leitor acaba se envolvendo com a história. Entre “nhóóóóóums” e “nããããos”, uma página segue outra sem que seja possível deixar o livro de lado.
Não se engane: não estou falando de livro que prende nossa atenção por alguma inovação na estrutura ou por trazer algum assunto para ser refletido por horas depois da leitura. É YA romântico como muitos que já apareceram por aí, aquela coisa de menina cheia de complexos e com problemas familiares que acaba encontrando um carinha que vai mudar seu mundo mas que por algum fator ‘x’ não podem ficar juntos e blablabla. E por que então, Eleanor & Park está conquistando tanta gente? Não posso afirmar com certeza (sabe como é, um livro é um livro diferente para cada leitor). Porém, pelo menos no meu caso, acredito que talvez a autora tenha deixado uma pista logo no começo, com um diálogo na aula de inglês em que o professor questiona Eleanor sobre Romeu e Julieta. Enquanto lia não conseguia acreditar: era exatamente o mesmo raciocínio que desenvolvi quando reli a peça há alguns anos.
The Spectacular Now (Tim Tharp)
A melhor sacada de Tharp foi não ter pressa de desenvolver o narrador-protagonista, Sutter Keely. Através de algumas ações que (aparentemente) nada terão a ver com o plot principal (estamos esperando a chegada da geek, lembra?), ele vai se revelando uma personagem não só (extremamente) carismática, mas também crível. Todo mundo conhece um Sutter Keely, aquele sujeito legal que se dá bem com todo mundo, está sempre feliz, consegue fazer graça de si mesmo e das situações mais constrangedoras. Enfim, estar perto dele te faz bem. Não tem a ver com inocência como alguns protagonistas de YA tipo o Charlie de As vantagens de ser invisível, é mais o modo como ele encara a vida e o modo de se relacionar com as pessoas.
Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas etc. (Vários)
E então vou virando as páginas e vejo que os contos contam com ilustrações legais, que o livro mantém a proposta de levar tudo com senso de humor até quando chega lá no final, com “palavras cruzadas tremendamente difíceis” e, puxa, que vontade de ler tudo logo de uma vez. Foi o que fiz. Aí começaram as decepções. A número um foi ver que o conto de Neil Gaiman não era inédito, já foi publicado no Brasil na coletânea Coisas Frágeis, que saiu pela Conrad. O conto em questão é Pássaro-do-sol, que honestamente nem é meu favorito do Gaiman. Sobre ele falarei além, mas continuemos com minha segunda decepção: descobrir que o que tem do Snicket não é propriamente um conto, mas uma introdução (embora eu ache que possa ser lido como conto, apesar do aspecto fragmentado). Sim, é muito bem sacada e tenho certeza que falará muito bem com o público-alvo do livro, mas convenhamos, não é algo exatamente original: Neil Gaiman na introdução de Fumaça e Espelhos inclui um conto dentro da introdução, como um prêmio para os que leem introduções. Snicket faz algo parecido, e até divertido, mas eu sinceramente esperava algo diferente (embora sim, um sorriso tenha aparecido no meu rosto quando li o trecho “Socorro!” gritou o Rei da Terra dos Ursinhos. “Paul Revere está me batendo com uma caixinha feita de madeira brilhante!” Continue lendo “Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas etc. (Vários)”
Reconstructing Amelia (Kimberly McCreight)
Mas… Embora McCreight pareça seguir cuidadosamente a cartilha do thriller-que-o-leitor-não-consegue-parar-de-ler, infelizmente ela derrapa em alguns pontos importantes da história, que fazem com que a sensação geral após a conclusão da leitura seja de que você foi enganado como leitor (ou, no mínimo, subestimado). Fosse só algumas más escolhas envolvendo a estrutura, eu ainda poderia dizer que é um livro para quem gosta mais do enredo e não se importa muito pelo modo como foi escrito. Negócio é que o próprio enredo tem lá seus problemas. E lógico que para comentá-los eu terei que falar de alguns spoilers, acredito que devidamente sinalizados, mas aí o post fica meio incompleto, então caso ainda não tenha lido o livro, o que eu posso dizer é que Reconstructing Amelia tem p* nenhuma a ver com Garota Exemplar, hmmmmkay?
NOS4A2 (Joe Hill)
De qualquer modo, comparações ficando de lado, vamos ao NOS4A2 (pronuncia-se “nosforatchu” ou, como é a intenção do dono do carro que apresenta esta placa, “nosferatu”). Eu me enrolei um pouco para começá-lo (saiu no final de abril lá fora) porque as 700 páginas me desanimavam um tanto. Calma, não é preguiça de ler livro grande. É só que eu estava achando que o Hill acabaria pegando uma mania chata do pai dele de escrever livros desnecessariamente prolixos, que estragam muito o clima do horror. Não vou dizer que não exista um tico de “gordura” em NOS4A2 (aquelas divagações de personagens secundárias que te fazem rolar os olhos e pensar em pular algumas páginas, por exemplo), mas logo entendi o motivo para o tamanho do livro: ele segue a história de Vic “The Brat” McQueen desde a infância, quando descobre que tem um dom especial para “encontrar” objetos perdidos.