As Primeiras Quinze Vidas de Harry August (Claire North)

firstfifteenHistória de sempre: li alguma resenha num canto, achei interessante, resolvi ver qualé. Não é sempre que isso funciona, vide o caso de A Violent Century que apesar de ter uma ideia legal acaba virando um livro só “meh”.  Mas com The First Fifteen Lives of Harry August, me encantei já de primeira. E olha, isso é beeeem difícil de acontecer comigo, sou meio chatonilda e só me entrego de fato lá pelos 20% de um livro (quando decido se vou seguir em frente ou se vou largar). E se comento sobre esse meu encanto inicial é justamente para explicar desde já que embora a história seja ótima (bem sacada, divertida, etc.), a maior qualidade da obra é o como a autora escreve, simples assim.

Você não precisa de ganchos forçados para querer continuar lendo o livro capítulo após capítulo, porque a narrativa de Claire North é por si só viciante. Como comentei no twitter: ela poderia estar falando sobre batatas, e você continuaria lendo achando a coisa mais legal do mundo, de tão envolvente que é o estilo da autora. Eu sei que é o tipo de coisa que não faz muita diferença para quem quer mais é saber do enredo, mas pelo menos no meu caso ter em mãos um livro tão bem alinhavado, uma narrativa tão fluida prende muito minha atenção.

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The Violent Century (Lavie Tidhar)

Clichê de resenha de “blog literário”: começar texto descrevendo a dificuldade de comentar sobre um livro do qual você gostou demais. Eu já devo ter feito isso por aqui umas trocentas vezes, e olha, é difícil mesmo. Sensação de que não importa o quanto você escreva, sempre deixará algo importante de fora, ou não conseguirá passar de forma satisfatória o que tanto te encantou ali. Só que agora eu encontei um pepino novo para quem gosta de escrever sobre o que tem lido – com The Violent Century (de Lavie Tidhar), descobri um campo novo do “putz, é difícil comentar sobre isso”. Anota aí: “livros com enredos bem sacados, ótimas personagens, momentos marcantes e que mesmo assim não chegam perto dos livros da sua lista de favoritos”. Sério, complicado. Você fica tentando entender o que foi que faltou ali, se tinha tudo para funcionar.

Primeira vez que ouvi falar de The Violent Century foi em um artigo do io9, que anunciava que o romance era “like Watchmen on crack“. Não precisava nem ler muito mais, o autor já tinha minha curiosidade. Mas vamos lá: imagine como seria o cenário da Segunda Guerra Mundial (e os eventos históricos seguintes) se por acaso existissem super-heróis. Em The Violent Century conhecemos Fogg e Oblivion1, que costumavam trabalhar em dupla no “Retirement Bureau” e que acompanharam de perto grandes momentos do século XX. Tudo normal, não fosse um detalhe: o “Retirement Bureau” é uma espécie de órgão secreto do governo Britânico dedicado aos Übermensch, pessoas que após “A Mudança” passaram a ter super poderes. Fogg, como o nome sugere, controla o nevoeiro e Oblivion faz com que as coisas desapareçam.

Veja, a ideia é muito legal, porque por mais que já tenhamos pensado no que aconteceria se super-heróis realmente existissem ao ler Watchmen, o livro de Tidhar segue além e pergunta (com uma frequência que parece refrão de poesia): what makes a hero? Então não é como se você tivesse mais do mesmo em mãos, há algo de novo ali. Eu queria poder citar todo o trecho do Dia D com os heróis americanos para você entender o que quero dizer, mas ele ficaria longo demais aqui. De qualquer forma, acho que foi naquele momento que eu pensei “Ok, não gosto do estilo da narrativa, mas vou até o fim”.

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  1. li o livro todo imaginando o Oblivion como o Tom Hiddleston, virge! 

O Segredo do Meu Marido (Liane Moriarty)

Sei que em um mundo cada vez mais umbigo esse tipo de constatação às vezes chega com algum atraso, mas é inevitável em algum momento perceber que não adianta planejar, organizar, prever: muito da sua vida dependerá de terceiros, que podem simplesmente não seguir seu roteiro. Pensei bastante nisso enquanto lia O Segredo do Meu Marido (de Liane Moriarty), especialmente quando a história se concentrava na control freak Cecilia: mãe de três meninas, muito bem casada e igualmente bem sucedida na carreira de vendedora de tupperware. Tem o tal do “pacote completo”, que consegue manter com muito trabalho (e organização). Tudo segue bem até que por acaso encontra um envelope. É uma carta de seu marido, que ela deve ler apenas quando ele morrer.

É natural que o leitor acabe pensando que o livro será sobre o conteúdo dessa carta (até porque o dilema de Cecilia sobre ler ou não se estende por vários capítulos) e pense que o tal do “segredo do marido” seja um mistério a ser desvendado (ou daqueles que sustentam a curiosidade do leitor até o fim do livro). Não é o caso. O segredo do meu marido é um daqueles livros “enganadores”, que tão logo o leitor avança na leitura, percebe que não era exatamente o que esperava, mas talvez até algo melhor. Então digo desde já que não acho que o segredo seja o mais importante na história, mas para quem tem frescura de spoiler é sempre bom avisar então lá vai: daqui para frente tem spoilers, etc.

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Quiçá (Luisa Geisler)

Já comentei sobre isso quando escrevi sobre O lado bom da vida, mas como ninguém nunca clica em links vou falar novamente: o ato de ler um livro é, de certa maneira, um jogo de adivinhação. É algo quase inconsciente, funcionando como parte do processo de recepção da história. Lembro aqui de um trecho de A leitura de Vincent Jouve que explica bem essa questão:

O texto, com felicidade qualificado por Eco de “máquina preguiçosa”, necessita das previsões do leitor para funcionar. Depende dessa condição para poder confortá-lo, surpreendê-lo ou, simplesmente, interessá-lo. (pg.76)

Dando um exemplo, aposto que nesse exato momento você está pensando “Por que diabos a Anica está citando esse cara se o título ali no topo indica que ela quer falar de Quiçá da Luisa Geisler?“. Ok, acho que deu para entender como funciona. O negócio é que acredito que em alguns casos a participação do leitor nesse processo de adivinhação não toma um espaço tão importante na leitura, em outros, como acontece com Quiçá, grande parte do charme do livro é que ele dá uma importância maior para o leitor e suas adivinhações, graças à estrutura da narrativa.

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Rodada de YA

Explicando pela enésima vez porque sempre tem o perdido que chega aqui por causa de um único post e aí acha que eu tenho preconceito sobre YA e blablabla. Não, eu não tenho. Eu curto, me divirto e alguns eu considero acima da média, vide o caso de Eleanor & Park e A culpa é das estrelas, por exemplo. Mas a verdade é que os YA que andei lendo recentemente não são exatamente aqueles sobre os quais eu tenho muito a comentar, então resolvi agrupá-los em um post só (sim, esse que você está lendo agora), para não ficar sem o registro (porque eu já estou naquela fase em que vejo post antigo meu aqui e penso “Caramba, eu li esse livro??? Sério???”). Bom, aos comentários.

Anna e o Beijo Francês (Stephanie Perkins): Anna é uma garota americana que vai passar o último ano antes da faculdade em uma escola em Paris. Pode ser o seu sonho, mas o fato é que ela não queria nada disso, especialmente porque não queria viver longe da melhor amiga e do rolinho que poderia virar algo mais sério. Aos poucos ela vai conhecendo pessoas novas e vai se deixando encantar pela cidade.

Então. Apesar de o enredo tomar um caminho bem previsível, o livro me conquistou principalmente porque as descrições que Perkins faz de Paris são ótimas, você quase viaja junto com a protagonista. a escola de Anna fica no Quartier Latin, mesma região em que fiquei quando fui para lá, então acabei morrendo saudades (e de vontade de viajar). Além disso, o interesse romântico da menina é um fofo, então o lado noveleira meio que pega o balde de pipoca e acompanha animada o will they won’t they por mais que já tenha ideia que yes, they wil.
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O escolhido foi você (Miranda July)

Não sei sobre você, mas eu devo ter memória seletiva quando o assunto é resenha de terceiros, porque não é possível eu ler opiniões de outras pessoas – em alguns casos até bem detalhadas – e ainda assim me surpreender com livros. Vai ver é por isso que não ligo muito para spoilers, vá saber. O fato é que quando finalmente comecei a leitura de O escolhido foi você de Miranda July eu já tinha lido tanta coisa sobre o livro que em teoria não haveria mais espaço para surpresas. Mas caramba, que surpresa. E que surpresa boa.

Então, aquilo que eu lembrava de ter lido em toda resenha e que eu conto aqui para você caso ainda não tenha visto nada sobre o livro por aí (o que acho difícil, já que ele foi lançado em fevereiro do ano passado, mas nunca se sabe, né): Miranda July é roteirista, e estava vivendo um momento de bloqueio criativo quando um dia no meio da já rotineira procrastinação, tem a ideia de entrevistar pessoas que publicam anúncios no PennySaver. Quer conhecê-las, capturar um tanto de suas histórias e transformar isso em um projeto paralelo que justifique seu “não-escrever”, digamos assim. Continue lendo “O escolhido foi você (Miranda July)”

Meu coração de pedra-pomes (Juliana Frank)

Da minha época de solteira acostumada a voltar do bar só depois das cinco da manhã, eu lembro de um dia em que cheguei em casa morrendo de sede, abri a geladeira e tomei um belo gole de coca-cola. Calma, não é aqui que eu imito o ursinho polar e faço HUMMMMM. Negócio é que um segundo depois descobri que não era coca o que eu tinha tomado, mas shoyu. A memória do incidente que na época serviu como lição (se chegar bêbada, não abra a geladeira) voltou assim que avancei na leitura de Meu coração de pedra-pomes, de Juliana Frank. Calma, não é um livro ruim como beber shoyu às cinco da manhã. É que considerando algumas resenhas que li por aí, estava esperando algo completamente diferente dessa obra lançada em no ano passado pela Companhia das Letras.

Eu não sei bem como foi que criei essa imagem, mas a impressão que tinha é que Lawanda, a faxineira do hospital, seria uma espécie de mistura de Amélie Poulain com Macabéa, e que o livro seria todo fofo, olha aquela borboleta na capa que não me deixa mentir. Bom, eis o choque de perceber que Lawanda não tem nada de fofa ou apática. Ela é tosquíssima e justamente por causa disso muito engraçada. Aliás, o tom do romance é esse: cômico. Um humor ácido e algumas vezes beirando ao nonsense (a começar pelo primeiro capítulo, com um julgamento da autora), do jeitinho que eu gosto.

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Todos Nós Adorávamos Caubóis (Carol Bensimon)

Então que lá em 2012  saiu aquela Granta com os jovens autores brasileiros e no Meia Palavra fizemos uma série de posts onde dois membros da equipe comentavam sobre as impressões que tiveram de um dos contos da coletânea. Por coincidência, dois dos que mais me empolgaram na época não eram exatamente contos, mas trechos de romances ainda não publicados: Apneia, que saiu pela Companhia das Letras como o ótimo Barba Ensopada de Sangue do Daniel Galera e Faíscas, que saiu ano passado também pela Companhia como Todos Adorávamos Caubóis, da Carol Bensimon. Em comum, duas coisas: apesar da brevidade (contos, lembra?) prendiam a atenção do começo ao fim, ao ponto de realmente despertar curiosidade sobre o que viria a seguir (e quando os romances seriam publicados).

Faíscas, se eu não me engano, é exatamente o primeiro capítulo de Todos Nós Adorávamos Caubóis, ou seja, a introdução para a história de Cora e Julia. Na época ficava claro um desentendimento no passado, provavelmente relacionado à viagem de uma delas, bem como o fato de que aquela viagem de carro pelo interior do Rio Grande do Sul surgia para Cora (narradora e protagonista) como uma oportunidade de reatar antigos laços. E no final das contas o romance durante os outros capítulos se desenvolve exatamente assim: a viagem de Cora e Julia, os estranhamentos sobre os tempos em que passaram distantes, as explosões de frases não-ditas presas na garganta, a intimidade compartilhada – tudo isso com um tempero de bons road movies norte-americanos.

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It’s Kind of a Funny Story (Ned Vizzini)

Eu sei que isso parece meio estranho (ainda mais considerando o que eu escrevi sobre O Oceano no Fim do Caminho de Neil Gaiman), mas costumo separar a vida do escritor de sua obra. Não gosto de ficar procurando detalhes na biografia que justifiquem esta ou aquela passagem da história, até porque aprendi cedo com Tio Wilde a lição de que isto pode ser uma arapuca: muitos e muitos leitores de O Retrato de Dorian Gray costumam ver em Gray a figura do ex-amante de Wilde, Sir Alfred Douglas. A tentação de estabelecer a relação é grande demais, porque há muito ali no romance que bate com a história dos dois – Wilde se desdobraria em Basil (o artista apaixonado por seu modelo) e Lord Henry (o homem mais velho e experiente). Tudo muito bonito só que… O Retrato de Dorian Gray foi originalmente publicado em 1890, e Wilde só conheceria Bosie um ano depois. Pronto, morreu teoria.

Mas aí temos casos como It’s Kind of a Funny Story de Ned Vizzini, e aí é simplesmente impossível escapar da relação vida e obra, até porque o próprio Vizzini passou alguns dias internado em uma ala psiquiátrica para tratar da depressão, tal como seu protagonista. Pior: no fim do ano passado o autor (então com 32 anos) se suicidou, deixando mulher e filho. “Um sujeito de sucesso, com pessoas que o amam e outras que dependem dele, como assim pode tirar a própria vida?”, alguns podem pensar. Outros já chegam com a resposta pronta “É coisa de covarde”. Falta talvez o exercício de empatia, de se colocar no lugar do outro para tentar compreender, o que a Literatura acaba ajudando a fazer. Assim, com It’s Kind of a Funny Story o efeito de vida do autor misturada com a obra foi bastante perturbador: ver a depressão com os olhos de quem sofreu desse mal chega a ser doloroso, especialmente se você tem conhecidos que fazem tratamento para tal.

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Para organizar (Ou: listão de livros)

E aí que falei da preguiça de atualizar, mas a verdade é que estava ficando meio incomodada com a falta de comentários sobre o que li em dezembro e agora no começo de janeiro. Não, não é que eu ache que o mundo precise saber minha opinião sobre tudo o que eu leio, eu é que tenho o péssimo hábito de esquecer minhas impressões sobre determinado livro após alguns anos, e gosto de ter algo registrado para consultar. A solução número um seria partir para o giffy review, mas a verdade é que dá muito trabalho e nem sempre uma imagem basta. Então vamos para o listão mesmo, com alguns breves comentários. Começando com:

Sílvia (Gerard de Nerval): Se você leu Seis Passeios Pelos Bosques da Ficção do Umberto Eco é impossível que você não tenha ficado curioso sobre este livro. Eco fala tanto, mas tanto (e tão bem), que você logo coloca o título na infinita lista dos livros para ler. No meu caso, ficou na tal da lista pro quase oito anos, quando ao saber do tamanhico dele concluí que seria muita falta de vergonha na cara continuar sem ler. Ok, o problema número um é que já nem lembrava mais exatamente o que o Eco falou sobre o livro, há! De qualquer modo, valeu a pena, é bem interessante. de Nerval faz com que as lembranças do narrador sejam escritas quase como alguém que de fato está perdido em memórias. Sabe quando você vai contar uma história para um amigo, aí coloca um evento anterior, então volta para a história, depois avança e por aí vai? Então. Única coisa é que o narrador é tão sem noção sobre como se relacionar com uma mulher que em alguns momentos você tem vontade de dar uns tapas nele (do tipo, dizer para a menina que está com você que outra ali na festa é mais bonita, tipo, quem faz isso meu deus?). Saiu recentemente pela Rocco na coleção Novelas Imortais, tem uma capa bem bacaninha e sério, é muito curto, não tem desculpa para não conhecer.

The Unbecoming of Mara Dyer (Michelle Hodkin): Avisando desde já: este livro já saiu no Brasil pela Galera Record, como A desconstrução de Mara Dyer. Eu estava vendo bastante comentário sobre este young adult, e como fazia algum tempo que eu não ia para o lado dos que têm uma pegada sobrenatural (cofcof) resolvi conferir, até porque a premissa é interessante: uma adolescente é a única sobrevivente de um desabamento mas não tem qualquer memória sobre a noite do desabamento em si. O negócio é que a menina começa a ver os fantasmas dos amigos que também estavam no local do desabamento, e a autora dá um jeito de nos colocar em dúvida constante sobre se o que está acontecendo mesmo é real ou é piração da Mara Dyer (justificada por um stress pós-traumático). E olha, até que a Hodkin manda bem nisso, embora tenha um vício quase irritante de fechar capítulos com ganchos (alguns ganchos forçados). E tem lá o parzinho romântico da protagonista, que é tipo o Chuck Bass (e eu sei que quase nem falo disso aqui por motivos óbvios, mas vi todas as temporadas de Gossip Girl só por causa do Chuck Bass). Negócio é que aos poucos a trama vai ficando meio estranha, até que chega o segundo livro.

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