Escrever um livro, ter um filho, plantar uma árvore

Foto do Ashikaga Flower Park no Japão, um lugar que eu espero ter visitado com minha vó em alguma outra linha do tempo.

Uma das últimas conversas que tive com minha avó foi no último aniversário que comemoramos na casa dela. Ela falou da vez que achou que minha mãe (ainda bebê) não estava conseguindo respirar e chamaram uma ambulância -e como com todas as histórias da minha vó, do que parece uma história simples do nada o caos se instala e você tem ambulância presa na lama, meu vô sem entender o que estava acontecendo e minha mãe dando um punzinho aliviada quando o socorrista abre os cueiros que estavam muito apertados. Achei engraçado que o que eu considerava um traço da minha ansiedade (checar no meio da noite se o bebê saudável estava respirando) aparentemente é um momento meio universal da experiência da primeira vez como mãe.

A outra coisa que falamos foi sobre a glicínia no quintal dela, que naquele momento já tinha escapado do controle e dominava todo o muro, subindo em galho de árvore, caindo para o lado da casa do vizinho. Descobrimos que compartilhávamos a flor favorita.

Um pouco depois a vó morreu. Sempre que converso com meus parentes sobre isso fico na dúvida se eles realmente entendem o que quero dizer, mas quando retorno para aquele dezembro, penso aliviada que pelo menos foi antes do COVID. A vó tinha problemas pulmonares, teria sido um inferno para ela. Teria sido um inferno para nós também não poder se despedir.

Passam os anos, estava treinando minha prima para uma entrevista em inglês e começamos a conversar sobre a vó. A vó sempre foi uma fonte inesgotável de histórias, mesmo depois daquele dezembro, volta e meia aparece algo novo e sempre que o relato acaba quem está ouvindo diz com carinho “é bem coisa dela mesmo”. É bater a colherinha na xícara do café (sempre adoçado no bule), assobiar andando com as mãos para trás, é tirar uma risada no fim das histórias mais cabeludas. “É bem coisa dela mesmo”.

Enfim, nessa conversa minha prima contou sobre algo que eu não sabia. Um dia a vó chegou com uma muda de pinheiro em casa. Ela já tinha um pinheiro enorme no quintal (que eu, meus irmãos e primos mais velhos vimos em uma versão que ainda dava para colocar luzes no natal, mas que depois subiu, subiu e nem parecia mais a árvore da nossa infância) e o tal do pinheiro já dava muita dor de cabeça com os galhos que caíam no telhado em dias de temporal. Minha tia e primos que moravam com minha avó foram incisivos: de jeito nenhum, não dá para plantar outro pinheiro.

Pois ela pegou o ex-marido de uma tia e foi procurar um outro lugar para plantar a árvore. Plantou em uma dessas ilhazinhas onde uma rua se divide em duas (eu obviamente não direi onde é, porque a internet sendo internet, né). Eu ouvi a história e bem, você sabe, “É bem coisa dela mesmo”. Uns dias depois por coincidência passei no local. O pinheiro realmente está lá. E é uma árvore, mas é meio como se minha vó estivesse ali.

E se estou escrevendo aqui é porque hoje é meu aniversário e estava pensando não só em termos de passagem de tempo, mas também de permanências. E tem aquela máxima sobre ter que “escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore” e hoje eu entendo que é toda uma forma de se manter vivo quando você não está mais, não é mesmo? Minha vó está por aqui nos filhos, netos e bisnetos, nas histórias novas que ainda aparecem no meio de conversas e também em uma glicínia fora de controle e um pinheiro, numa ilhazinha entre duas ruas.

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