Melhores Leituras de 2024

Já começo dizendo que vou aproveitar o post das Melhores Leituras de 2024 (que no fim das contas é meu jeito de registrar as leituras favoritas do ano para ter um link fácil à mão para quando me perguntam “e aí, o que você tem lido de bom?“) para deixar a sugestão do aplicativo Bookmory.

Já tem algum tempo que falo dele em redes sociais, mas acho que o que eu não costumo ressaltar como ponto positivo é justamente o fato de NÃO SER uma rede social de livros, o que é ótimo. Eu gosto de redes sociais, eu uso redes sociais e acho que tem muito de positivo na existência delas para criarmos espaços para falar sobre livros, mas eu sinto também que falta um pouco o momento pessoal, algo para além das opiniões de terceiros.

Porque com o passar dos anos mesmo quando você se sente profundamente consciente das suas escolhas, ainda assim parece que há sempre uma nota de performance no que a gente divulga em rede social, não? Eu já me peguei escolhendo livro para ler porque tinha muita gente falando dele e queria conferir mais pelo FOMO do que qualquer outra coisa – mesmo sabendo que ele não tinha muito o perfil de livro que eu gosto. Isso para não falar dos doidos que leem livros que obviamente não vão gostar só para fazer vídeo/post/sinal de fumaça na linha “eu li livro x para que você não tenha que ler”.

Além disso, tome por exemplo também as famosas metas de leitura. Eu tenho meta de leitura acho que desde 2016. Eu gosto, mas para mim sempre foi algo lúdico, não um compromisso sério. Aí agora no final do ano no topo do Goodreads1 tinha um link para uma lista de livros curtos para quem queria bater a meta de leitura. Aí eu te pergunto: onde fica a diversão?

Adianta ficarmos apavorados com os dados da Retratos de Leitura de 2024 se seguimos impondo uma natureza de obrigação para a leitura? Ou ainda, essa ideia de que leitura tem que ser mais do que por prazer, tem que sei lá, ser edificante, moralizante, ou qualquer outro -ante. Que a leitura tem que vir com conteúdo para te preparar para o mercado de trabalho, para ser uma boa pessoa, para ser alguém de sucesso?

Eu me pergunto de verdade se a gente espera de um filme da Marvel ou de uma série da Netflix a mesma coisa. E eu não estou diminuindo filmes da Marvel e séries da Netflix, eu estou dizendo que algumas vezes está ok só se divertir com arte, e com a leitura isso também funciona. Especialmente se você não é professor de literatura nem trabalha no mercado editorial ou com jornalismo cultural e portanto leitura nenhuma é obrigatória para você.

Enfim, vai lá amiguinho, descobre o que te faz feliz e se divirta. Por exemplo, eu abracei de vez o gênero mina branca triste, é minha praia e quando vejo um lançamento que segue nessa linha, vou sem medo de ser feliz. Até quebro a cara como no caso do Gold Rush, por outro lado passei boas horas com Piglet, Adelaide, As Irmãs Blue, As Young As This, What’s Like in Words, que só não entraram no top10 porque bem, é top10, não top15 ¯\_(ツ)_/¯.  Vamos para a lista então? Fora de ordem porque como sempre digo, já é difícil selecionar só dez.

Wellness (Nathan Hill): O mais famoso do autor é The Nix – que eu ainda não li, e se em algum momento eu tive alguma curiosidade é porque meu apelido já foi Nix. Mas Wellness estava aparecendo aqui e acolá em listas gringas de 2023, eu fui deixando para depois e quando li me arrependi de ter me enrolado, o livro é ótimo desde o começo. Eu gosto que tem algo nele falando sobre nossa relação com redes sociais (de novo), mas não é uma proposta de fazer “crítica social foda”, é só um recorte para completar o quadro todo da vida de um casal que já não é mais jovem. E aí tem toda aquela questão agridoce de não ser quem você sonhava que seria e o que acontece quando você sonhou junto com outra pessoa. Enfim, vale a pena demais (não ganhou tradução por aqui ainda, mas como a Intrínseca que lançou The Nix, de repente sai com eles).

 Três Camadas de Noite (Vanessa Barbara): Eu fiquei tão feliz quando vi que tinha livro novo da Vanessa Barbara saindo, ainda mais quando vi qual era o tema. Desde que tinha lido uma crônica dela para o Itaú Cultural eu ficava pensando como é que tinha editora comendo bola e não encomendando um livro de crônicas sobre a maternidade, porque se tem uma pessoa que conseguiria captar o que é a insanidade daqueles primeiros anos eu tenho certeza que seria ela. Três Camadas de Noite é um romance, mas tem lá a voz que a gente já conhece dela nas crônicas, aquela coisa de conseguir captar humor até quando a situação é completamente absurda. E se você considerar que tem parte do período de pandemia, imagine o quão absurdo pode ser a situação de uma mãe nova. Eu meio que engatei com a leitura de Liars da Sarah Manguso, e são cenários completamente diferentes para os primeiros anos da maternidade, mas salta aos olhos o custo que esses primeiros anos para a mulher que trabalha criativamente. É algo que há tempos tento explicar, desde os rabanetes da Lydia Davis, mas que a Vanessa Barbara consegue colocar tão bem nas páginas de Três Camadas de Noite – e gente, sei que parece uma leitura pesada, mas não é. Eu gargalhei alto em alguns trechos. Saiu pela Editora Fósforo.

Good Material (Dolly Alderton): Saiu aqui no Brasil pela Intrínseca como Amar é Assim, tradução de Sofia Soter. Eu vou falar isso como um elogio, ler Good Material me lembrou do Nick Hornby do Antigo Testamento. O Andy tem aquele senso de humor autodepreciativo que com o tempo te conquista, mesmo você sabendo que ele só toma decisão ruim e vá lá, é um babaca. O livro vem cheio de situações engraçadas (sempre que vou pesquisar uma palavra num chat de whatsapp eu lembro do momento quando o protagonista achou que estava pesquisando por “cock” no chat dele com a ex e acabou enviando a palavra “cock” para ela) e eu gostei demais da solução encontrada para o desfecho da história. Enfim, bem divertido, entre as comédias românticas que li em 2024 foi uma das que mais faziam justiça ao termo (o que está acontecendo com as comédias românticas que deixaram de ser engraçadas, né?).

The Ministry of Time (Kaliane Bradley): Saiu pela Rocco no Brasil como O Ministério do Tempo, com tradução de Ulisses Teixeira. Eu fiquei completamente apaixonada por esse livro e pelo Graham Gore. A premissa é meio doida e inicialmente era uma fanfic que a autora escrevia para mandar para os amigos durante a pandemia: o governo britânico consegue o controle de uma porta que permite viajar no tempo, e começam a fazer um experimento trazendo pessoas de outras épocas para viver no que na história seria um futuro próximo do nosso tempo. Para que as pessoas vindas de outras épocas se acostumassem com a nova realidade, o governo atribuía para cada “expatriado” (temporal) uma “ponte”, responsável por explicar os tempos modernos. E eu sei que isso por si só já rende muita coisa, mas eu gosto do que fica um pouco mais como um subtexto tratando sobre o colonialismo e identidade dos filhos de imigrantes. Derrapa lá no final (derrapa meeeesmo, foi bem corrido e meio com cara de “putz, tem que terminar, né?”), mas o of course I loved you me pegou, então continua aqui na lista.

Margo’s Got Money Troubles (Rufi Thorpe): Eu não sabia muito bem o que esperar do livro, e foi uma ótima surpresa, daqueles casos raros que capturam meu interesse já no parágrafo inicial. Margo é uma jovem filha de uma garçonete do Hooters com um ex-lutador profissional (que é uma figura e uma das melhores personagens do livro). Ela tem 19 anos quando descobre que está grávida de um professor e decide manter o bebê. Tão logo ela percebe que será bem difícil criar o filho sem a ajuda do pai, surge uma oportunidade de criar uma conta no OnlyFans e a partir daí começa a rodar a história. O mais interessante do livro é o jogo que ela faz ao narrar. A Margo é autora-personagem do livro que lemos e aparece como narradora-personagem na maior parte do tempo, mas quando passa por situações dolorosas ou complicadas, muda para a terceira pessoa. É engraçado e doce e espero de verdade que ganhe logo uma tradução aqui no Brasil.

Intermezzo (Sally Rooney): Eu quase deixei o Intermezzo de fora para colocar outra mina branca triste na lista, mas eu li em setembro e ele ainda tem dado uns cutucões na minha cabeça vez ou outra, e eu gosto demais de histórias que permanecem com a gente mesmo depois de acabada a leitura. O que Intermezzo tem de melhor é também o que ele tem de mais difícil: os capítulos do Peter seguem num fluxo de consciência alucinado, parece que sempre que acabava dava para dar um suspiro de alívio, quase como se você estivesse prendendo a respiração o tempo todo. Eu sei que ao terminar parece que a Rooney meio que dá de ombros e diz “Luto, heim? Pessoal fica doido.”, mas o trabalho que ela faz da análise dos dois irmãos naquele recorte de tempo é bom demais. Tem lá o humor involuntário causado pela forma como ela retrata pessoas de 30 anos, mas aí já é mais uma coisa de que eu sei que a própria Rooney quando chegar aos 40 vai achar graça também (do mesmo jeito que você relê algo escrito quando tinha 20 anos e achava que estava sendo super madura, mas aí percebe que não era bem assim). O livro saiu como Intermezzo pela Companhia das Letras com tradução de Débora Landsberg e uma capa mais bonita que a gringa (por isso foi a que eu escolhi para colocar aqui no post).

Januaries (Olivie Blake): Eu sou muito fã da Olivie Blake desde que li o Nós Dois Sozinhos no Éter, o que deve dar para perceber se considerar o fato de que é o terceiro ano seguido que ela aparece no meu top10 de Melhores Leituras. Januaries é uma coletânea de contos (o subtítulo é “Histórias de Amor, Magia e Traição“) e tem um tom parecido com o Masters of Death, aquela fantasia com senso de humor e pitadas de… gótico? Acho que isso. Eu gostei de todos os contos, ela tem uma mão ótima para narrativa curta. Tem história de vampiro, de casal que fica se matando (literalmente), tem um maravilhoso chamado Monsterlove que conversa tão bem com o documentário Witches que eu queria até traduzir e mandar para algumas amigas que viram o filme e também gostaram. Enfim, eu acho que teve só um que não gostei muito, e isso porque eu achei que poderia ser mais curto. Então o veredito final é que é uma ótima porta de entrada para quem ainda não conhece a Olivie Blake. Não tem tradução no Brasil, mas a Intrínseca lançou o Nós Dóis… e A Sociedade Atlas, então de repente logo dá as caras por aqui.

The Wedding People (Alison Espach): Esse é o típico caso de leitura de dezembro que fez com que eu começasse a fechar minhas listas em janeiro. Não tem jeito, sempre tem um que aparece aos 45 do segundo tempo e acaba me conquistando. O livro saiu no final de julho e eu enrolei bastante para ler porque sempre que começava, a leitura não engatava, a Phoebe não saía do saguão do hotel em que foi para se matar. Agora em dezembro desengatou – talvez porque finalmente captei o tom da história, que apesar de ter momentos bem pesados (a começar a tentativa de suicídio da protagonista), ainda assim consegue seguir com uma doçura que prende o leitor. É também engraçado e mesmo que em alguns pontos seja meio previsível, ainda assim é daquelas histórias que você fica triste quando acaba, porque as personagens são tão legais (e falo isso no sentido de desenvolvimento, não de serem “boas”) que você quer acompanhá-las por outros tantos capítulos (é o tipo de coisa que acabou gerando 9 temporadas de How I Met Your Mother, de onde a gente concluiu que é sempre bom que as coisas acabem, né). O livro saiu aqui no Brasil pela Tag Inéditos como “Como Arruinar um Casamento“, mas não consegui achar informação sobre quem traduziu. Em algum canto da internet vi que a HarperCollins Brasil prometeu a tradução para esse ano por aqui.

All Fours (Miranda July): Tá aí uma escritora que sempre vem em mente quando penso em “voz do autor”, no sentido de conjunto de características próprias de quem escreve. All Fours é o primeiro romance da July depois de quase dez anos (quando publicou O Primeiro Homem Mau) e eu mal comecei a ler e a familiaridade com o estilo foi sentida. Assim: se eu pegasse o livro sem capa, eu leria o começo e diria “É da Miranda July, né?”. Não é como se eu lesse uma continuação, mas é um livro que é todo ela, seja pela premissa meio absurda (a mulher diz para o marido que vai visitar uma amiga em Nova York e que quer fazer a viagem de carro, acaba ficando em um motel perto de onde mora, reforma todo o quarto e tem um relacionamento com um homem mais novo, marido da decoradora do quarto) seja pela nota ácida e afiada para questões que em teoria deveriam ser banais, mas tratamos como tabu (como o caso da menopausa e do relacionamento aberto). Do que entendi ele tem um pouco de autobiográfico (espero que não pela cena do absorvente interno), mas isso no fim das contas é completamente irrelevante, a história vale como um todo, não pela fofoca. Saiu pelo selo Amacord da Record como De Quatro, com tradução de Bruna Beber.

Second Self (Chloë Ashby): Ganhei do Loveless de amigo secreto da Valinor – a melhor tradição de fim de ano do fórum, diga-se de passagem. É engraçado que minha lista passou por várias vezes no tema da maternidade, que também é o caso de Second Self, com a diferença aqui que o livro é mais sobre o peso da escolha para a mulher. De como a sociedade espera que a partir dos 30 uma mulher já tenha pelo menos um filho, e de como parece absurdo para as pessoas que alguém não veja nisso o equivalente de felicidade (e aí acham absolutamente normal meter o bedelho nas escolhas de uma mulher). Por outro lado, de como o relógio biológico empurra a mulher a tomar uma decisão que talvez ela nem queira tomar – a história do “depois vai ficar tarde”. Eu não sei muito bem como me sinto sobre o desfecho da história (de certa forma esse livro conversa um tanto com outro que li esse ano, As Young As This, mas a protagonista toma uma decisão diferente no fim), porque a figura do homem está sempre ali, e quase dá para entender que ela toma a decisão mais baseada na vontade do parceiro do que na própria vontade. De qualquer forma faz uma ótima reflexão de um tema que normalmente é contaminado pela ideia de que por decidir não ter filho a pessoa tem que necessariamente odiar crianças. E, principalmente, de como o peso dessa decisão é bem diferente para a mulher se comparado ao homem. Ainda sem tradução no Brasil.

***

Então é isso, mais uma lista encerrada. Eu devo voltar ainda esse mês para comentar a coletânea de contos Jardinagem da Anielly Sampaio Clarindo 🙂


  1. não me escapa a ironia de que falei um monte e no fim todos os links do post são para o Goodreads, talvez eu devesse ser menos preguiçosa e passar a linkar as editoras, não sei.  No fim vira tudo link quebrado mesmo

2 comentários em “Melhores Leituras de 2024”

  1. Oiii, descobri seu blog há uns meses quando pesquisava sobre “a História Secreta” e fiquei impressionado pelos tantos anos que você vem postando aqui. As vezes me pego lendo seus posts da década de 2000 e sinto saudade de coisas que não vivi por ter nascido em 1998. Sei lá, só parabéns acho muito maneiro que você pode abrir um post de 2004 e “voltar” pros seus 23 anos, relembrar seu modo de pensar e ler como foi o resumo de um dia aleatório de dezembro.

    1. Oi Rodrigo! Obrigada 😀 É sempre legal saber que ainda tem alguém lendo o blog, a sensação que dá – principalmente com os posts mais velhos – é que lancei um monte de garrafa com mensagens ao mar e aos poucos elas vão chegando nas pessoas.

      (eu morro de vergonha dos meus posts do início dos 2000, hahahahahah)

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