Os melhores filmes de 2020

Mais de uma vez em 2020 eu pensei: “Putz, que saudades de ir ao cinema.”. E tenho saudades mesmo. Mas dia desses me dei conta que não é mais um dos problemas gerados pelo covid: o cinema do qual sinto falta não existe há anos, pelo menos aqui em Curitiba.

Se você quer qualquer coisa fora do universo cinemático da Marvel (e sem reclamações, eu gosto dos filmes da Marvel, mas também gosto de outros filmes), já precisa se contentar com poucas salas e poucas opções de horário. Aí tem o problema do número de salas com áudio original. E quando as estrelas se alinham e você finalmente consegue uma sala no horário que poderia ir, com áudio original (e sem 3D), ainda tem que lidar com os malas que foram ao cinema para, sei lá, ficar olhando para a tela do celular. Enfim. Eu poderia botar essa na conta do covid, mas não vou.

Também não vou fazer o jogo do contente porque não tem lado bom para uma pandemia que nesse momento se aproxima da casa dos 200.000 mortos só aqui no Brasil. Mas observando as coisas como são (ou ainda, como foram), chamou minha atenção que o número menor de lançamentos nos cinemas acabou com um certo tipo de angústia de estar em dia, aquela coisa de “tenho que ver o que é essa coisa que tá todo mundo comentando”. É uma angústia besta, mas se você também deu uma respirada aliviada porque não teve que ver tooooodos os filmes, deve entender do que estou falando. E aí sobra mais tempo para outras coisas, para ver aqueles que há tempos queria, mas nunca tinha assistido – e alguns foram tão legais que dá até vontade de fazer uma lista fora das regras das listas aqui.

Revi Entrevista com o Vampiro, Da Magia a Sedução (melhor filme de bruxa) e Monty Python em Busca do Cálice Sagrado, finalmente vi Perfect Blue, A Época da Inocência, The Philadelphia Story, O Serviço de Entregas da Kiki (a coisa mais fofa e mais feel good que assisti nesse ano lazarento), Paris When it Sizzles, Dente Canino. Deu para ver uma penca de comédia romântica, incluindo uns com a Sandra Bullock do começo do século que eu acabei perdendo. Assisti dois Guy Ritchies no mesmo ano, caraca. Enfim, a última vez que vi tanto filme eu ainda não tinha filhos, não trabalhava e morava com minha mãe.

E dos mais recentes, não faltou coisa nova para ver, só faltou os mega-super-filmes-do-ano, que resolveram segurar para ver qual é. Eu ainda estou curiosíssima sobre Promising Young Woman e The Green Knight. O primeiro parece que saiu da gaveta lá fora (andou ganhando um monte de prêmios), o segundo continua engavetado, de repente em 2021 ele aparece. Nem que seja direto em serviços de streaming, como aconteceu agora no fim do ano com o Wonder Woman 1984.

Então é isso. Só para referência, ficam as listas dos outros anos: 2004| 2005| 2006| 2007| 2008| 2009| 2010| 2013| 2014| 2015| 2016| 2017| 2018| 2019| Fechando naquelas regras de sempre, lançamento nacional (streaming, cinemas, etc.) e qualquer outra chunchada aleatória para servir na lista, o top10 do ano na minha opinião ficou assim:

1 Retrato de uma Jovem em Chamas (Portrait of a Lady on Fire) : É um daqueles filmes que eu senti falta de não ter visto na tela do cinema, porque é maravilhoso. Algumas cenas parecem quadros – e é óbvio que isso é proposital, dado o enredo. É como se estivéssemos observando a história com os olhos de Marianne. E que linda a relação que se estabelece entre as duas a partir da arte, com a explicação de Marianne sobre a música, já tão forte naquele momento, mas que aí fica ainda mais emocionante quando vemos Héloïse e emocionando ao ouvi-la pela primeira vez. Para ser sincera, mexeu muito mais comigo do que quando Marianne percebe o número da página que aparece no retrato mais recente de Héloïse.

When you’re observing me, who do you think I’m observing?

2 Palm Springs (idem): Se tem um filme que representa bem 2020, pelo menos a ideia de quarentena e dia após dia após dia quando você já nem sabe se é março ou se é novembro, tá aí Palm Springs. E embora a comparação com Feitiço do Tempo seja inescapável, que seja para constatar algo positivo: mesmo que a fórmula não seja exatamente nova, ela funcionou bem demais. Especialmente por causa do casal protagonista, que não tem nada de muito fofo e mesmo assim conseguem chegar ao desfecho mais fofo das comédias românticas de 2020. Divertidíssimo, é daqueles que eu vejo o pôster e penso “Nhoooum, foi bom ficar bem por pelo menos uma hora e meia.”

“At least you have each other. Nothing is worse than going through this shit alone.”

3 Adoráveis Mulheres (Little Women): Já tinha falado um pouco dele aqui no blog no começo do ano, para comentar a questão das indicações para diretoras.  Eu ainda vejo algumas cenas do filme aqui e acolá e dá aquele quentinho no coração por viver em um momento em que projetos como esse sejam possíveis (e acessíveis). E ainda lembro do que a Gerwig fez com a Amy, que na memória que tinha do filme da década de 901 era detestável, mas que virou uma das minhas personagens favoritas na história. Enfim, é raro que eu continue gostando dos “filmes do Oscar” do mesmo jeito quando chega no fim do ano, mas Adoráveis Mulheres ainda ficou entre os meus favoritos de 2020.

“Women, they have minds, and they have souls, as well as just hearts. And they’ve got ambition, and they’ve got talent, as well as just beauty. I’m so sick of people saying that love is just all a woman is fit for.”

4 Os 7 de Chicago (The Trial of the Chicago 7): Eu tenho um fraco por filmes de outros momentos da nossa história que funcionam como um alerta para situações que estamos vivendo nos dias atuais. O desfecho de Infiltrado na Klan 2, por exemplo, me parte o coração porque fica óbvio que nada muda, a gente repete erros, parece estar evoluindo, mas não estamos. O mesmo acontece com Os 7 de Chicago. O palco pode ser outro, as personagens também, mas a história continua essencialmente a mesma. As atuações são ótimas, destaque óbvio é o Sacha Baron Cohen que teve um ano muito, muito bom (e tem todo o meu apoio na luta que assumiu contra o Facebook, vale dizer), quase coloquei o segundo Borat aqui na lista, hahaha.

“Give you me a moment, would you, friend? I’ve never been on trial for my thoughts before.”

5 Emma. (idem): Eu vivo dizendo que não sou muito fã de Jane Austen, mas talvez eu goste de Jane Austen? Talvez devesse ler mais livros dela? Pensei bastante nisso depois de terminar Emma. Embora eu tenha que ser honesta aqui e dizer que sim, a comédia é ótima, mas o ponto alto do filme é mesmo o visual. É um negócio absurdo de lindo (mais um para a conta do “eu gostaria de ter assistido no cinema”), eu ainda acho que tenho que rever o filme, porque algumas cenas eu estava tão embasbacada que mal prestava atenção no que as personagens falavam. Adorei a interpretação da Emma da Anya Taylor-Joy, estou pensando até em enfrentar Os Novos Mutantes só por causa dela.

“I lay it down as a general rule, Harriet, that if a woman doubts whether she should accept a man or not, she certainly ought to refuse him.”

6 Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (Never Rarely Sometimes Always): Foram dois filmes esse ano em que o enredo era basicamente o mesmo: uma adolescente fica grávida e por causa das dificuldades impostas por leis, acabam precisando de ajuda de uma amiga para viajar para outra cidade para abortar. O primeiro é Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre. O segundo é Unpreagnant. E embora o tema seja igual, é incrível como conseguem falar da mesma coisa de forma tão diferente. Unpreagnant é engraçado, parte até para uma cena de perseguição absurda envolvendo um casal contra aborto. Já Nunca, Raramente, às Vezes, Sempre é em sua maior parte melancólico (e de uma tristeza enorme quando você finalmente chega na cena que explica o título do filme). Tem algo de nostálgico na noite que as meninas passam na cidade, aquela coisa de estar livre e ao mesmo tempo ainda não. Enfim, eu recomendo os dois, mas Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre é o que vai ficar para mim, mesmo depois de alguns anos.

“Whatever your decision is is totally fine, as long as it’s yours.”

7 Shirley (idem): Tem algum tempo que a Elisabeth Moss está na lista de “se está nos créditos, eu vou querer conferir”. Esse ano ela apareceu também no ótimo O Homem Invisível (tenso pra caramba), mas é em Shirley que ela realmente brilhou. Baseado em um livro de mesmo nome, Shirley transforma a vida da escritora Shirley Jackson em um suspense, misturando realidade (o desaparecimento que serviu como inspiração para  Hangsaman de fato ocorreu) com ficção. No filme, Shirley e o marido Stanley Hyman recebem em casa um aluno de Hyman e a esposa, e passam a influenciar a vida dos dois. Talvez a maior tensão esteja justamente nessa influência, é quase como se estivessem esticando uma corda até o ponto de rompê-la.

 “Let’s pray for a boy. The world is too cruel to girls.”

8 How to Build a Girl (idem): Eu adorei o livro da Caitlin Moran, então claro que estava ansiosíssima para assistir a adaptação. Como sempre, a troca de mídias tem lá suas diferenças, pontos fracos, pontos fortes e yadda yadda yadda, mas no geral o filme consegue repetir a essência do livro. A Beanie Feldstein está perfeita como Johanna, não só naqueles olhos arregalados maravilhados com todo o mundo novo que está conhecendo, mas também na  hora da decepção com esse mundo. Adorei o John Kite do filme e se senti falta de algo foi só da relação da Johanna com o irmão, que nesse formato ficou bem mais superficial. Funciona como história única, mas eu ficaria super feliz se o elenco voltasse para um How To Be Famous.

“So, what do you do when you’ve built yourself, only to realize you’ve built yourself with the wrong things? You rip it up and start again. Build it up and tear it down. Endlessly, repetitively, unceasingly. Invent, invent, invent. What will eventually be you? One day, you’ll marvel over what you did. Marvel over how you tried to keep the loud, drunken, laughing, cutting, panicking, unbearably present secret of yourself – when really you were just about as secret as the moon. And as luminous under all those clothes. And how, like all the best quests, you did it all for a girl. You.”

9 O Que Ficou Para Trás (His House): His House me pegou meio de surpresa, não sabia nada sobre o filme quando resolvi assistir. E é uma baita história de terror – para alguns fãs do gênero, pode parecer que só a uma porção é realmente de terror, mas eu acho que na outra porção da história o terror se transforma, salta do sobrenatural para a realidade. Um casal de refugiados do Sudão do Sul vai viver em uma casa cedida pelo governo inglês. Há toda uma estranheza desde o início, mas é quando começam a aparecer coisas nas paredes da casa que começa o medo. Como disse, é como se o filme se dividisse em dois – uma com o que parecem ser demônios, outra mais sobre o casal lidando com os próprios demônios, sobre o que faz alguém considerar sair de sua terra para viver em outro lugar.

“Your ghosts follow you. They never leave. They live with you. It’s when I let them in, I could start to face myself.”

10 A Vida Extraordinária de David Copperfield (The Personal History of David Copperfield): Sei que o que mais se destaca sobre A Vida Extraordinária de David Copperfield é o elenco. Primeiro porque é cheio de gente maravilhosa tipo o Dev Patel e a Tilda Swinton e segundo porque, ao contrário do que se esperaria de uma adaptação de um clássico inglês, o elenco não é predominantemente branco. Mas mais além, adorei como foi montado o filme, como uma história dentro da história, como se Copperfield nos contasse a narrativa que ele estava escrevendo, a realidade da história se misturando com a ficção de Copperfield mesmo no visual. É uma delícia de filme e tem algumas cenas lindas que combinam exatamente com esse tom predominante de sonho.

“Don’t worry. You’ll make it through. And you’ll have quite the ride on the way.”

E pronto. Vou fechar porque já tirei e coloquei tanta coisa que estou achando que não vou conseguir terminar esse top10. A lista completa dos filmes que vi em 2020 está no Letterboxd (em 15 anos não existirá mais Letterboxd e me arrependerei de ter deixado só link, mas fica tão bonitinho e organizado lá, sabe?).

Volto logo mais com a lista das leituras de 2020.


  1. pois é, ainda não li o livro 

  2. que não entrou na minha lista de favoritos do ano por causa das minhas regas bobas, mas é um dos favoritos da década passada 

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