É provável que com a série Deuses Americanos novos leitores acabem chegando até Neil Gaiman por um caminho diferente daqueles da década de 90, que o conheceram por Sandman. Mas a porta de entrada pode ser diferente, só que uma coisa não muda: em ambos os casos fica nítido o talento de Gaiman para manipular mitologias e a partir delas criar novas histórias.
Óbvio que para tal o escritor precisa de uma excelente bagagem sobre antigas lendas de várias culturas. E com Mitologia Nórdica podemos dar uma espiada no universo de mitos e lendas favoritos de Gaiman – isso nas palavras do autor no prefácio, vale ressaltar. E você percebe essa predileção pelo modo como ele reconta as histórias de Thor, Odin, Loki e os demais deuses, porque a voz que domina o livro não é a de um especialista, mas de uma pessoa encantada.
E isso faz toda a diferença, porque o que poderia ser carregado pela frieza de um verbete de enciclopédia se transforma em história viva, até com algumas marcas de oralidade que, na minha opinião, são os momento em que podemos “ouvir” Gaiman como o autor que conhecemos de outras publicações. São breves comentários, intromissões (alguns bem engraçados, aliás). E temos uma nota disso ainda no prefácio, quando Gaiman diz:
Essa é a graça dos mitos. A diversão vem de contá-los você mesmo, algo que o encorajo veementemente a fazer, leitor. Leia as histórias desse livro, depois se aproprie delas e, em uma noite gelada de inverno – ou em uma noite de verão em que parece que o sol não vai se pôr nunca -, conte a seus amigos o que aconteceu quando o martelo de Thor foi roubado, ou como Odin obteve o hidromel da poesia para os deuses…
Adoro que Gaiman tenha dito “se apropriar”, porque é exatamente o que ele faz em seus trabalhos anteriores. Falando das duas obras que citei inicialmente, temos dois momentos que parecem entregar qual é a personagem favorita do autor: Loki. Um dos meus momentos favoritos de Kindly Ones é esse aqui:
O cuidado de Gaiman em introduzir Loki sempre com outra identidade – em Sandman é Luke Pinkerton, em Deuses Americanos é Low Key Lyesmit – oferecendo o “presente” de deixá-lo se revelar em momentos marcantes da narrativa (no melhor estilo Coração Satânico: “Louis Cyphre. Lucifer. Even your name is a dime store joke“), é coisa de quem tem um carinho muito grande pela personagem.
As histórias são divididas como contos, só que se apresentam de uma forma marcadamente cronológica, do começo de tudo até depois do Ragnarök. Mas não é apenas de forma mais abrangente, também em pequenos detalhes, como quando Tyr perde a mão ou quando Frey entrega a espada Skírnir para casar com Gerda. A vida dos deuses vai sendo alinhavada por Gaiman, mostrando como foi que chegaram ao fim.
E assim como em outras mitologias ligadas à natureza (e natureza humana), o bacana é que os deuses não são perfeitos. Eles são arrogantes, mesquinhos, cobiçam tesouro, sabedoria e força. Não são muito diferente das pessoas, então o que lemos em Mitologia Nórdica é gostoso de acompanhar porque não há a necessidade de deixar uma “moral da história”, mas apenas de contar a história.
Quando falo “gostoso” é isso: o livro pode não ser aquele Neil Gaiman que você vai abraçar e sair recomendando por aí para todo mundo, mas ao mesmo tempo é daqueles que você lê sem nem ver o tempo passar. Acaba devorando porque diverte.
(Tudo bem que com meu sério problema de cérebro preguiçoso para criar imagens acabei vendo Thor como o Chris Hemsworth e o Loki como o Tom Hiddleston, mas aí já é problema meu, hehe.)
É curioso que eu tenha comentado sobre ter ficado com vontade de ouvir o audiobook de Lincoln in the Bardo (último livro do qual falei por aqui), porque ao saber que é o próprio Gaiman que lê o audiobook de Mitologia Nórdica também fiquei curiosa. Fico com a sensação de que ele ficará perfeito nesse formato. Tem um pedacinho para ouvir aqui. E aqui tem um videozinho sobre o Gaiman falando do livro.
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Sobre Deuses Americanos, a série. Não tenho a intenção de fazer trocadilho, mas a verdade é que eu não botava muita fé. Minha relação com Deuses Americanos (o livro) é complicada, porque foi a primeira coisa do Gaiman que li depois de Sandman. E eu não sei muito bem o que esperava, mas na época me decepcionei – e fiquei até hoje com esse gosto na boca, e pensando em uma segunda chance.
Aí começou a série, primeiro episódio legal. Mas veio o segundo episódio e nossa, QUE EPISÓDIO. Aquela fala inicial do Mr. Nancy, a Media, os deuses eslavos. Caramba. Fiquei com vontade de finalmente partir para a adiada releitura? Sim. Queria que todos os episódios já estivessem disponíveis? Sim.
Mesma sensação que eu tive com a série American Gods. Primeiro episódio ok, segundo episódio maravilhoso.
O livro eu arrastei por quase a metade e depois devorei.
Agora estou ansiosa para ler Mitologia Nórdica.
O segundo episódio é daqueles que a pessoa decide que vai continuar acompanhando a série, né? Bom demais <3
(eu li o livro na época esperando, sei lá, sandman? fiquei desapontada - por motivos óbvios, hehe - e por isso vivo devendo uma releitura.)
Anica, não sei se cheguei a te falar, mas ouvi o audiobook de Norse Mythology narrado pelo Neil Gaiman. Meu Deus, que experiência maravilhosa!!
O livro é muito legal, mas a interpretação do Neil Gaiman dá um colorido todo especial. Eu queria dar uma surra nos deuses a maior parte do tempo. Que gente egoísta!
Também imaginei Loki e Thor como Hiddleston e Chris Hemsworth, não tinha como. Aliás, várias vezes ele fala no livro que o Loki é belo, um dos mais belos 😄.
Fiquei passada com Odin pelo que fez com os filhos do Loki e pela forma que o Thor o trata o tempo inteiro (aquela história onde Thor ganha Mjolnir me tirou do sério),mas sempre anda com ele para lá e para cá.
Como eu ouvi em audiobook, tive alguns problemas com os nomes do povo e das coisas. Os que eu conhecia tudo bem, mas os que eu não conhecia não sei se saberia reproduzir ou reconhecer. Ainda quero comprar a versão física em português para reler um dia e gravar melhor as histórias (é muita coisa, não foram todas as histórias que ficaram gravadas sem buracos na minha memória).