Antes de começar, dois alertas:
1. Meu teclado está uma caca, posso ter comido algumas letras sem querer. Volto para editar aqui em outro momento.
2. Ahmm… spoilers, spoilers everywhere.
Na época que começaram a sair as primeiras notícias sobre séries do Netflix com personagens da Marvel, minha animação sobre Jessica Jones estava mais baseada no fato de que estavam dando chance para mulheres protagonistas no universo Marvel, mas era meio que só isso.
Pouco sabia sobre Jessica Jones, fora o que já seria o básico do enredo dessa primeira temporada: a personagem atuava como heroína (uniformizada e tudo), até o momento em que o Purple Man (peixe pequeno das histórias do Demolidor se comparar com o Kingpin) começou a controlar sua mente. Quando finalmente consegue escapar do controle do vilão, deixa de lado a vida de vigilante e passa a ser uma detetive particular.
E então o material promocional aparecia falando tanto do Purple Man (que na série não chega a ser chamado assim, embora esteja sempre usando roupas em tons de roxo) que pronto, apitou lá meu maior medo: que a história de uma heroína Marvel acabasse virando uma história de um vilão Marvel1. Como dá para perceber, nada me preparou para o que eu de fato veria assim que a série ficou disponível no Netflix em 20 de novembro.
Jessica Jones poderia ser só uma narrativa de bem contra o mal (saída fácil para as histórias de herói) ou poderia (como no caso de Demolidor) mostrar as origens de uma figura que não consegue se ver como herói porque no final das contas não acredita muito em fins justificando os meios. Se você enxergar superficialmente, talvez Jessica Jones até passe por esses caminhos. Só que tem uma outra camada, tema constante da primeira temporada: as questões sobre estupro e consentimento.
A sacada de pegar a história de Jessica e Kilgrave como o enredo principal foi genial, porque acaba trazendo de uma forma nova para a tv um problema que precisa ser discutido.
Talvez nos primeiros episódios ainda tenha tintas de metáfora ou esteja em detalhes tão pequenos que algumas pessoas ainda possam ignorar (o significado da última cena do quinto episódio, por exemplo, quando Jessica começa a mandar as fotos para Kilgrave – o quanto aquilo a humilha e o quanto ela não tem outra opção a não ser enviá-las), mas então você chega no sexto episódio e vê Hope, vítima de Kilgrave, desesperada para abortar.
Se você não consegue perceber o caminho que o enredo vai tomar depois de assistir uma cena como aquela do diálogo entre Jessica e Hope, meu amigo, você está escolhendo ignorar. “Every second it’s there, I get raped again and again; my parents are shot again and again. I wanna live, I wanna have children, but I won’t give life to this thing. I won’t do it.”, diz Hope para Jessica. É uma tremenda de uma paulada, mas no episódio seguinte logo vem outra, desta vez partindo de Jessica:
E eu confesso que fiquei até com um certo receio na sequência de episódios que mostram Jessica morando com Kilgrave e descobrindo sobre o passado do vilão. Aquela coisa de romantizar a violência contra a mulher, de “vale tudo entre quatro paredes” (citando só um caso recente que apareceu na mídia) que vemos por aí. Mas, coerente com o que propôs logo no início, a série logo dá uma virada e mostra que Kilgrave é mesmo um psicopata obcecado, e não um sujeito romântico apaixonado: até sobre sua origem ele mente.
(Tem algo interessante sobre a personagem nas HQs. Fui dar uma sondada depois e parece que Kilgrave nunca chega a fazer sexo com Jessica. Enquanto a dominava, ele não a tocava. Talvez tenham mudado isso na adaptação porque infelizmente seria sutil demais para algumas pessoas entenderem que abuso não tem a ver apenas com penetração, não sei.)
Ok, desculpa se até aqui falei muito sobre isso e não sobre a série em geral, mas é que foi o que me conquistou, o que falou mais alto para mim: Jessica Jones dá voz para as mulheres – não é apenas uma história com uma mulher. Nesse sentido, esta primeira temporada já tornará a série inesquecível, mesmo que a segunda seja uma bomba completa.
Mas então vamos lá, da série de um modo mais geral: há pontos importantes, como o fato de que mesmo as personagens secundárias são interessantes. Trish (a melhor amiga de Jessica), por exemplo, tem seus próprios demônios – e tudo leva a crer que na próxima temporada lá vem Hellcat. Gosto como sem nem perceber ela faz com Jessica o que Jessica tentou fazer com Kilgrave – guiá-la moralmente, para que use os poderes para o bem.
Luke Cage também é outra personagem ótima, aliás, algo que achei bem engraçado lá para o final: quando ele ressurge na vida de Jessica após a explosão no bar, eu sentia que tinha algo meio errado ali. Fiquei pensando “nossa, mas que canastra. ele estava canastra assim nos primeiros episódios e eu nem notei?” e aí mais para frente ficamos sabendo que na verdade ele estava sendo controlado por Kilgrave. Ri muito com isso, porque o ator (Mike Colter) conseguiu ser sutil ao ponto de não estragar a surpresa, ao mesmo tempo que consegue causar uma estranheza para quem assiste.
Simpson tem pinta de que vai voltar. Eu gostei da personagem, mesmo. É um tanto algo que a Trish não enxerga quando Jessica fala de não saber se está fazendo a coisa certa: você pode estar carregado de ótimas intenções e mesmo assim não ser o “herói” da história. Simpson é isso.
Carrie-Anne Moss como Hogarth fantástica, o vizinho Malcolm também muito legal. Até a vizinha chatonilda acaba ganhando o tempo necessário para nos envolvermos e nos interessarmos e isso é raro em termos de série de tv, que tenta vender o protagonista às custas de mostrar meros tipos como personagens secundárias.
Sobre Kilgrave e aquele meu medo de a série ser mais sobre ele do que a Jessica, no final das contas não foi bem assim. Ele é uma ameaça constante – algo que dá muito medo é o de você não poder confiar em ninguém, porque qualquer poderia ser controlado por ele – mas é engraçado como até desaparece por alguns episódios e você nem chega a sentir falta. No final das contas a personagem atua da mesma força que o Kingpin em Demolidor: sim, é um vilão acima da média, mas ainda é mais do tipo que levanta a bola para o protagonista cortar.
Único porém: ainda acho que precisam trabalhar melhor as cenas de luta, ou ainda, as cenas que mostram a super força de Jessica. É óbvio que ver uma mulher pequena quebrando paredes e parando carros por si só já causa estranheza, a questão é quando não é bem a estranheza de fazer algo que foge do normal que é o problema. Pense na cena em que ela carrega Luke Cage da cama do hospital para colocá-lo em uma cadeira de rodas. Ficou estranho, talvez um tanto por ele estar imóvel, ficou parecendo um boneco, sei lá.
Mas acho que é isso. Os treze episódios passam sem você nem perceber e depois deixam aquela vontade de assistir mais. O visual é muito bonito também, gosto como usam toda oportunidade para colocar um pouco de roxo na tela, mesmo que de forma sutil.
Agora é torcer para que o segundo ano mantenha o nível ou seja ainda melhor. Tem muita coisa para abordar, e mesmo sobre o universo feminino – lembrando que nas HQs a Jessica teve um filho com Luke Cage, por exemplo. Ah, e já que falei dele: a série do Luke Cage aparentemente chega em abril do ano que vem no Netflix.
eu tinha outro medo também, o de não conseguir esquecer da Shitagi Nashi enquanto assistisse, mas aí já é coisa minha, não da série ↩
Incrível como você consegue sintetizar a minha opinião.
Violência contra a mulher e personagens secundárias que tornam a trama verossímil. Os superpoderes são apenas um ingrediente extra (um pouco débeis como vc salientou) nesta série com uma pegada Noir, de investigação e tals.
Já valeu por essa temporada!