Last Things (Jenny Offill)

lastthings_newcover(Depois de terminar o post percebi que ele está cheio de informações sobre o enredo que talvez tenham mais graça se forem lidas no momento certo. É meio que o mal de querer escrever impressões sobre a leitura, e não necessariamente tentar convencer alguém a ler o livro. Não que este seja um blog de literatura. Ah, enfim. Spoilers. Leia o post se isso não for problema para você, etc.)

Eu ainda penso em fazer uma releitura de Dept. of Speculation para então escrever um post aqui porque não, eu não me conformo que um dos meus livros favoritos do ano passado acabou ficando sem post. Faz falta aquele link maroto para estabelecer a relação inicial, ou pelo menos para explicar porque fiquei tão animada quando vi na Amazon um “pre-order” para o dia 17 de março do livro Last Things, da mesma autora.

Só para evitar a confusão: a obra não é nova. É romance de estreia da Offill, publicado originalmente em 1999. Depois de Last Things, a autora passou uns tempos escrevendo livros infantis para só no ano passado voltar ao romance com o Dept. of Speculation. São 15 anos entre um e outro, mas mesmo assim você consegue pescar características que apontam o que seria o estilo da escritora, a começar aquela mistura da narração com curiosidades e anedotas.

Nesse sentido, pelo menos no primeiro terço do livro, eu estava pensando em Last Things como um Dept. of Speculation mais doce. A narradora é Grace, uma criança criada por um pai cético (Jonathan) e uma mãe sonhadora (Anna). Grace conta episódios de sua vida familiar pingando ali e aqui informações que aprendera através do pai e da mãe. A primeira impressão que fica é que o romance trabalhará o confronto entre realidade e ficção (ou ainda, ciência e religião), através da relação de Grace com os pais, como no trecho a seguir:

A moth flew into de room and fluttered against the shade. I wondered if this might be the same moth that had tried to fly to a star. But that moth had died, I remembered, or maybe it was the moth who stayed home and circled the street lamp. My mother had told me that story too and said the moral was that star could not be trusted and moved farther away, the closer you came. “Poor moth”, I said again and again that day until my father put down the paper and asked me to stop. Later he explained that the nearest star was 93 million miles away and this made it unlikely that anyone, a person or a moth, would ever go there. When I asked what the name of the nearest star was, my father said, “The Sun, of course”.

Mas não é exatamente por essa linha que se conduzirá a narrativa (já volto nesse ponto). E quando digo que Offill o faz de forma doce, isso se dá principalmente pelo efeito de ter uma criança como narradora. Há a inocência da visão da criança, mesclada com a visão de mundo do pai e da mãe. Dessa mistura vem uma observação dos eventos sem julgamentos, mostrando os fatos como eles realmente são – como quando Grace fala do babá Edgar, um adolescente obviamente obcecado por Anna. Grace não coloca comentário algum que sugira o que ela pensa sobre isso, até porque ela ainda não tem a malícia necessária para compreender o que significam certos atos de Edgar com relação à mãe – apenas que com ela ele parece “funcionar” diferente. Todos os eventos narrados por Grace seguem dessa forma, sem julgamentos e quase como um livro de recortes mostrando momentos marcantes da infância da personagem.

Só que então você percebe que há algo de errado ali. Está pelos cantos, você não consegue pescar bem o que é. Mesmo com momentos que te fazem se encantar por personagens (a Anna me ganhou já no começo, mas quando faz aquele quarto especial para ensinar a história do mundo para Grace, entrou na galeria de favoritas), ainda assim dá para ficar ali, esperando quando virá a bordoada. Uma traição? Uma morte? O que poderia ser?

E aí através dos olhos de Grace você começa a perceber que há algo estranho com Anna. Anna, a mãe que não deixava a filha brincar no quintal com medo que ela fosse picada por um inseto e morresse como a primeira filha. Anna, a mãe que não deixava a filha brincar com o vizinho com medo que os pais do garoto não chamasse um médico em caso de emergência.  De repente esta Anna começa a dar sinais de que não é mais a mesma, criando situações como a em que Grace teve que (ali na casa dos oito anos) voltar sozinha de táxi para casa porque a mãe simplesmente a abandonara na rua.

Tal como com a obsessão de Edgar por Anna, aqui nenhuma vez há uma palavra dita que confirme o que está acontecendo com Anna, mas para o leitor adulto o que aquela criança descreve é claro: sua mãe está enlouquecendo. Aos poucos, a doçura do mundo de Grace vai sendo contaminada pela tristeza de sua situação. E então o livro dá uma virada e ganha um tom de suspense que já naquela altura da história chega como uma surpresa. Anna vai para New Orleans com Grace sem que Jonathan saiba – a viagem inicialmente parece divertida e com seus bons momentos, mas aos poucos a loucura da mãe vai ficando mais evidente, ao ponto de Grace sentir que é hora de ligar para o pai – desnecessário lembrar aqui o que a figura materna representa para uma criança, e o peso dessa decisão para Grace, certo?

E então chegamos ao ato final, talvez o momento mais triste do livro, e o que retoma a simbologia da pedra como algo duradouro: “My mother said that stones were last things and would be around after people were gone. Other last things were oceans, metal, and crows“. Fica difícil não lembrar desse trecho quando sabemos do modo como Anna se suicida:

My father took the coat and put it away. He said that my mother got the idea for the stones from a woman who wrote a book. Then he locked himself in the bathroom and turned all the water on. I put my ear to the door. “Anna”, I heard him cry, backwards and then forwards, “annA”.

E, evidente, de como aquilo marcará Grace e ficará com a menina para sempre, tal como as histórias que Anna contava. Ou como as boas histórias que alguns escritores contam.

***

Sugestão de links:

Oh Mom, Poor Mom – Resenha no New York Times láááá de 1999, quando o livro saiu pela primeira vez.

Jenny Offill: life after Dept. of Speculation – matéria no Guardian com a autora, com breve comentário sobre Last Things.

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