Então que um dos meus livros favoritos do ano passado foi The First Fifteen Lives of Harry August, de Claire North. Mas assim, favoritão mesmo, de virar a chata que fica indicando para todo mundo e ansiosa para que terminem logo para perguntar o que acharam do livro. É bom, é muito bom. Estou errada em achar que a autora poderia entregar algo no mesmo nível, ainda mais não sendo iniciante?
E o triste é que Touch não passa nem perto de Harry August. A começar que a premissa não é exatamente original: essa ideia de ‘fantasmas’1 que tocam uma pessoa e passam a habitar o corpo dela eu já vi em várias histórias, com variações aqui e acolá (lembram de Possuídos, o cara cantando Time is on my side?). Piora o fato de que o conjunto de eventos para colocar a trama em movimento é forçadíssima: Kepler, o ‘fantasma’ que conta a história, quer saber quem mandou assassiná-lo e por que também mataram a mulher que ele estava hospedando no momento. Pensa numa história com fugas, investigações pela Europa, uma organização secreta. Enfim, é um mexidão de ação.
E talvez o que mais tenha me desapontado em Touch seja isso, o fato de Claire North ter optado partir para a ação e deixar de lado toda a reflexão sobre a natureza de suas personagens. Harry August renascia com lembranças da vida anterior – podia reviver situações históricas já sabendo o que aconteceria. E o livro debate longamente as implicações disso. Em Touch Kepler é praticamente imortal (desde que mude de corpo antes que o que habita morra), pode viver a vida de qualquer pessoa por tempo indeterminado, mas mesmo assim noções como a de identidade são apresentadas de forma rasa, sem especular as possibilidades.
É quase que anedótico, como quando Kepler conta como arrumou para outro ‘fantasma’ o corpo de Marilyn Monroe por uns tempos. Ou sobre suas experiências mais antigas. Tem tanta coisa boa ali para ser explorada, tanto potencial, e North prefere descrever cenas e mais cenas em que ele toca diversas pessoas para fugir da tal da sociedade secreta.
Por exemplo: sobre a ideia de como através dos tempos as pessoas viam os ‘fantasmas’, a começar pelo que seria uma explicação para as possessões (aí envolvendo a igreja). Ou como eles não tem qualquer noção de gênero, não fazendo diferença ser homem ou mulher (ou se relacionar com um homem ou uma mulher). O próprio emprego de Kepler é extremamente curioso (ele é uma espécie de corretor de corpos, arruma pessoas para serem habitadas por outros ‘fantasmas’).
Enfim, dava para ir além. Mas talvez duas características principais dessas entidades seja algo que tenha matado a possibilidade de um maior aprofundamento (ou discussão) sobre as implicações da existência deles. A primeira é que eles são vaidosos. Extremamente vaidosos. Chegam a ser chatos de vaidosos. Fica muito mais no que eles parecem do que no que eles são de fato. E, a pior das características, eles são burros. Estou usando as palavras do narrador Kepler. Então todo o conhecimento que eles poderiam ter acumulado através de anos de existência vão para as cucuias. Eles usam o corpo de um cirurgião, mas não sabem operar. É, de novo, só vaidade.
Fica aquela noção de que a aparência não faz a diferença, isso é repetido diversas formas, acho que o momento que melhor retrata esta questão é quando um nobre russo pede que Kepler habite o corpo da filha para que além de linda ela seja doce, educada e interessante como deveria ser para arrumar marido, e então depois do tempo combinado Kepler vai sair do corpo da menina, o nobre pede para que ele fique mais. Mas, de novo, a questão não é suficientemente abordada – só repetir anedotas que comprovem a ideia não é de fato desenvolvê-la.
O mais frustrante é que tem uma porção ali que atrai a atenção, aquela sensação de OPA, AGORA VAI! Mas aí lá para o desfecho a trama se perde completamente em uma bagunça que te faz pensar que ela não sabia muito bem o que fazer com suas personagens. Quando surge a figura do louco Galileo dá para pensar que aí sim surgiu um antagonismo que não lembra filme de Supercine, mas por algum motivo a autora resolve transformar a coisa toda numa vingança pessoal que não faz o menor sentido.
(Outra coisa que não faz sentido: Kepler e Galileo adotando nomes de cientistas, os demais ‘fantasmas’ com nomes de deuses. Não é como se o narrador e seu antagonista fossem racionais, no fundo são movidos à paixão como todos os outros na história.)
No final das contas foi uma experiência tão frustrante que estou até com medo de ler o mais recente da Jenny Offill, que sairá lá fora no dia 17 desse mês, já que Dept. of Speculation ficou empatado com o Harry August entre meus favoritos do ano passado. Não digo que eu nunca mais lerei algo da Claire North, mas depois dessa ela certamente não estará mais entre minhas prioridades quando algo novo sair.
“You’re OK being in a dying body?”
“Isn’t everyone?”
vou usar o termo entre aspas porque para o livro eles não são exatamente os fantasmas como os da nossa cultura, vagando por aí depois de mortos. Eles habitam corpos de pessoas vivas, abandonam quando não tem mais interesse para ocupar o de outra pessoa ↩