Então que eu tinha me apaixonado por How To Build a Girl da Caitlin Moran e resolvi não me enrolar muito para ler o How To Be a Woman, que chegou aqui no Brasil em 2012 pela Paralela (Companhia das Letras) com o título Como ser mulher.1 Comecei a ler e senti um certo déjà vu: a chegada à adolescência de uma garota que vivia em uma família enorme e de baixa renda, que passava longe dos padrões de beleza típicos e estava desesperada para ter suas primeiras experiências sentimentais/sexuais. Ou seja: How to Build a Girl pode ser um romance, mas tem MUITA coisa da vida da Moran ali.
Tanta que ler Como ser mulher poderia ser até um pouco de desperdício de tempo, não fosse a estrutura do livro: apresentação de uma anedota do passado da autora para então passar a discutir o tema de um modo mais geral, enfatizando a abordagem feminista de diversos momentos que qualquer mulher atravessou da adolescência à fase adulta – mudanças no corpo, menstruação, primeiro beijo, primeira vez, gravidez, etc.
Só que isso com aquele jeitão engraçadíssimo e cheios de referências à cultura pop da Caitlin Moran. Então a verdade é que por si só o livro já vale por derrubar de vez aquela ideia que muita gente sai por aí vomitando de que “feministas são chatas”. Aliás, sobre ser feminista, tenho certeza que um dos melhores momentos do livro ilustra bem a questão:
Because the purpose of feminism isn’t to make a particular type of woman. The idea that there are inherently wrong and inherently right “types” of women is what’s screwed feminism for so long — this belief that “we” wouldn’t accept slaggy birds, dim birds, birds that bitch, birds that hire cleaners, birds that stay at home with their kids, birds that have pink Mini Metros with POWERED BY FAIRY DUST! bumper stickers, birds in burkas or birds that like to pretend, in their heads, that they’re married to Zach Braff from Scrubs and that you sometimes have sex in an ambulance while the rest of the cast watch and, latterly, clap. You know what? Feminism will have all of you.
What is feminism? Simply the belief that women should be as free as men, however nuts, dim, deluded, badly dressed, fat, receding, lazy and smug they might be.
Are you a feminist? Hahaha. Of course you are.
Confesso que já usei a frase “Não sou feminista mas…” um punhado de vezes. Não por julgar uma feminista negativamente (como aquele seu amiguinho que fala de feminista sempre usando o termo “feminazi”), era mais por ter um respeito tremendo pela coisa, e ter medo de embarcar em uma meio como… sei lá, como a guria que usa a camiseta do Ramones sem nunca nem ter escutado o básico da banda.2 Não sei se ficou claro, mas assim: eu achava que tinha lá uma penca de estudos que me classificariam como tal. O tal do saber-do-que-estou-falando. E para isso (é fato) ainda tenho chão. Mas para querer igualdade? Nah. Então bota meu nome na lista da festa aí.
Enfim, voltando ao livro. Falei que tem o tom bem engraçado da Moran, mas isso pode passar a falsa impressão de que ela não lida com determinados temas com a seriedade necessária. Sim, ela sabe rir de si mesma. Não, ela não faz piada das merdas que as mulheres precisam viver todo dia. Essa é a diferença. Eu acho que principalmente o capítulo sobre o aborto é uma paulada, inclusive por ser tão honesta: tanto na agonia que foi o processo em si, como com o fato de que ao contrário do que imaginava, não carregou culpa pelo ato nos anos seguintes.
E ela dá a opinião dela sobre os temas sem medo, derruba umas bombas quase como quem fala do tempo. Sabe o que é o legal disso? Você perceber que bem, essas coisas deveriam ser conversadas como quem fala do tempo. Não deveriam ser tratadas como tabu. Não é uma questão de concordar com tudo o que ela diz. Eu discordei de vários posicionamentos dela ali, inclusive em determinado momento fiquei na dúvida se ela estava sendo irônica quando disse que as grandes descobertas e conquistas eram todas masculinas, que as mulheres não tinham nada. A história é reescrita de um jeito que parece que as mulheres não fizeram nada ou tiveram pouca participação, mas vamos lá, você aí no seu computador, manda um beijo para a Ada Lovelace. Tá lendo no celular? Manda beijo para a Hedy Lamarr. E é isso: discordo, mas gosto de como ela defende as ideias.
Gosto também de como ela derruba o mito de que feminista não tem vaidade. Gente, qualé. Somos humanos. Somos vaidosos, é parte da nossa natureza. Querer dizer que todo um grupo de pessoas não tem essa característica só por defender a igualdade de gêneros é estúpido, simplesmente estúpido.
Nessas ela vai falar de roupa, de sapato, de bolsa, depilação, corte de cabelo. Inclusive gostei bastante da teoria dela de que muito dos infernos do nosso guarda-roupa são na realidade consequência do fácil acesso ao pornô que a internet criou. A tendência segue muito uma linha das gurias vistas nos videos pornôs. Pode não ser SÓ isso, mas que tem lá uma participação, não tem como negar.
E no final das contas é isso: você pode não concordar com o que ela coloca ali. Por exemplo, a ideia de tratar sexismo como “bad manner” é interessante porque vai de encontro à ideia de igualdade, mas ao mesmo tempo é perigosa porque tira um pouco o peso do mal que isso faz para uma mulher (“Ai, espirrei e ele não disse saúde”, opa, não, não é assim). Mas ainda acho que o maior defeito do livro é que quem REALMENTE deveria ler (nesse momento penso aqui nas meninas dizendo que não precisam de feminismo), nunca vai dar uma olhadela sequer. De qualquer forma, é reconfortante saber que não estamos sozinhas nesse barco cheio de pessoas que são “thumbs up for the six billion“.
Ok, você me convenceu.
Lembro que quando esse livro saiu aqui no Brasil primeiro teve uma leva de impressões positivas, depois uma leva de impressões muito negativas, e não sei porque, mas foi essa última imagem ruim dele, e da Caitlin Moran, que ficou na minha cabeça. Comprei ele quase de graça no Kindle há pouco tempo, naquele esquema de “vai que um dia” e agora fiquei bem com vontade de esse dia chegar logo.
beijo!
Eu até entendo as impressões negativas (mesmo!). Para começar, o senso de humor dela não é exatamente daquele tipo que agrada todos os gostos. Mas além disso, realmente tem algumas ideias dela ali que você dá uma travada e pensa “oi, como assim?”. Só que eu tendo a ver a figura maior: discordei dela em determinados pontos, mas como dizer que é ruim um livro que acaba com tantos mitos relacionados às feministas, não é mesmo?