Se tem algo que eu adoro em literatura é quando o autor se dá ao trabalho de explorar diferentes pontos de vista para a mesma situação. De como uma história pode ser outra completamente diferente dependendo de quem conta. E foi por ter a oportunidade de ver esse exercício repetido no cinema que fiquei tão empolgada quando fiquei sabendo sobre The Disappearance of Eleanor Rigby (que no Brasil passou no Festival do Rio com a horrenda tradução ‘Dois Lados do Amor‘).
É um projeto audacioso: um filme mostrando a visão do homem, outro mostrando a da mulher e finalmente um terceiro que mescle essas duas versões. Não sei bem por qual motivo, achei que seria uma história típica montada do começo do relacionamento até o fim, mas não é bem por aí: os filmes abordam o modo como Connor (James McAvoy) e Eleanor (Jessica Chastain) lidam com a perda do filho.
E mesmo com a revelação da morte do filho, ainda assim, parece que é tudo muito mais sobre a tentativa de fazer Eleanor voltar do que lidar com o sentimento de perda. Talvez isso revele um pouco do modo de Connor lidar com o luto, inclusive uma das cenas mais fortes é justamente quando ao arrumar as coisas para sair do apartamento, Connor finalmente abre a porta do quarto onde estavam guardadas as coisas do bebê. Ele respira fundo, abre a porta e então pega bebê conforto, caixas fechadas de objetos que só seriam usados meses depois, etc.
A ausência de lembretes do filho, o fato de ninguém poder mencionar por perto parecem mostrar bem essa característica de Connor, o problema é que só funciona de fato quando você assiste The Disappearance of Eleanor Rigby: Her. Porque é aí que dá para entender que é só o jeito dele, e que inclusive foi o modo essa completa negação da existência do filho perdido que tanto dói em Eleanor e que fez com que ela resolvesse “desaparecer”.
Outro problema: se o ponto de vista é o dele, por que em determinados momentos a câmera mostra uma visão atrás de Connor? Vou usar como exemplo a cena final no parque para explicar: vemos a personagem andando no lugar onde ele tem uma boa lembrança de Eleanor (por acaso, a cena que abre o filme). Vemos que ele para e observa o local onde anos antes eles se beijaram tão apaixonadamente e então resolve seguir em frente. Só que aí a câmera mostra que ele está sendo seguido por Eleanor. Ué?
Volto para essa cena depois, mas fica essa dúvida: se é o ponto de vista dele, não seria melhor mostrar o que ele está vendo, e não o que está acontecendo atrás dele? O interessante é que eu não vi esse problema acontecer em The Disappearance of Eleanor Rigby: Her.
Ok, pode pesar o fato de que nesse eu já sabia desde o começo o que é que estava acontecendo com Eleanor, mas pareceu para mim que em Her a presença do bebê é constante, mesmo quando não mencionada – inclusive adoro como os diálogos com a professora (muito bem interpretada por Viola Davis) parecem sempre cutucar a ferida, porque a professora fala (sem saber da morte da criança) sobre a relação dela com o filho, uma relação que Eleanor sabe que jamais poderá experimentar.
Ainda nessa linha, a cena com os vaga-lumes, quando ela tenta libertá-los ao amanhecer, mas eles não se mexem e ela agita o pote dizendo “Wake up, wake up” – e pela expressão dela você sabe que foi exatamente o que ela fez com o bebê.
Pesa também o fato de que Eleanor parece cercada de personagens mais fortes. Embora eu goste da relação de Connor com o amigo e com o pai (adorei aquele “Todo dia eu faço uma coisa que me deixa feliz”), Eleanor tem, além da professora, as figuras da mãe e do pai, excelentes. O pai (William Hurt) tem inclusive dois momentos incríveis no filme: o primeiro, quando tenta se aproximar da filha para falar sobre o bebê (“Tragedy is a foreign country. We don’t know how to talk to the natives“) e depois quando conta uma história da infância de Eleanor, quando pensa que ela tinha se afogado no mar.
Algo que também só percebemos após assistir aos dois filmes é que em cenas e que as duas personagens se encontram os diálogos e expressões dos atores mudam um pouco. Cito como exemplo uma das melhores cenas (nos dois filmes), quando eles conversam sobre o que lembram do filho, Connor começa a descrevê-lo. Em Him, Connor diz que ele tinha o nariz, a boca, o queixo etc. de Eleanor, e então “Mas ele tinha meus olhos. E eu adorava isso” Em Her ele diz “Ele tinha seus olhos, seu nariz, seus lábios, El, ele era todo você”.
Parece marcar a diferença não só do que realmente foi dito, mas também do que eles realmente pensavam e/ou gostariam de dizer. Digo isso especialmente por causa da cena final (eu disse que voltaria para ela). Him, Connor caminha pelo parque, vemos que Eleanor o está seguindo, o filme acaba. Her, vemos Eleanor seguindo Connor, e quando ele para naquele local que traz as boas lembranças, Eleanor grita HEY, Connor a vê, sorri e o filme acaba.
The Disappearance of Eleanor Rigby: Them se assistido sem Him e Her pode ser bastante problemático. Ele parece depender bastante do conhecimento prévio de quem vê sobre o que as personagens atravessaram naquele período de separação. Ele não é tão fluido quanto as duas versões anteriores, parece faltar detalhes que tão bem preencheram as histórias quando separadas. A pena é que, pelo que entendi, a distribuição do filme tem sido só do Them (foi o que passou no Festival do Rio), o que pode afetar o julgamento sobre a proposta de Benson.
Por isso acho que os três devem ser vistos. Acho que minhas impressões sobre Connor em Him seriam diferentes se eu seguisse a ordem Her-Him-Them, mas acredito que mesmo uma ordem Them-Her-Him/Them-Him-Her não alteram a experiência final (justamente essa mudança de opinião sobre um relato), que é o que conta. Portanto, o importante é assistir aos três, não importa a ordem.
Gostei mais do Her, por motivos já citados, mas confesso que o Him envelheceu bem na minha cabeça, apesar de alguns problemas que não dependem exatamente da questão do ponto de vista (como o caso da posição da câmera). De qualquer forma, ótima experiência. Mas insisto: se for ver, veja os três.
Flor, como eu consigo achar os três filmes? Eu só consigo achar a versão dos 2 que é a de 2014. As de 2013 só encontro as sinopses ou em francês sem legenda e inglês sem legenda.
você conhece o popcorn time? Acabei de dar uma olhada e lá tem os três, com legenda em português. Se legenda em inglês não for problema, no netflix us também tem os três filmes =]
Só assisti a versão Them,vou procurar no popcorn as outras versões,mas na sua opinião o que acontece depois da cena final no parque?
Eu acho que o Them é a versão “o que realmente aconteceu”, então é meio que isso mesmo: ele continua andando e a Eleanor não o chama. Acho que o final do Her (com a Eleanor gritando “hey!”) mostra o que ela queria que tivesse acontecido, ou pelo menos o que ela tinha a intenção de fazer.
Olá.
Vc Sabe qual é a musica que toca no fim de THEM ?
Son Lux – No Fate Awaits Me >> https://www.youtube.com/watch?v=t7V4OOkJk2Q
e vc sabe qual é a música que toca quando eles estao no carro?
Oi Nai, não lembro mais da música do carro. Mas saiu um artigo no indiewire com link pra algumas músicas da trilha sonora, dá uma olhada para ver se ali não tem a que você procura =] >>>> http://www.indiewire.com/2014/10/the-disappearance-of-eleanor-rigby-soundtrack-features-cat-power-son-lux-pink-skull-more-270966/
achei muito obrigada.Acabou de passar no TC TOUCH the disappearance of eleanor rigby sendo THEM,mas já tinha assistido o mesmo ,como HER. Já tinha visto HIM,HER e só faltava THEM,mas ainda tenho duvida se tava assistindo de forma correta, não sei se no her eu tava vendo them,ou them eu tava vendo o her.
eu amei o filme,procurei tbm them e nao achei ,vô procurar e obg pelo texto muito bom,tinha coisas que nem percebi.
O que de fato aconteceu com o filho?
Eles realmente não ficam juntos ? =[
Ruan, não há nada no filme que fale do que o filho faleceu, mas fica a sugestão na cena em que a Eleanor agita o pote de vagalumes dizendo “por favor, acorde”. Muito provavelmente foi um caso de morte súbita, quando o bebê morre no berço sem qualquer explicação aparente.
Eu acho que o final é aberto, mas a minha interpretação é que o them é o que realmente aconteceu, então eles não ficam juntos, apesar do her mostrar que ela tinha a intenção de.