Condenada (Chuck Palahniuk)

Condenada-CapaQuando fui pesquisar sobre Condenada de Chuck Palahniuk (livro que saiu pela Leya aqui no Brasil no ano passado), fiquei um tanto surpresa ao descobrir que ele tinha começado a escrever a história como uma forma de lidar com a morte da mãe. Ok, ele repete incontáveis vezes a ideia de que morrer todos nós vamos mesmo (não importa quantas horas passe na academia, se abre mão do açúcar e só coma orgânicos), e isso me parece até algo saudável para se agarrar no momento da morte de um ente querido. Por outro lado, como é que ele conseguiu manter tamanho senso de humor com algo tão triste?

Porque dos três livros do Palahniuk que li até o momento (O Clube da Luta, Assombro e agora Condenada), esse foi de longe o mais engraçado. Insano os três são, cada um de um jeito completamente diferente. Mas engraçado ao ponto de você estar rindo com alguma passagem para lá de absurda envolvendo uma noção bem errada da palavra “malho”? Definitivamente não.

Claro, eu acho que parte da graça esteja no trabalho da tradução do Santiago Nazarian, que conseguiu captar esse tom mais escrachado de Condenada e transferi-lo para nossa língua. Não, não é só uma questão de “passar do inglês para o português”, há uma escolha para algumas palavras ali que fazem toda a diferença – aliás, em alguns momentos sei que ri muito mais por causa da tradução do que riria imaginando como seria o trecho no original. O que achei curioso sobre isso é que ao procurar por informações sobre a tradução, vi que em vários lugares (inclusive na loja da Livraria Cultura) os créditos estão constando como para Tatiana Leão, mas na ficha técnica do meu os créditos vão para o Nazarian. Não sei bem o que aconteceu aqui, mas bem, Leya é Leya né. De qualquer forma, joinha para o Nazarian caso a tradução seja dele mesmo, porque ó, fazia tempo que não ficava tão óbvia para mim a influência positiva do tradutor para uma obra.

Enfim, voltando ao Condenada. Madison é uma guria de 13 anos que após morrer descobre que foi condenada ao inferno. Logo faz amizade com seus companheiros de cela – todos uma versão “palahniukzada” das personagens do Clube dos Cinco – e resolvem começar a explorar os domínios de Satã.  Se você pegar essa relação com o filme do John Hughes, não demora muito para que entenda que Madison é o equivalente de Allison por ali.

Vivendo com pais não necessariamente ausentes, mas que obviamente não veem na filha uma das prioridades de suas vidas, Madison vira uma adolescente com uma visão bem ácida sobre as coisas, ainda que misturada com um pouco de inocência (e ignorância, lembrando do malho hehe) sobre algumas coisas da vida adulta. E o bacana de Condenada é justamente isso, vamos conhecendo o Inferno através dos olhos dessa garota. Ok, não só o Inferno, o mundo dos vivos também, como logo no começo fala sobre a relação desses com os mortos:

Pior do que alcoolismo ou vício em heroína, morrer parece ser a maior fraqueza; e, num mundo onde as pessoas dizem que você é preguiçosa por não depilar as pernas, ser morto parece ser a derradeira falha de caráter.

As críticas de Palahniuk (e seria um livro dele sem isso?) se constroem justamente nessa brincadeira entre Terra e Inferno, o que se faz aqui que possa ser considerado pecado, ou ainda, de quantas coisas irritantes daqui são normais lá – como por exemplo quando Madison arruma trabalho (sim, no Inferno) com telemarketing. Quando a menina fala “Acredite em mim, a maioria do povo de telemarketing que liga para você está morta“, há mais de um sentido contido na frase.

E o livro vai seguindo muito bem, prendendo parte da atenção do leitor com o humor, e outra parte com o mistério sobre as circunstâncias da morte de Madison, que chega pensando ter morrido (e ter sido condenada ao Inferno) por causa de uma overdose de maconha, mas aos poucos vai lembrando de momentos anteriores ao de sua morte, até que finalmente ficamos sabendo o que afinal aconteceu.

O negócio é que chega um momento em que o autor simplesmente chuta o pau da barraca e bem, na falta de outro termo, despiroca completamente. A menina constrói uma espécie de exército, luta contra figuras como Hitler, depois finalmente consegue conversar com Satã e é tanta, mas tanta coisa acontecendo que fez com que eu lembrasse de um texto do Chuck Wendig sobre estar preso no “mushy middle”1 – quando você tem um bom começo, já tem um fim em mente mas não consegue imaginar bem o que colocar no meio. Mais precisamente o que ele fala neste trecho aqui:

See, a lot of the advice you’ll read about mushy middles — including advice I’ll give — tends to be plot-focused. Start turning dials and knobs on tension and conflict and mystery and randomly insert MOAR PROBLEMS HERE PLZ. And that’s true, to a point, but doing that can also lend itself to another version of the mushy middle. That version feels exciting because OH LOOK WACKY SHITCRAP IS HAPPENING but none of it has any real bearing on the central characters, none of it reflects your theme, none of it has much to do with story. It’s artificial plot contrivance. It’s you just jackhammering needless event into the tale you’re telling. That doesn’t make for good story. It just makes a mechanical exercise that ends up unwittingly reeking of tedium.

Considerando que será uma trilogia (o segundo livro, Doomed, já saiu lá fora), eu realmente não vejo qualquer motivo para incluir tanto evento em um livro só, ainda mais eventos que em alguns casos somem e aparecem na narrativa como se no meio do caminho o autor tivesse lembrado que tinha que falar um pouco mais sobre aquilo. Não chega a ficar confuso, não chega fazer o livro ficar ruim (eu me diverti, então o considero no mínimo razoável), mas para qualquer olho mais atento fica nítido que tem muita coisa sobrando ali.

Acaba que eu não fiquei curiosa sobre a continuação. Mesmo que Madison, seus amigos e familiares sejam boas personagens, não é o suficiente para furar a infinita lista dos livros para ler, entende?

A única coisa que faz a Terra parecer um Inferno, ou o Inferno parecer um Inferno, é a expectativa de que deva ser um Paraíso.


  1. se você não conhece o blog desse cara e gosta de escrever, você deveria conhecer o blog 

4 comentários em “Condenada (Chuck Palahniuk)”

  1. Gostei muito dos comentários sobre o livro. Algumas conexões eu só consegui fazer agora hehe tipo o da palavra “malho”. Tava dando uma olhada em outros textos pra escrever o meu (primeiro texto sobre livros)

    Isso da tradução é bem significante no livro, nas primeiras páginas já da pra perceber. Eu acho que o livro fica no razoável pq quem lê tem que curtir muito esse estilo dele, ironico e sarcástico nível máximo!
    Eu já consegui amar o livro de 60% em diante. O final me deixou curioso, aquela ultima mensagem da Mad pro Satã! Quero ler o Maldita.

    Abraços ^^

    1. Oi Pedro, obrigada pelas palavras =D E quando escrever sobre Condenada, compartilha o link aqui para eu poder ler suas opiniões sobre o livro ^^ Abraço!

  2. ótima critica sobre o livro… ainda não terminei e ganhei um ”spoiller” porém obvio que seria o papo da maddy com satã. O livro no começo me deu preguiça e uns 5 capitulos depois eu não conseguia desgrudar os olhos! agora estou na parte em que ele chuta o balde por assim dizer (e volta a ficar massante) com tudo ficou meio vago a forma como seus amigos do inferno morreram e como eram suas vidas aqui na terra até então contou de forma vaga a morte de alguns e me incomoda como maddy pode ser as vzs egoista de mais e as vzs altruista de mais
    de qqr forma parabens pela critica

  3. ótima critica, porém você deixou mto mais emocionante um livro que estou achando mediano hehehe, estou quase no final e confesso que esperei mais. Contudo chuck continua com crédito cmg pós “clube da luta”.

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