É natural que o leitor acabe pensando que o livro será sobre o conteúdo dessa carta (até porque o dilema de Cecilia sobre ler ou não se estende por vários capítulos) e pense que o tal do “segredo do marido” seja um mistério a ser desvendado (ou daqueles que sustentam a curiosidade do leitor até o fim do livro). Não é o caso. O segredo do meu marido é um daqueles livros “enganadores”, que tão logo o leitor avança na leitura, percebe que não era exatamente o que esperava, mas talvez até algo melhor. Então digo desde já que não acho que o segredo seja o mais importante na história, mas para quem tem frescura de spoiler é sempre bom avisar então lá vai: daqui para frente tem spoilers, etc.
Então. Mal chegamos no segundo capítulo e já temos uma surpresa: a narrativa não se concentra apenas em Cecilia e a descoberta da carta, mas também em outras duas mulheres: Tess e Rachel. Tess é inicialmente vista como a “senhora do lar” bem como do negócio familiar que mantém com o marido Will e a prima Felicity. Assim como a carta do marido de Cecilia abala a ordem em sua vida, no caso de Tess a ruptura se dá quando Will e Felicity a chamam para conversar e anunciam: estão apaixonados.
No caso de Rachel, inicialmente ficamos sabendo que apesar de todo o controle para ser uma boa sogra e não se intrometer demais na vida do filho e da nora, acaba recebendo uma péssima notícia: eles estão de mudança para Nova York, e junto levarão Jacob, o neto a quem Rachel é tão apegada. Só não é mais apegada do que à memória da filha que foi assassinada em 1984 – um crime sem solução que assombra a mulher mesmo tanto tempo depois.
As três são “empurradas” da calma de suas vidas (quase) perfeitas para aquele momento de caos em que de repente você se imagina pensando “Nossa, e ontem eu estava assando uns muffins e nem imaginava que isso tudo aconteceria”. Rapidamente ficamos sabendo qual a intenção da autora, que é de unir a vida dessas três personagens. Tess vai com o filho para a cidade onde mora a mãe, matricula a criança na escola em que Rachel trabalha e onde Cecilia participa ativamente do que seria a Associação de Pais e Mestres local.
E então vem a questão da carta e do segredo. O truque de Moriarty (adorei o sobrenome dela) nesse primeiro momento é ir aos poucos apresentando as personagens através de suas divagações, ao mesmo tempo em que vai plantando a suspeita de qual seria o conteúdo da carta de John-Paul, e se haverá alguma mudança de rumo na investigação da morte da filha de Rachel. É engraçado, mas por causa de algumas frases você desconfia de tudo: John-Paul é gay. John-Paul é um pedófilo. Só não desconfia do que é mais óbvio e está escancarado: John-Paul é o assassino da filha de Rachel.
Eu já tinha avisado que o post teria spoilers, mas caso você tenha continuado a leitura do post, calma. Embora realmente acabe segurando o leitor por uma boa parte do livro, o “segredo” já é revelado antes da metade. A história não é sobre o mistério, mas sobre como as pessoas lidarão com isso, e o efeito em cadeia que acaba sendo criado.
Você já deve ter em algum momento parado para pensar em todos os “e se…” da sua vida, não? Em O Estranho Misterioso uma personagem de Mark Twain fala de nossas vidas como se fossem carreiras de dominó, mas que cada pequeno evento abria uma nova carreira, um dominó derrubando o outro, um evento levando até outro. É o que Moriarty fará com seu romance: construir uma carreira de dominós até chegar no momento em que as vidas de Cecilia, Tess e Rachel se cruzarão.
Antes de falar sobre o momento, algo que vale registrar. Adorei o cuidado da autora com o desenvolvimento das personagens femininas. Os homens não são tão interessantes até porque não são o centro da narrativa, mas o trio principal é realmente muito legal, justamente por ser tão próximo do real. Os medos, as pequenezas e até aquele tipo de pensamento que achamos melhor manter para nós mesmos, estão todos ali nas três. Grifei vários trechos do livro não pela importância para o enredo, mas por pensar “Putz! É isso mesmo!”.
A começar pela história de Tess, que parece ser a que menos tem importância no evento final, mas que é tão forte, porque a dor que ela sente não é pelo marido ter um caso rápido, um interesse sexual por outra mulher atraente. É o fato de estar apaixonado. No caso de Cecilia, o modo como o segredo de John-Paul a abala, e de como ela o odeia por estragar sua vida perfeita (ou a noção de vida perfeita que tinha). A ligação que Rachel tem com o neto e que não se permitiu ter com o próprio filho, por causa da morte da mais velha. Ninguém é perfeitinho, todos têm algo de errado ali (a não ser Connor, que né, dá até dó do sujeito).
Tem todo o questionamento moral também, e aqui nesse sentido eu não sei o quanto eu gostei do tal do momento em que a vida das três se cruza. O encontro Polly/Connor/Rachel é até bem orquestrado, o problema é que me pareceu uma saída fácil demais. A filha de Cecilia e John-Paul perde o braço por causa de Rachel, Rachel se sente culpada e então mesmo sabendo que John-Paul era o assassino, não o entrega. É claro que a decisão dela não é definitiva, mas em um primeiro momento é isso, cada qual volta para sua vida, tentando restabelecer a ordem interrompida no feriado de Páscoa.
Mas então chega o epílogo e Moriarty alinhava tudo tão bem que não tem como não deixar esse breve incômodo de lado. No epílogo o narrador especula sobre os pequenos segredos de nossas vidas, que acabam afetando a vida de outras pessoas. Dá um outro olhar sobre o que aconteceu no dia do assassinato da filha de Rachel, e especula o que teria acontecido com a garota caso ela não morresse. Brinca com as possibilidades do futuro de Polly se o acidente não tivesse ocorrido, e por aí vai. Mostrando o quanto nossas vidas se sustentam no que não é dito, no que não sabemos. A começar sobre os rumos que nossas vidas poderiam tomar.
None of us ever know all the possible courses our lives could have, and maybe should have, taken. It’s probably just as well. Some secrets are meant to stay secret forever. Just ask Pandora.
Eu estava na turnê da Intrínseca quando soube desse livro. Fiquei bastante interessada, gosto de narrativas que lhe mantem no suspense, para depois focar em outro personagem.
E os questionamentos da obra também me parecem ótimos. Dica anotada, beijos.
Espero que você goste =D
Eu acho impressionante a sincronicidade que a gente tem de vez em quando nas leituras… Acabei esse há alguns dias e me lembro que ficava xingando no começo, quando a autora pausava a história do segredo pra contar a vida das outras duas protagonistas. Eu tinha vontade de gritar “Conta! Conta logo!” 😀
E só para não perder a oportunidade, e porque adorei o livro: você já ouviu falar de um Red Rising, do Pierce Brown? Dá uma olhada: distopia, sci fi, política, exploração interplanetária e alterações genéticas. Uma delícia, não dá vontade de largar. http://redrisingbook.com/
Beijos
Opa, vou dar uma olhada, Marcia! Obrigada pela sugestão ;D
Oi Anica! Como sempre, venho aqui pra saber qual será minha próxima leitura… estava esperando algum livro pra me surpreender, afinal, após “Garota Exemplar” ficou difícil! Simplesmente amei esse livro! Como a história se desfaz no epílogo e você começa a refletir sobre toda a história! Meu Deus!!! Tudo de bom!
Eba, que bom que você gostou =D E o epílogo é realmente muito bom! Você viu que está para sair um novo dela lá fora? Pareceu um pouco com esse, também tem essa ideia de vidas que se cruzam e tudo o mais. Agora esqueci o nome, quando lembrar edito aqui :S