Watchmen (Alan Moore/Dave Gibbons)

Eu acho que vendo de forma distante (time is a flat circle…), posso dizer que em dois momentos da minha vida gostei muito de HQs. O primeiro durou algo ali entre os 17 e os 19 anos, quando comecei a acompanhar X-Men e depois descobri Sandman. Em um combo Gibiteca mais amigo da faculdade que entendia bastante do assunto e me emprestou outras coisas, foi quando li TransmetropolitanSin City, A Última Caçada de Kraven, Livros da Magia entre outros. Mas foi uma fase em que eu mais lia do que de fato prestava atenção aos “detalhes” como, quem era responsável pelo texto ou pela arte do que eu tinha em mãos (um exemplo: confundia Alan Moore com Alex Ross). Aí em uma segunda fase, entre os 21 e os 23, comecei a ler muita coisa por causa do pessoal da Valinor (e por causa do Rapadura Açucarada, hehehe). Houve uma mudança como leitora, um amadurecimento – não buscava mais só frases de efeito que se encaixavam em um quadrinho (“Perguntem-se todos vocês, que poder teria o inferno se os aqui aprisionados não fossem capaz de sonhar com o paraíso?“). E foi aí que eu li Watchmen pela primeira vez. Então você pensa “Bom, ela não confundia mais Alan Moore com Alex Ross nessa época, provavelmente ela quer dizer com tudo isso que já estava mais atenta aos “detalhes” que fazem de HQs como Watchmen algo genial”. Não, péra. Não foi bem isso. Lembro que era janeiro de 2003, e em um chat de MSN fui contar toda animada para o V que tinha lido Watchmen. O diálogo seguiu mais ou menos assim:

ANICA: VÊÊÊÊ, li watchmen!!!!!!!!!!
V: E aí, gostou?
ANICA: Muito, bem legal!
V: O que você achou daqueles extras no final de cada revista?
ANICA: Eu não li =S
V: Pô, Anica, aquilo é muito importante!

Poisé. Não tão pronta assim. Lembro que cheguei a reler depois incluindo na leitura os extras mas naquele momento sempre tive a sensação de que era um trabalho fantástico, mas não chegava perto de V de Vingança, por exemplo. Em algum momento devo até ter usado o termo “overrated”, para se ter ideia. Aí os anos passam (muitos anos aliás), começa o falatório sobre Before Watchmen (que eu ainda não li) e penso “Ah, bem, agora eu não sou mais uma universitária que mal tem dinheiro pro xerox e pra pizza frita com café na cantina, já posso comprar um encadernado e reler isso aí“. Ok, fiz. E desculpem todo esse blablabla inicial, mas ele serve como um alerta para o que virá a seguir. Porque essa releitura veio em um momento tão diferente da minha vida de leitora que a experiência não foi só como se fosse a primeira vez, ela foi mind-blowing mesmo, do tipo: ter vontade de voltar em 2003 e dar uns tapas na Anica que disse que “era legal mas V é melhor”. E eu vou tentar mostrar aqui algumas das coisas que não notei há uma década e que agora fizeram com que eu me encantasse tanto por essa história, então fica o aviso: desculpa, é um post só para quem já leu Watchmen. E não seja teimoso, não leia isso se ainda não tiver lido todo Watchmen porque sério, você vai estragar uma experiência muito legal. Volta aqui depois para trocarmos umas figurinhas, sim? Agora você que já leu, clica no play e vem comigo.

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12 anos de escravidão (12 Years A Slave, 2013)

Como acontece com esses filmes em temporada de premiação, já tinha ouvido falar bastante sobre 12 anos de escravidãoFalaram que era o filme definitivo sobre os horrores da escravidão e que, justamente por isso, era bastante difícil de assistir. Não por ser um daqueles filmes obscuros com significados ocultos, simplesmente pelo que faria você sentir. Eu não posso falar nada sobre ser definitivo ou não porque, assumindo aqui, assisti pouco ou nada de histórias semelhantes. Mas concordo sobre como ele te faz sentir. Não é fácil, ainda mais se for pensar que aquele é apenas um recorte, e que existiram milhares e milhares de Solomons e Patseys não só nos Estados Unidos, mas aqui também – onde o horror de apagar a identidade de uma pessoa e coisificá-la também aconteceu.

O filme é baseado em um relato real de Solomon Northup (interpretado por Chiwetel Ejiofor), nascido livre e que vivia bem com mulher e filhos em Nova York, até que em uma noite foi sequestrado e vendido como escravo. Não há muita informação sobre o passado de Northup, mas a noção que se tem é que vive de sua música e é respeitado em sua região. Mas, após o sequestro, começa o período de sofrimento da personagem. Eu sei que parece ser pior se pensarmos que ele ocupava uma posição de relativo prestígio dentro da sociedade, mas calma, não se apresse. Apesar de um caso atípico (se considerarmos que a maior parte dos escravos era de pessoas que só tiveram a oportunidade de se dizer livres enquanto estavam em sua terra natal), a história de Northup revela um processo vivido por todos os escravos. É embarcar nesse pesadelo em que nada que você fale vale como verdade, a entrada em uma realidade distorcida em que você é pouco a pouco despido de de sua identidade e transformado em coisa.  

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Meu coração de pedra-pomes (Juliana Frank)

Da minha época de solteira acostumada a voltar do bar só depois das cinco da manhã, eu lembro de um dia em que cheguei em casa morrendo de sede, abri a geladeira e tomei um belo gole de coca-cola. Calma, não é aqui que eu imito o ursinho polar e faço HUMMMMM. Negócio é que um segundo depois descobri que não era coca o que eu tinha tomado, mas shoyu. A memória do incidente que na época serviu como lição (se chegar bêbada, não abra a geladeira) voltou assim que avancei na leitura de Meu coração de pedra-pomes, de Juliana Frank. Calma, não é um livro ruim como beber shoyu às cinco da manhã. É que considerando algumas resenhas que li por aí, estava esperando algo completamente diferente dessa obra lançada em no ano passado pela Companhia das Letras.

Eu não sei bem como foi que criei essa imagem, mas a impressão que tinha é que Lawanda, a faxineira do hospital, seria uma espécie de mistura de Amélie Poulain com Macabéa, e que o livro seria todo fofo, olha aquela borboleta na capa que não me deixa mentir. Bom, eis o choque de perceber que Lawanda não tem nada de fofa ou apática. Ela é tosquíssima e justamente por causa disso muito engraçada. Aliás, o tom do romance é esse: cômico. Um humor ácido e algumas vezes beirando ao nonsense (a começar pelo primeiro capítulo, com um julgamento da autora), do jeitinho que eu gosto.

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