Veja bem, eu tenho um fraco por histórias que buscam trabalhar um tema trivial (aqui, como nos relacionamos com o outro) de forma pouco convencional. Na história Theodore (Phoenix) é um homem que ganha a vida escrevendo cartas por outras pessoas que não são tão boas com as palavras quanto ele. Um dia ele fica sabendo sobre um novo sistema operacional criado para se adaptar ao dono e decide instalá-lo. Poucas perguntas depois, eis que surge Samantha (voz de Scarlett Johansson), que aparentemente não vai só se “adaptando” ao Theodore, mas evoluindo: ela tem senso de humor próprio e, o principal, sentimentos. O resultado disso é bizarro, mas óbvio para o enredo: os dois se apaixonam.
(Aviso: o post será uma série de aloprações minhas sobre variados momentos do filme, então assim, se você ainda não viu, pode ter spoilers, etc.)
O interessante é que apesar da premissa parecer absurda, é possível se identificar rapidamente com Theodore. Vamos por partes, a começar pelo rompimento com a esposa Catherine (interpretada por Rooney Mara). O que é colocado aqui não é só o usual, da vida compartilhada que então deixa de existir de um momento para outro, criando aquela sensação de que cada pedaço da rotina sem a outra pessoa seja doloroso. É também o medo de ter se entregado tanto, vivido tanto e amado tanto que aquela história nunca mais se repetirá, ou pior ainda, se repetirá mas sempre como um retrato pálido do que aconteceu na primeira vez. “Sometimes I think I have felt everything I’m ever gonna feel. And from here on out, I’m not gonna feel anything new. Just lesser versions of what I’ve already felt.“, diz Theodore para Samantha, depois que um encontro às escuras dá errado.
Este encontro aliás, é uma ótima dica para entender o que virá acontecer entre Theodore e Samantha. A garota no bar obviamente quer sexo tanto quanto Theodore, mas diz que não quer que ele seja alguém que vá sumir no dia seguinte, ela está cansada da falta de compromisso. O modo como os olhos dela parecem implorar por um “sim, eu prometo o compromisso” são tão intimidadores que Theodore, que saiu justamente em busca de uma nova chance, entra em pânico e não consegue nem ao menos enganar a garota. Não, ele não se vê pronto para isso. Mas ao mesmo tempo, paralelamente é justamente o que está acontecendo entre ele e Samantha.
As conversas à noite, o colocar tudo para fora sem medo de ser julgado, a entrega, novamente. Ele inicialmente nem percebe, porque afinal de contas ela é um sistema operacional e ele um homem. Mas para qualquer um que já engatou um relacionamento virtual, sabe bem como funciona: aquela ansiedade para ficar logo online e poder conversar com a pessoa, o ter que se contentar apenas com a voz da pessoa ao telefone no caso de kilômetros de distância separando os dois. E também a facilidade de encantar quando ainda não há o compromisso, porque com esse normalmente chegam as cobranças para que a noção que temos de relacionamento seja correspondida. É exatamente isso: não o amor, mas a ideia que temos dele, de como devemos ser amados.
É engraçado, mas quando Theodore parecia embaraçado ao contar para os amigos que estava namorando um sistema operacional, de certo modo eu lembrava do meu jeito quando falava que tinha conhecido um namorado na internet. “Ah, bem, sei que não é convencional, mas rolou, estamos aí”. Ok, hoje em dia isso é bem comum, mas eu ainda lembro de alguns olhares de “Essa guria é maluca” quando contava onde tinha conhecido meu namorado. Mas no final das contas é como diz a personagem Amy: I think anybody who falls in love is a freak. It’s a crazy thing to do. It’s kind of like a form of socially acceptable insanity.
Mas aí é que está: quando você pensa que o roteiro te levará para uma história de que vale tudo quando você ama, arco-íris e unicórnios, Jonze puxa o tapete com o diálogo entre Theodore e Catherine. Para mim, é o centro da história. Ele conta que Samantha é um sistema operacional, ela fica mais do que chocada, mas magoada. Porque vê ali o que já tinha percebido antes, que Theodore é incapaz de ter um relacionamento real. A entrega, o amor por Samantha só foi possível porque ela tecnicamente não existia. Se existisse (tal como a garota do bar), nada jamais teria acontecido, não importa o quão doce e engraçada Samantha fosse. Ou pior, aconteceria mas tal como foi com Catherine, viria com prazo de validade. Porque em algum momento ela mudaria, buscaria coisas diferentes das que buscava quando se conheceram e deixaria de ser a Samantha daquele primeiro momento, por quem ele se apaixonou. Não é que você não ame mais aquela pessoa, é só que amava mais quem ela era no passado.
Podemos transformar tudo isso em uma história sobre nossa relação bizarra com a tecnologia? Claro que sim. De como é totalmente comum um cara sair andando por aí falando sozinho, filmando e fotografando tudo para começar. Aquele frio na barriga que você já deve ter sentido quando ao tentar iniciar o computador e viu uma mensagem de erro qualquer. Enfim, somos bastante dependentes mesmo. Mas eu penso em Her mais sobre como estamos pouco preparados para lidar com a dor de ver alguém que amávamos simplesmente partir. De nos encontrarmos em um momento em que não conseguimos compreender como é que nossa história com alguém vira só passado. De ouvir de alguém que antes era parte da nossa vida algo como:
“It’s like I’m reading a book… and it’s a book I deeply love. But I’m reading it slowly now. So the words are really far apart and the spaces between the words are almost infinite. I can still feel you… and the words of our story… but it’s in this endless space between the words that I’m finding myself now. It’s a place that’s not of the physical world. It’s where everything else is that I didn’t even know existed. I love you so much. But this is where I am now. And this who I am now. And I need you to let me go. As much as I want to, I can’t live your book any more.”
Her é até por causa disso bastante melancólico. Tem seus momentos engraçados, é óbvio (o sexo com a SexyKitten, por exemplo, é hilário), mas da mesma forma que a cidade de Theodore parece quase que constantemente tomada por uma neblina, o filme todo parece estar sempre sob o peso de corações partidos, expectativas não alcançadas e despedidas.
Considerações finais aleatórias:
- Uma pena que Scarlett Johansson não tenha sido muito reconhecida por seu trabalho como Samantha. É impressionante como você consegue captar a personalidade da personagem e mesmo os sentimentos, sem em nenhum segundo ver seu rosto (o que não deixa de ser irônico se pensar que é uma atriz que é lembrada principalmente por ser bonita). Parte do encanto de quem vê o filme só é possível por causa do trabalho dela, que consegue ser apaixonante só pelo que diz e como diz.
- Das músicas originais dos filmes deste ano eu só pensava em Let it Go de Frozen, mas The Moon Song é linda, linda demais. Não sei se pela cena, ou já pelo estágio em que a história se encontrava, mas foi de arrancar lágrimas mesmo.
- Amy Adams continua uma linda, mesmo quando tentam deixá-la como uma “guria comum”.
- Uma das cenas mais bonitas é quando Catherine está assinando os papéis do divórcio, e ao som da caneta no papel imagens dos dois quando ainda estavam juntos começam a aparecer.
- Filme bom, mas pior pôster, deusolivre.
Achei lindo o filme! Baixei, mas quero ver de novo no cinema.
Eu pensei justamente isso que tu falou, do filme mostrar como o Theodore não consegue ter um relacionamento com uma pessoa de verdade. Só com a ideia, a representação, de uma pessoa. Porque meio que me identifiquei com ele nesse caso (momento confissão: só me apaixonei por pessoas via internet). E por mais que considere a internet uma extensão da vida real, tem suas diferenças. Tem a imagem ideal que você faz da pessoa, uma facilidade de lidar com ela que não existe presencialmente, porque falar olhando para alguém na tua frente é amedrontador, porque você consegue notar as pequenas reações da pessoa que ela não consegue esconder. Enfim… lidar com pessoas com a mediação de um computador é muito mais fácil.
Ps: só discordo do pior poster pois: Phoenix muso <3 hahahahahaa
Exatamente! Sem contar que em conversa de internet (especialmente quando não é por voz, mas por escrito) nós podemos “nos editar”, tirar pequenos detalhes do nosso cotidiano que nos tornam imperfeitos, ficando mais fácil preencher a imagem de amor ideal de alguém. Sabe, aquela coisa, ter sempre senso de humor afiado mas esconder nas conversas que por exemplo, se acordarem a pessoa no meio da madrugada ela responderá de forma seca ou agressiva. Dá para prolongar o ideal por mais tempo, especialmente quando há distância envolvida. Aí você fica protegida, não se machuca, nem machuca a outra pessoa. Temporariamente, né =S
(não gostei do bigode dele, achei meio magnum demais >