Você já deve ter passado os olhos em mais de um texto que aponta como o Facebook deixa as pessoas deprimidas. É aquela armadilha que armamos para nós mesmos: sabemos que o que aparece na timeline dos outros é “editado”, só os melhores momentos, e mesmo assim nos perguntamos por que não somos tão bonitos, felizes e bem sucedidos quanto aquelas pessoas que ali estão. E lembrando que não são só fatos da vida de uma pessoa que podem ser “editados”, como ela mesma pode criar uma personagem, expondo só o que tem de melhor (ou de pior, não vamos esquecer dos trollzinhos). Você também já deve ter lido qualquer texto daqueles que mesclam um tom de autoajuda com crítica, falando de como as pessoas têm 500 amigos em redes sociais mas poucos “na vida real”.
É essa linha cada vez mais tênue entre a vida virtual e a vida real que A vida secreta de Walter Mitty explorará, em uma metáfora até bem direta (e bastante óbvia), mas que nem por isso deixa de agradar. Mitty é um sujeito sonhador, que volta e meia está perdido em devaneios onde ele surge como um sujeito que faz tudo o que ele gostaria de fazer na realidade. O Mitty “dos sonhos” é corajoso, aventureiro, genial, extrovertido. Em suma, tudo o que Mitty “da realidade” acha que não é. Ele é o responsável pelos negativos na revista Life, que passa por um período de transição, com a edição de papel deixando de circular e passando apenas a contar com edição online. Há aqui mais um jogo entre ficção e realidade, já que a revista é real e de fato hoje em dia não conta mais com a edição impressa, por outro lado até algumas capas que aparecem no filme não são reais, incluindo aí, é claro, a capa com a foto do negativo 25, que some misteriosamente e é o que lança Mitty em uma aventura real para resgatá-lo.
O filme todo poderia ser só a busca de Mitty pelo negativo e já seria bem bacana, daquele jeito “sessão da tarde” mesmo. É leve, engraçado e tem seus momentos tocantes (e ok, vá lá, mexe com a nossa curiosidade sobre o qual é a foto do negativo 25). Mas desde o começo há ali a presença constante de elementos que apontam para a metáfora da vida virtual x vida real, a começar pelo mais evidente, a conversa ao telefone com Todd, o técnico do site de encontros que Mitty usa para tentar se aproximar de uma colega de trabalho por quem se apaixonou. É ali que as dicas são deixadas, a começar quando ele pergunta para Mitty por que diabos ele não começa a conversar com a mulher para quem queria mandar um wink no site, já que eles são colegas de trabalho. Há então a insistência para completar o perfil, como se ele não existisse por completo se não tivesse alguma aventura em seu histórico.
Mas mais do que isso, percebi como os telefonemas do técnico começam a coincidir bem com os momentos em que ele está lá, em um lugar belíssimo – só ele e uma vista maravilhosa de uma cidadezinha da Islândia, por exemplo. É aqui que a metáfora fica um pouco menos óbvia, mas ao mesmo tempo mais forte: quantas vezes você não esteve vivendo um momento especial e não acabou parando de fazer o que estava fazendo para tirar uma foto e publicá-la no Facebook ou Instagram, só para que outras pessoas também vissem o que você estava fazendo? Para mostrar que seu perfil está completo, que você também tem histórias e aventuras para contar?
E se isso não serviu para “pescar” a ideia, vem então uma cena muito bonita onde Mitty finalmente encontra Sean O’Connell, o fotógrafo que enviou a imagem do negativo 25. Sean está tentando fotografar o leopardo-das-neves, e enquanto conversa com Mitty sobre o destino do negativo 25, está se preparando para registrar o momento. Até que o leopardo aparece, e Mitty estranha o fato de Sean não fotografar o animal. O fotógrafo então comenta que quando o momento é especial como aquele, ele não fotografa, mas o vive. Lembrei de novo daquela fala da Amanda Palmer sobre a falta de fotos do dia do casamento dela, que já comentei por aqui:
i don’t want to live to document my moments. i don’t want to see a sunset and reach for my iPhone. i don’t want to live my life and love my loves inside out. i fear, sometimes, that i do. i fear for all of us. and in these moments, i find non-action is the only antidote. or something like that.
Fazer parte do momento, viver aquele momento. A ideia é basicamente que enquanto pensamos em termos de como “preencher nosso perfil”, podemos estar perdendo momentos preciosos. A proposta não é de “desconectar” completamente, mas de saber o momento de quando fazê-lo. Por exemplo, vale lembrar que apesar do papel que Todd representa na história, ele depois surge como alguém na vida real de Mitty, valendo até um diálogo que qualquer pessoa que já fez amigos na internet já deve ter ouvido: “Nossa, você é completamente diferente do que eu imaginei”.
Enfim, eu sei que não é um filme tecnicamente perfeito, tenho noção disso. Há algumas questões do roteiro que pedem um pouco de paciência de quem está assistindo, porque vá lá, são meio forçadas. Continuo não gostando do Ben Stiller, e blablabla, poderia falar mais um monte de coisa aqui. Mas aí eu fecho os olhos e lembro da cena em que Walter está imaginando Cheryl cantando Space Oddity em um botequinho na Groenlândia, e pans, não tem como não colocar entre os meus favoritos desse ano.
Em tempo, o filme é levemente baseado em um conto de James Thurber, publicado em 1939 na New Yorker. E como a New Yorker é uma linda e nem tudo é ruim quando se fala de internet, é só clicar aqui caso você queira ler o conto. Quando digo “levemente baseado” é porque a versão do cinema conta com o mesmo nome, e a ideia de uma pessoa perdida em devaneios em momentos ordinários da sua vida. Mas o filme acaba explorando isso de forma diferente, inclusive ao incluir a busca pelo negativo (e toda a metáfora sobre a vida virtual da qual falei aqui).
Vai aí o trailer (que foi o que me fez ficar tão ansiosa sobre o filme que fui já no final de semana de estreia assistir no cinema):
PS: Sim, 20 dias sem escrever, eu sei. Estou virando um tipo de macunaíma dos blogs, não sei. Começo a escrever e aí ai, que preguiça. Vamos ver se pelo menos a lista de filmes e livros de 2013 eu ainda faço.
Ontem assisti esse filme, no cinema, com minha irmã e meu cunhado. Adorei. Me pareceu um Forrest Gum moderno, um meio termo do Peixe Grande de Tim Burton, sei lá. Gosto muitos dos filmes protagonizados e dirigidos pelo Ben Stiller. De como é aproveitável esse enredo do cara que é um perdedor na vida e se supera, supera outros.
Para uma Sessão da Tarde, é uma sessão e tanto!
Beijão.
é mesmo um filme muito gostoso, não estou entendendo as críticas negativas lá fora (no rotten tomatoes está 45%)
Aniiiiiiiiiiiiica!!!!
Então, concordo com você que é um filme bem gostoso de assistir. Heartwarming é um termo que tô usando pra descrever ele prozamigo, aheuhaee. 🙂
Eu nunca tive nenhuma opinião muito formada do Ben, tem coisas dele que eu gosto, tem coisas que não. Mas depois desse filme, ele ganhou muitos pontos positivos. Já me falaram super bem de Reality Bites, que ele dirigiu há uns 20 anos.
Beijooo! 🙂
PS: hormônios de grávida ou não, também chorei em algumas várias cenas hauehaeuhe.
o Reality Bites é legalzinho, vi este ano pela primeira vez. só que aí entra numa coisa que muito critico aponta sobre o trabalho do stiller como diretor, de se colocar em papéis que seriam melhores para outros atores. ele parece meio deslocado se pensar no resto do elenco. não compromete, mas poderia ter alguém melhor ali.