Amsterdam saiu lá fora em 1998, ganhou uma edição brasileira no ano seguinte pela Rocco e ano passado ganhou nova tradução pela Companhia das Letras. Foi o livro com o qual McEwan ganhou o Man Booker Prize, o que eu sei que não quer dizer muita coisa, mas vá lá, agora já falei. Eu acho que o principal de todas as informações sobre o livro é o ano de 1998, tão próximo da virada do milênio e uma fronteira importante sobre a popularização da internet (pouco tempo depois disso, o que era algo para poucos virou lugar-comum em nossas vidas). Isso acaba fazendo um sentido enorme dentro da história de Vernon e Clive, dois amigos que se encontram no funeral da ex-amante e impressionados como o mal que a mulher sofrera fora tão súbito e lhe tirou qualquer dignidade no fim da vida, acabam fazendo um trato de que se um deles acabasse em situação semelhante, o outro deveria dar um jeito de matá-lo.
Como todo livro do McEwan eu comecei lendo achando que seria uma coisa, e aos poucos ele foi se revelando algo completamente diferente do que eu esperava. Eu gosto do jeito que ele quebra essa expectativa, então para mim ver uma história que eu tinha certeza que seria um drama debatendo a eutanásia se transformar em um tipo de suspense salpicado de humor negro foi uma ótima surpresa. Não que não existam debates envolvendo ética, moral ou seja lá qual for o prato do dia: é só que o autor consegue escapar do caminho óbvio que poderia ter tomado.
Mas vamos lá, do início. Molly, a ex-amante de Vernon e Clive, é retratada como uma mulher inteligente, brilhante, apaixonante. Tantos -ntes positivos que os amigos não conseguem entender como ela acabou casando com um sujeito sem graça como George (que fez o possível para distanciá-la dos amigos durante a doença) ou mesmo como foi que ela teve um caso com o Ministro das Relações Exteriores, Julian Garmony. Há, portanto, uma palpável rivalidade entre os dois ex-amantes e os outros dois homens, mas que inicialmente parece se resumir aquela coisa de “duvido que você comeu a Molly”, “Molly disse que você é brocha”, etc. Coisa de macho, sabe como é.
Aos poucos vamos conhecendo mais Vernon e Clive, descobrimos que o primeiro é editor de um jornal tentando reverter uma crise e que o segundo é um compositor de sucesso contratado para compor a “Sinfonia do Milênio”. Com o foco narrativo saltando de um para outro, podemos conhecer melhor o modo como enxergam o mundo, bem como seus medos – ampliados pela morte de Molly. E tudo parece correr aparentemente bem até o momento que George (o viúvo de Molly) liga para Vernon, dizendo que tinha um material quente para ser publicado no jornal Judge. É aqui que a história dá uma virada e somos surpreendidos: o “material quente” em questão é uma seleção de fotos em que Garmony aparece vestido de mulher.
É aqui que a história ganha dois aspectos bastante interessantes: no primeiro, sobre ser um livro de 1998, e o que era o jornalismo em tempos antes de internet. Há questões ali que atualmente sequer existiriam, a começar o controle de uma imagem – se um jornal publica, os outros ainda não podem publicá-la sem pagar os direitos,é óbvio, mas todo mundo pode baixar e passar adiante sem que isso represente ter que comprar o periódico para ver. São outros tempos, a mecânica de um escândalo como o de Garmony seria completamente diferente nos dias de hoje (muito embora eu tenha certeza que ainda aconteceria).
O segundo aspecto está no debate sobre o certo e o errado na questão da publicação das fotos. Boa parte do time de Vernon acredita que isso não deve ser feito, mas ele insiste na linha argumentativa de que um homem que sai defendendo “a moral e os bons costumes” deveria ser execrado por ser tão hipócrita, e que esse era o momento de derrubar uma figura que poderia vir a ser um Primeiro-Ministro e colocar a Inglaterra no buraco. O melhor contra-argumento vem de Clive:
Me diga o seguinte. Você acha errado em princípio que homens se vistam de mulher? (…) Se não há problema em ser um travesti, então não há problema em ser um travesti racista. O que está errado é ser racista.
É engraçado, mas especialmente este diálogo entre Vernon e Clive me fez pensar no que muitos dos opositores de Felicianos da vida fazem: aquela brincadeira de dizer que ele é gay, numa tentativa de ridicularizá-lo, quando na realidade esse tipo de coisa pouco importa, e sim que ele é um homofóbico. Ressalto aqui para não deixar dúvidas: não defendo o sujeito, acho uma aberração o nome dele e de outros conhecidos homofóbicos na Comissão de Direitos Humanos. Só acho que tal como Vernon, algumas pessoas escolhem a opção errada para atacar.
Há, é claro, a outra parte: Clive testemunhou uma tentativa de estupro e nada fez para ajudar a vítima, isso porque estava pensando em sua sinfonia e não queria desviar sua atenção do processo criativo. É a vez de Vernon apontar o dedo para o amigo, lembrando que se ele tivesse feito algo, não haveriam novas vítimas – já que o estuprador provavelmente teria sido preso. E então com uma sequência de eventos desastrosos, chegamos em Amsterdam (já estava achando que o título não tinha nada a ver, nééé?) e no que seria para eles a execução do pacto realizado no funeral de Molly. Porque perceba: para os dois, tamanho desvio de caráter só podia representar demência.
A conclusão deixa a entender que no final das contas George foi o mais espero de todos os homens de Molly, embora como ele desconhecia o pacto dos amigos, acho que foi mais golpe de sorte do que algo realmente orquestrado. E eu sei que pode soar meio estranho, até porque é um desfecho um tanto triste, mas não pude deixar de achar um pouco cômico o modo como eles acabam levando às últimas consequências o que parecia briga de amiga de colégio. É o tal do humor negro do McEwan, afiado do começo ao fim, o que faz de Amsterdam um livro ainda melhor. As cutucadas que ele dá no que seria a elite intelectual inglesa são ótimas, porque ele não poupa ninguém. “Você não está ficando acomodado e de direita ao chegar à meia-idade, está?“, pergunta uma personagem. Há críticas sobre como o artista vê quem não é como ele (não cria), e mesmo aos assuntos que atraem o público em geral (esoterismo, auto-ajuda, etc.). Em outro momento, em reunião das editorias, alguém diz:
Chegou o momento de termos um número maior de colunas regulares. São baratas e todo mundo está indo por aí. Sabem como é, contratamos alguém de inteligência baixa ou mediana, possivelmente uma mulher, para escrever basicamente sobre nada. Vocês viram esse tipo de coisa. Vai a uma festa e não consegue lembrar o nome de alguém. Mil e duzentas palavras.
E seguem sugestões de temas que essa mulher poderia abordar, como a ressaca do marido, comprar um porquinho-da-índia, perder esferográficas, e outros assuntos tratados de forma mundana que vemos com tantas frequência travestidos de crônicas mequetrefes nos jornais e que no final das contas só servem (com algumas exceções) para encher linguiça. Lembrando, isso em 1998, num período anterior ao surgimento dos blogs e da influência desse formato no jornalismo. Aliás, essa sequência da reunião é perfeita para mostrar o que quero dizer sempre que comento sobre “prosa elegante” do McEwan. É posterior à publicação da foto de Garmony, e o autor poderia ter revelado de diferentes formas como Vernon fora demitido, inclusive descrevendo uma reunião com os chefes ou qualquer coisa que já vimos em ‘n’ histórias do tipo. A opção de McEwan? Descreve uma reunião pacata presidida pelo “editor”. Segue a sugestão supracitada, e então vemos no último parágrafo:
“Brilhante”, disse Frank. “Obrigado a todos. Continuaremos amanhã.”
E com o nome Frank o leitor já compreende que não só Vernon não é mais o editor, como também fora traído por aquele que dizia ajudá-lo. Foge do comum ao mesmo tempo que consegue construir um quadro perfeito da queda de Vernon. É nesses momentos que você pensa “Esse cara não é qualquer um”. Mãããs, como nem tudo são flores, confesso que achei as passagens do Clive (sem o Vernon) um pouco chatas, talvez por ele ser tão frio, tão centrado na criação que parecia desconectado do mundo (tanto que sequer sabia sobre o estuprador, que aparecia em todos os jornais). De qualquer modo, como ele dá o melhor xulépt no Vernon, acho que dá para relevar o fato de ser tão chato.
Se me perguntarem “É o melhor dele?”, eu diria que não porque você sabe, garrei morzinho no Serena. Mas gostei muito, inclusive de como consegue ser tão envolvente mesmo com tão poucas páginas (não chega nem em 200). E antes que eu me esqueça: sei que não tem nada a ver com a descrição das personagens, mas não conseguia deixar de imaginar os dois como Jack Lemmon e o Walter Matthau.
O engraçado é que eu caí de amores pelo Clive e morria de tédio nas passagens do Vernon (talvez pq eu desprezasse o Vernon desde o início, sei lá).
Terminei o livro furiosa com os dois e querendo dar uma surra no autor por fazer isso comigo de novo…e pior, eu sabia que ia terminar assim!
Mas achei o livro ótimo, gostoso de ler e muito bom para pensar em algumas coisinhas.
Acho que os livros do mcewan têm bem disso: não tem como você terminar sem ter sentido algo sobre as personagens criadas por ele ^^
Picked up the immediately, when I read, ‘WINNER OF THE 1998 BOOKER PRIZE,’ on the cover page… Lately, I am in man bookers’..
Frankly, I didnt get most of the story.. Maybe its because of the language or maybe, its always the confusing and the books which dont make much sense win the prizes…
But there were quite a few incidents in the story, which gave me goosebumps… it is the incidents I liked in this book – as I didnt understand the story..
I dont literally mean that I didnt understand the story… I understood the story, but after completely reading it there was a question still lingering in my brain – “then what?” When I said I didnt understand the book, I meant that it didnt make much sense. At least, to me. Maybe thats the point. MAybe thats the reason it won the award.
Actually, this is not the first time with me. There were many movies – Inception, for one – which wonmany awards, but didnt make much sense to me… Critics tend to award things which doesnt make sense.. I’m convinced…
And yeah, I am still wondering what has Amsterdam do with the whole story. The last, tiny part of the story ends in Amsterdam. Thats it…