Então, há tempos que estou matutando sobre isso, mas pensava que seria dizer o óbvio, então largava o rascunho na lixeira. Até que hoje cedo li esta matéria na Folha: Espírito crítico empobrecerá sem o livro de papel, diz Vargas Llosa. Afirma Llosa que “O espírito crítico, que sempre foi algo que resultou das ideias contidas nos livros de papel, poderá se empobrecer extraordinariamente se as telas acabarem por enterrar os livros“. Vamos partir do princípio que o texto é bem vago e não fala especificamente de e-readers e tablets mas de “telas”, mas uma vez que ele insiste bastante no termo “livro de papel”, acredito que esteja sim se referindo às novas formas de ler um livro ou seja, a boa e velha discussão sobre livros de papel e livro digital.
Llosa continua: “Estou convencido de que a literatura que se escreverá exclusivamente para as telas será uma literatura muito mais superficial, de puro entretenimento e conformista“. Eu não sei sobre você, mas eu fiquei com a nítida impressão de que ele não faz a menor ideia do que está falando (pelo menos no caso da tecnologia). Sabe, parece que é daqueles que ainda acham que há um ser contra ou a favor dos livros digitais, como quem veste camisa com um kindle estampado para num jogo qualquer decidir qual será o meio utilizado pelas pessoas para ler. Não, não é por aí. Já começa que não acredito que livros digitais substituirão livros de papel, eles trabalham de forma complementar. Talvez os “profetas” que anunciam o fim do livro de papel tenham em mente a chegada do dvd substituindo as fitas de video cassete, não sei. Se for esse o caso, acho que vale lembrar que não há um “aparelho” para decodificar o livro que não seja o próprio leitor, então onde existir alguém que saiba ler, o livro de papel terá sua função. Outra coisa é que houve uma real melhora na qualidade da imagem e de som do vhs para o dvd, mas no caso do livro de papel para o e-reader, bem, o que importa é o que está escrito, e não como você lê.
E é por isso que eu acho que o Llosa falou bobagem. Porque da forma como ele colocou, fica parecendo que os escritores estão pensando em seus livros em formato digital, e não em termos de… ahn… livros. Sabe aquelas matérias em que criancinhas aparecem manipulando um tablet, e nele uma história infantil vem acompanhada de sons e figuras em movimento? Então. Parece que ele pensou que o romancista atual escrevendo coisas do tipo. E não é por aí: o mercado de livro digital já está firme lá fora tem alguns anos, e escritores “respeitados” continuam fazendo a mesma coisa de sempre, até porque criar livros com recursos como imagem em movimento e sons pode ser um tiro no pé, já que só tablets seriam apropriados para este tipo de obra, e-readers como o kindle (que reproduz o texto em preto e branco) estariam de fora.
Aliás, vale pegar esse gancho aí (de escritor criando para “telas”, como diz Llosa) para comentar outra coisa: de como as editoras ainda não exploraram todo o potencial do novo formato. Sabe aqueles romances históricos cheio de mapas? O comum (no livro de papel) é colocá-los no começo ou final do livro, e aí o leitor fica voltando ou avançando páginas sempre que precisa consultá-lo, certo? Bom, o que mais vejo por aí é editora simplesmente passando para o livro digital o mesmo sistema do livro de papel. “Mas Anica, que é que dá para fazer sobre isso?”. Bom, ano passado comprei da Amazon uma edição de Our Mutual Friend do Dickens que vinha com os tais mapas. Mãããããs, também tinha um link nos nomes dos lugares, e aí você clicava no link e ele te direcionava direto para a página do mapa. É o tipo de recurso que pode ser usado em livros científicos, por exemplo, com o índice remissivo (só que aí ao contrário: uma lista de nomes com links que levem para o texto). Ou ainda, já pensou naquelas edições comentadas, que bacanas que podem ficar num tablet – trocando os comentários na lateral por uma janelinha que abre com um toque? Que tal as notas de rodapé do Foster Wallace linkadinhas bonitinhas? É como acontece com a edição que tenho de Infinite Jest.
É tanto potencial, que eu não consigo ver como algo que venha para enfraquecer a literatura, muito pelo contrário. Só que repare: são sempre extras, o texto continua lá, é o mesmo. Há um auxílio no modo como lemos (o que já começa por si só no caso de catataus como o Middlemarch, que você pode carregar sem ferrar com sua coluna se tiver um e-reader), mas só isso. Como disse, é complementar, até porque tem coisa que só livro de papel mesmo, e nem estou pensando nos fetiches tipo cheiro de livro novo ou dedicatórias. Por exemplo: tem um tempo li uma matéria falando que as pessoas memorizam melhor o que leem no papel , que coisas lidas no e-reader são esquecidas mais rapidamente (aqui tem um link da Scientific American falando sobre a experiência de leitura nos meios diferentes). Nesse caso, se a ideia é estudar para uma prova, um livro de papel é mais indicado do que um e-reader. Vamos falar de preço? Se as pessoas costumam reclamar do preço dos livros, o que será que elas pensam dos e-readers? E por aí vai.
Por isso não vejo sentido nessa briga toda, como se realmente estivéssemos tentando vencer no grito quem vai e quem fica. Então ao invés de ficar especulando sobre o livro digital ser o responsável pela morte do livro de papel (que nem ocorreu, e dificilmente ocorrerá), ou ficarmos criando uma espécie de disputa entre os dois meios de ler, seria legal nos concentrarmos no que as novas tecnologias podem oferecer de bom para o leitor.
Já tentei escrever algumas vezes sobre isso também, mas meus textos acabavam com os mesmos destinos que os seus. Sempre achava que ia falar o que já foi dito por milhares de sites, pesquisas, etc. Mas o pior é que a declaração do Llosa só vem confirmar que ainda há bastante coisa a ser discutida sobre essa questão. Não digo nem que tenhamos que fazer uma cruzada pelo livro digital, mas textos que abrem discussões sobre isso são sempre bem-vindos. Também não vejo sentido nessa briga, pra mim, o e-reader só veio pra facilitar a nossa vida. Espero que as pessoas tenham mais paciência pra se informar sobre isso, ao invés de ficarem simplesmente defendendo o papel (que eu tbm não acho que vai acabar) com fervor religioso. K.
O Llosa é uma notório falador de asneiras, afinal de contas. 🙂
Não sou e-reader (ainda!), mas também não concordo com as afirmações do Llosa. Parecem afirmações de um velhinho que nunca quis aprender a usar um computador.
Por outro lado, eu entendo de onde ele tirou essa “crendice”. Acho que isso vem dos tempos da popularização da imprensa, fato que provocou uma mudança drástica no público leitor. Antes, literatura era privilégio dos nobres, mas a máquina de Gutemberg popularizou o acesso aos livros. Isso foi positivo, mas associada à mercantilização da sociedade já naquela época, a revolução da imprensa contribuiu para a transformação de um público leitor-crítico em um público leitor-consumidor. Esse é o ponto de partida para o surgimento dos best-sellers.
Dá pra fazer uma correlação entre esse fato, o sucesso daqueles livros bobinhos que vendem como água e esse medo descabido do Llosa. Na cabeça dele, eu acho, o mundo digital seria o lugar das banalidades, o lugar onde o mercado engoliria a arte. Quem habita esses ambientes digitais sabe que isso não se confirma!
Olá, gostaria de saber se há interesse em participar da IV Feira Cultural da ESPM.
Gostamos dos seus textos e principalmente sobre livro de papel x digital, e seria interessante marcar dentro desta feira um debate, uma conversa, pequena palestra com os alunos.
Mais contatos no email ou facebook.
Um abraço.