Negócio é que não começou muito bem. Amelia, menina de 15 anos descreve seus primeiros dias no emprego em um supermercado. Hum, sim, ela se apaixona por um funcionário chamado Chris. Não sei se era só porque eu estava em uma fase ruim (já mencionada no post anterior), mas a leitura só engrenou mesmo para mim quando descobri que a história era narrada por Amelia, mas cada trecho dela era seguido por páginas dos diários de Chris (uma personagem bem mais interessante, digo desde já). Assim, como leitores nós ficamos sabendo dos eventos primeiro sob o ponto de vista da garota, depois do garoto.
Achei essa ideia interessante principalmente porque nos iludimos bastante como narradores de nossas próprias histórias: o modo como nos vemos, ou mesmo como enxergamos determinada situação, pode ser completamente diferente sob outro olhar. Olha, dando um exemplo: almoço de família, por algum motivo aleatório falam do tempo que eu cursei Jornalismo. A amiga da minha irmã estava almoçando com a gente, e aí ela mandou um “AH, É A ANICA NAQUELE TEMPO ERA “A” PATI DE PUC, COM AQUELAS SAIAS CURTAS” e eu “AHHHHHHHNNNNNNNNNNN?”, até porque um sentimento bastante predominante na minha adolescência sempre tinha sido o asco à patricinhas (sabe como é, eu não era uma, os guris sempre preferiam as patricinhas, etc). Enfim, foi uma surpresa me ver pelos olhos do outro. A parte da saia curta era verdade, mas patricinha? Enfim.
É o tipo de coisa que acabamos experimentando com a história de Amelia e Chris. Vemos algumas atitudes dele, e depois entendemos a razão para tal. Ou vemos o que ele vê nela e por aí vai. É bacana, o problema é que fora alguns diálogos falando sobre livros (que mania é essa dos escritores agora de botar seus personagens para falar de livros?) ou uma discussão meio vaga sobre feminismo, o livro todo fica nessa lenga lenga da Amelia ser muito nova para o Chris e o Chris estar sofrendo pelo pé na bunda que tomou antes de conhecer a Amelia e blablabla. É, eu sei que você deve imaginar que já leu em trocentos outros livros a mesma coisa, e que isso faria de Love and Other Perishable Items algo bem cansativo, mas hum, não é.
Ainda estou tentando captar aqui o que o livro tem de diferente, acho que parte da resposta está no Chris. Sabe, mesmo quando vemos autores homens escrevendo YA, ainda assim seus guris são apaixonados-fofos-perdidos-desajustados. Sabe, como se saíssem da mesma fábrica. O Chris é todo apaixonado-fofo-perdido-desajustado, mas no meio de seus devaneios de menino de livro YA, ele observa que poderia comer a bunda de uma menina só de levá-la para tomar alguns cafés, ou que depois que botou as mãos no peito de uma guria, ele não volta atrás. Enfim, piá mesmo, sabe como? “Ai, Anica, que sexista, vai dizer que piá só pensa em sexo?”. Calma, não é isso. É que nos outros livros às vezes eu fico com a sensação de que os guris quase não pensam em sexo – é como se fosse só uma coisa a mais para acontecer em sua lista de fofuras (tipo tirar a virgindade da menina num cenário ideal, mostrar o quanto a respeita aceitando uma recusa e coisas do tipo). O Chris fala de um jeito meio “matter-of-fact”, como é o sexo na vida de um cara de 20 anos. Não é um evento, é só um negócio que acontece. Então é isso. O Chris é um carinha mais real. Mais próximo de alguém que você conheceria. Inclusive as atitudes dele perto do desfecho foram uma surpresa, mas ao mesmo tempo completamente coerentes com a personagem.
Outra coisa legal: a história se passa na Austrália. Eu já tenho uma vergonha tremenda por concentrar minhas leituras principalmente nos autores de língua inglesa, mas ao ler Love and Other Perishable Items percebi que é ainda pior: não é só de língua inglesa. Eu concentro demais em autores ingleses e norte-americanos. Você não tem noção da agonia que dá em pensar sobre tudo que eu vou deixando de lado cada vez que escolho ler um livro e não outro. Que seja. O negócio é que foi interessante ler sobre adolescentes na Austrália, saindo um pouco do esquema mais conhecido. Pode parecer bobagem mas não é: chega dezembro na história, minha cabeça automaticamente já pensa em frio com neve e ahhh, é mesmo, Austrália. Hemisfério Sul. Detalhes, mas que meio que exercitam um cérebro já acostumado com certos lugares comuns.
Bacana, interessante e tudo o mais, mas a Amelia, por outro lado, segue bem chatonildinha, reclamando de deus e o mundo, especialmente nos problemas familiares. Porque né, não é um YA sem ~~problemas familiares~~. Sei que falando desse jeito pode parecer que eu não gostei do livro, e não é por aí. É só que colocando na balança os aspectos positivos e os negativos, você não sai com nada do que vá lembrar depois de um ano (ou que recomendará para qualquer pessoa). Coluna do meio, “quaaaase”. E não acho que dê para comparar com Eleanor & Park, não (fora a questão do ponto de vista do narrador).
Antes que eu me esqueça: eu não sei bem se este é o título original ou se já é o título alterado, mas Love and Other Perishable Items aparece em alguns sites também como Good Oil, inclusive no Skoob. O curioso é que se eu tivesse conhecido o livro pelo segundo título, provavelmente o teria ignorado completamente. Vou dar uma pesquisada para ver se descubro a razão pelos títulos diferentes, se encontrar algo, atualizo aqui. Por enquanto, ficamos assim: bacaninha, mas não é imperdível.