Se você nunca ouviu falar de Blackbirds ou Chuck Wendig (o que era meu caso há poucos dias), então acho que o melhor jeito de apresentá-lo e através do mesmo book trailer que fez com que eles entrassem no meu radar literário:
Eu não sou muito fã de book trailers, confesso. Aliás, conheci o vídeo justamente em um artigo do Book Riot que questiona esse formato de publicidade do mercado editorial. Mas este foi um dos raros casos em que mal terminei de assistir ao book trailer e já estava procurando o livro na Amazon para comprar, ainda mais porque minutos depois o Gabriel comentou que Blackbirds era “muito, muito bom”. Enfim, explicando minha empolgação até para ninguém achar que sou um et por ter acabado com o livro em dois dias, há.
E é isso, Miriam não é gananciosa, não prevê grandes golpes para ficar rica, mas também não pensa em parar de fazer o que está fazendo. Até o momento em que conhece Louis, um caminhoneiro. Ao tocá-lo, a garota vê que ele morrerá em menos de um mês. O detalhe que muda tudo: quando ele morrer, sua última palavra será “Miriam”. Assim, dominada pela culpa de pela primeira vez saber que será a causa da morte de alguém, Mirim decide se afastar de Louis para, quem sabe, bater o destino e conseguir finalmente evitar uma previsão.
O problema é que parece que realmente não importa o que ela faça, o que está escrito está escrito. Aqui uma trama bem louca envolvendo um vigarista e um traficante sádico surge para colocar Miriam novamente no caminho previsto, ou seja, ser a causadora da morte de Louis. Esse trabalho do “destino” faz com que o leitor mal tenha tempo de recuperar o fôlego, já que a personagem passa de uma situação de perigo para outra, mais ou menos como se isso fosse a profissão dela. Eu não sei se a sequência de livros românticos e fofinhos fez com que eu ficasse mal acostumada, mas Blackbirds pareceu (pelo menos para mim) um dos melhores livros de ação que já li, porque não tinha um momento sequer em que eu não estivesse lendo mais uma sequência de fuga ou, no mínimo, curiosa sobre mais um mistério envolvendo a vida de Miriam.
Sobre os mistérios, chega até a ser engraçado o modo como Wendig vai aos poucos incluindo novas perguntas, assim que vai trazendo respostas. Quando algo sobre o passado de Miriam se revela, é o conteúdo de uma pasta de metal (de certo modo lembrei de Pulp Fiction) que surge para atiçar sua curiosidade. Ou quem diabos são Frankie e Harriet e o que eles querem com Ashley. Ou, finalmente, se Miriam conseguirá vencer o destino e salvar Louis. Não tem como largar o livro porque as perguntas vão surgindo a cada parágrafo. E mesmo nos capítulos que você imagina que serão mais “parados” (o interlúdio que marca a entrevista que Miriam concede a um rapaz), ainda assim o mistério toma conta, e aliás, tenho que dizer que o último momento de Miriam com o entrevistador é de arrepiar.
Porque se para você não basta a ação e o mistério, Blackbirds ainda tem uma boa dose de horror. Poderia ser apenas pelas visões de morte que a protagonista tem (bem gráficas em alguns casos), mas há todo um desenvolvimento de uma atmosfera de terror, incluindo o fantasma de Louis, que faz um papel de consciência da personagem. Ele poderia ser o “anjinho sobre o ombro” que vemos em tantos desenhos e filmes, mas Louis aparece como um defunto com os olhos vazados cobertos com fita adesiva em forma de ‘x’. Nossa cabeça está já tão condicionada a pensar em fantasma como uma imagem quase apagada que podemos até correr o risco de pensar em Louis dessa forma, mas vale dizer que a todo momento Miriam não consegue saber se ele é o Louis da realidade ou não, para ter uma ideia de como a figura surge para ela.
A figura de Miriam também é importante quando consideramos o estilo “não querer largar o livro” de Blackbirds. Porque apesar de ser cínica até o último fio de cabelo, tem algo nela que não deixa de ser carismático. Talvez a honestidade como encara sua vida, ou mesmo o modo como embora seja completamente badass, ainda assim tenha lá seus momentos de fragilidade. Não acho que seja nem por dar uma personalidade mais “real” para a personagem que isso tenha me agradado, é mais porque eu realmente não gosto muito de personagem badass que é badass do começo ao fim da história. Miriam chuta bundas, mas comete erros e, o melhor, tem senso de humor para rir de si mesma. E sim, é daquelas personagens de língua afiada que parece sempre ter uma ótima resposta para qualquer babaca que cruze seu caminho.
Aliás, a questão do humor também merece nota. Não só pelas tiradas de Miriam, o próprio Wendig traz algumas situações que não tem como não rir, como o capítulo em que Harriet vai contar sua história (Harriet’s Story) que é seca e breve (como seria de se esperar da personagem) e depois de ser criticada por Miriam um novo capítulo surge com mais detalhes da história, desta vez chamado “Harriet’s Story, This Time With Feeling”. São pequenas notas que não chegam a quebrar a tensão mas ao mesmo tempo divertem, a entrevista de Miriam é recheada desses momentos, o que aliás serve muito bem para ir apresentando a personagem sem desviar a atenção da história principal. Enquanto conta sobre seu passado, há diálogos como:
Miriam: I didn’t know what kind of fish, because, fuck, I’m not fishologist –
Paul: I think it’s an ichthyologist.
Miriam: I’m also not an English major, nor do I care to become one.
Quando conversei com o Gabriel sobre o livro ele disse que Miriam fazia com que ele lembrasse da Marla Singer de O Clube da Luta. De fato, há algo na personagem que parece mostrar bem a diferença entre ser esperto e ser inteligente. Aquele tom de decadência e, acho que o principal, de simplesmente não dar a mínima sobre o que os outros pensam dela. A dose certa de autoconfiança para não chegar a ser arrogante. Enfim, não tem como não gostar de Miriam.
Acho que o único porém fica realmente no modo como Miriam se encanta por Louis. Para uma pessoa que parece tocar o foda-se sobre tudo e todos, é meio estranho do nada ela começar a gostar de alguém como acontece, embora talvez a explicação seja que com tanto filho da mãe no mundo, encontrar alguém bom como ele acabe causando esta impressão. De qualquer modo, não espere aqui paixões avassaladoras, declarações românticas e momentos fofinhos. É Miriam Black de quem estamos falando, afinal de contas.
O livro foi lançado em abril do ano passado lá fora, mas aparentemente Chuck Wendig é uma máquina de escrever, já que a continuação (Mockingbird) saiu em agosto do mesmo ano lá fora, e já tem um terceiro livro da série previsto para dezembro deste ano (The Cormorant). Notícia ruim é que há alguma treta lá na Amazon que, embora exista uma versão para kindle do livro, ele não está disponível para compradores de fora do Brasil (aí tem que comprar pela .br por 18,97 reais). Mas para quem conseguir ler o primeiro e ficar curioso sobre a continuação, a notícia boa é que a edição para kindle é louca de barata (4,89 dólares), nem justificaria uma pirataria. Sobre tradução no Brasil, não encontrei nenhuma. Poisé, também acho que nesse caso nossas editoras estão comendo bola.
ATUALIZADO: Foi mal, pessoal. Me empolguei achando que tinha encontrado uma edição na amazon brasileira, mas como o Gabriel bem apontou ali nos comentários, é uma tradução para o alemão. A não ser que você leia em alemão aquele link para a amazon brasileira é inútil.
Ótimo texto, tem exatamente as minhas impressões sobre o livro, hehe. Legal que tu tenha gostado e lido tão rápido. 🙂
Só um detalhe, apenas para deixar claro: o link da Amazon BR é para a tradução alemã do BLACKBIRDS, não para o original.
ahhh e eu que tinha ficado toda animada achando que tinha passar batido uma edição na amazon brasileira =((( vou editar o post, valeu pelo toque, gabriel =*