All the lonely people, where do they all belong?
Eu sei que da história da raposa com o Pequeno Príncipe todo mundo lembra daquela frase sobre cativar, mas na minha memória eu tenho uma lembrança mais forte do que a citação em si: é de um momento anterior, com a raposa falando que dia após dia ela e o Príncipe deveriam ficar cada vez mais próximos um do outro, até que ele a tenha cativado. Eleanor & Park de alguma forma fez com que eu recordasse desse trecho. Lançado lá fora em fevereiro deste ano e aparentemente ainda sem tradução no Brasil, o livro parece seguir o caminho contrário de muitos YA em que o casal de protagonista se apaixona no momento em que trocam um primeiro olhar. A primeira troca de olhar entre os dois não foi exatamente apaixonadora. As primeiras palavras não foram exatamente doces (há até uma f-word envolvida). Mas mesmo assim, aos poucos Eleanor e Park vão se aproximando, cativando um ao outro no melhor estilo “raposa do Pequeno Príncipe”. E talvez até por esse processo de encantamento, o leitor acaba se envolvendo com a história. Entre “nhóóóóóums” e “nããããos”, uma página segue outra sem que seja possível deixar o livro de lado.
Não se engane: não estou falando de livro que prende nossa atenção por alguma inovação na estrutura ou por trazer algum assunto para ser refletido por horas depois da leitura. É YA romântico como muitos que já apareceram por aí, aquela coisa de menina cheia de complexos e com problemas familiares que acaba encontrando um carinha que vai mudar seu mundo mas que por algum fator ‘x’ não podem ficar juntos e blablabla. E por que então, Eleanor & Park está conquistando tanta gente? Não posso afirmar com certeza (sabe como é, um livro é um livro diferente para cada leitor). Porém, pelo menos no meu caso, acredito que talvez a autora tenha deixado uma pista logo no começo, com um diálogo na aula de inglês em que o professor questiona Eleanor sobre Romeu e Julieta. Enquanto lia não conseguia acreditar: era exatamente o mesmo raciocínio que desenvolvi quando reli a peça há alguns anos.
“Ó, o grande casal romântico de Shakespeare! Não! Da literatura!”. Casal romântico? Um adolescente que um dia antes estava totalmente deprimido porque tomou um pé na bunda, vão querer me convencer que uma ficada com a Juju transformou o que seria só uma rebound girl no grande amor da literatura? Calma aí, galera. É mais ou menos o que Eleanor diz quando comenta “It’s Shakespeare making fun of love“. O professor não fica satisfeito com esta resposta e pergunta para Park por que a história de Romeu e Julieta sobreviveu aos séculos. Ele diz “Because people want to remember what it’s like to be young? And in love?“.
Se você dissecar Eleanor & Park, pouca coisa acontece senão o romance entre os dois. Há ‘n’ questões pesadas como o bullying e violência doméstica, mas o que pesa é a leveza (oi, Kundera, beijo!) da relação dos dois. Inicialmente vemos um pouco da vida de cada um deles, e aquele dia-a-dia infernal no ônibus escolar até o momento que ele percebe que ela está lendo as HQs que ele lê no caminho para a escola. Pessoalmente, para mim isso seria motivo para um tapa nas fuças (não aguento gente lendo sobre meus ombros ou variantes), mas tá lá, Rowell consegue transformar um negócio que para mim é irritante em algo delicado. O modo como ele começa a ler mais devagar para que ela possa acompanhar. Ou ainda, quando continua a leitura exatamente no ponto em que pararam quando estão fazendo o caminho de volta. Dá vontade de apertar as bochechas do Park, até porque ele tem bom gosto (leva Watchmen e O Monstro do Pântano para seduzir a menina, você veja só).
O irônico é que pelo jogo de “popularidade” da escola (e do ônibus) ele não pode ser visto conversando com Eleanor. Então tudo nesse primeiro momento é dominado por silêncios, são as ações que falam mais alto. Quando finalmente começam a trocar (poucas) frases, o assunto é música. Sei que esqueci de mencionar um fator importante, mas a história se passa em 1986, e isso fica bem evidente no gosto musical de Park, que apresenta para Eleanor Smiths (acho lindo como ela já gosta de Smiths sem nunca ter ouvido, escrevendo um verso de uma música em um de seus livros), Joy Division, The Cure, etc. A amizade entre os dois vai surgindo dessa troca de informações e opiniões (impagável o diálogo sobre os X-Men serem sexistas). Com certeza alguma amizade sua já começou assim, da descoberta de tanta com em comum.
E disso começa a surgir a faísca entre os dois. Os primeiros toques, os momentos em que começam a contar as horas para quando vão se encontrar novamente. É aquele amor “deixa eu aproveitar tudo isso agora porque o mundo vai acabar amanhã” que a própria Eleanor criticou quando falava de Romeu e Julieta, mas que é tão verdadeiro quando você é jovem e pela primeira vez vive a experiência de um amor correspondido. É cheio de descobertas, de primeiras vezes, primeiras sensações e um medo absurdo de que isso nunca mais acontecerá novamente e por isso mesmo deve ser aproveitado com a máxima intensidade. Rowell descreve cada um desses momentos com uma delicadeza que chega a esquentar o coração, transformando um simples toque na palma da mão em algo especial, único.
Há então a questão das dificuldades do casal, que se concentram muito mais nos confrontos com os pais, especialmente no caso de Eleanor. A vida da garota é um inferno por causa do padrasto, chega a ser uma tortura ler os sofrimentos da garota, que obviamente se sente um peixe fora d’água naquela casa, já que um ano antes vivera com um casal de amigos de sua mãe por causa de uma briga com o padrasto. Ela divide um quarto com mais quatro crianças, precisa tomar banho em um banheiro sem porta, não tem dinheiro para escova de dentes, que dirá para roupas novas. E constantemente acorda no meio da noite com gritos anunciando mais uma briga entre a mãe e o padrasto. Não é difícil imaginar que esse tipo de vida levaria a garota a duvidar de relacionamentos, e portanto ter bastante dificuldade de mergulhar de cabeça no namoro com Park.
Park, por outro lado, tem seus próprios problemas com os pais. O narrador em determinado momento comenta sobre a dificuldade em não relacionar o pai de Park com o Magnum (sim, o Tom Selleck, 1986, lembra?). O sujeito é um machão veterano de guerra que simplesmente não admite que seu primogênito não seja sua cópia fiel e exata. Alguns trechos deixam isso claro, como quando Park lembra das Playboys que o pai escondia embaixo de sua cama, ou da briga iniciada quando Park decide usar delineador para ficar mais parecido com seus ídolos da música.
A combinação desses elementos dá a dosagem de drama para que o livro não acabe sendo só o nheco-nheco dos dois (embora para mim não seria problema algum se fosse assim). O que eu mais gostei nesse caso é que a vida de Eleanor é uma bomba relógio, você sabe que a qualquer momento uma tragédia acontecerá, só que você nunca sabe quando e qual será. Isso acaba dando uma certa imprevisibilidade para o que poderia ser uma história bem previsível (“os dois vão juntos para o baile de formatura, se beijam, fim” e outras variações do mesmo tema que aparecem de forma recorrente em livros YA).
Nesse ponto você já deve estar pensando “Ah, é a Anica, ela adora histórias açucaradas”. É, gosto merrrrrmo. Mas se você está duvidando que Eleanor & Park realmente tem algo especial, vale dizer que ele está no top20 da Amazon de livros lançados este ano, no top20 de popularidade do Goodreads para lançamentos de 2013 e na lista do Book Riot de melhores livros lançados no primeiro semestre. E tem Watchmen (não só name-dropping, eles conversam sobre o que estão lendo, é muito legal), X-men, Smiths e Cure. Só faltava vir escrito na capa “Todas as coisas que a Anica adora, menos cerveja inglesa porque não ficaria muito verossímil jovens sem um puto furado bebendo cerveja cara”.
Sim, tem um gato na história também, antes que alguém pergunte.
ATUALIZADO DIA 24/01/2014: Está para chegar pela Novo Século agora em fevereiro, com capa igual à gringa.
Oi, Anica! Li esse livro quando vi numa lista de melhores do primeiro semestre pelo Book Riot, adorei… e fui atrás de outros dela. Procura! O “Attachments” é ainda mais meigo – se passa no final dos anos 90 (virada do milênio, na verdade), o mocinho é tímido de doer, joga D&D e trabalha em TI. A história é de ficar fazendo aaawwwn! por horas de pois de terminar a leitura. Recomendo!
Pela descrição certeza que vou gostar também XD Assim que terminar blackbirds volto para a rowell então, obrigada pela dica =D
Também colocarei esse na lista. 😀
espero que goste, bruce =]
Bem interessante teus comentários sobre o livro. Especialmente a parte sobre Romeu e Julieta! Estou com esse livro lá em casa e ainda não o li, porque apesar de ter curtido a premissa, sempre encontrava coisas mais interessantes pra ler hehehe (normal né, a vida segue).
Achei fofinho esse negócio de ler juntos no ônibus, embora eu concorde com você: acho um saco quando fazem isso comigo, mas parece que encaixou bem no livro 🙂
Beijoca ♥
Hahahhaa mas é sério, se fosse comigo eu teria dado um jeito de tirar a revista do campo de visão da garota e ainda faria cara feia. Odeio que leiam algo junto comigo >
Comprei quando foi lançado pela Novo Século, mas só li no ano passado e… Não gostei tanto. Não achei o livro ruim, mas não me identifiquei muito com os personagens (não tenho muito interesse em quadrinhos nem em bandas e tal hahaha).
Enfim, chorei na parte em que a mãe do Park conta sobre a família dela e diz: “Quando você sempre passa fome, você tem fome na cabeça.”
Ah, em maio saiu uma notícia de que o livro vai virar filme, acho que por isso que ele voltou às listas de mais vendidos 🙂
eu adoro e&p mas meu favorito da rainbow é o anexos, você já leu? é muito bom <3 <3 <3
(também acho que tem alguma relação com a notícia do filme. acho bem engraçado que o público no brasil acaba conhecendo a rainbow mais por fangirl do que por e&p O_o)
Ainda não li, porque li o Fangirl e também não gostei muito, aí meio que desisti da autora hahaha
não desistaaaaa, leia anexos <3 depois tá permitido desistir hahahahaha
eu gostei de fangirl, mas acho o piorzinho dela. tanto que nunca me animei para ler o carry on (que é meio derivado do fangirl). sempre fiquei com a impressão de que o que faltou para mim no caso de fangirl foi ter sido fã de harry potter (eu só li quando quase estava chegando nos 30, e mesmo assim não terminei a série), mas talvez não seja só isso. a relação de fã com a obra gostei muito mais como ela fez no kindred spirits.