De qualquer modo, comparações ficando de lado, vamos ao NOS4A2 (pronuncia-se “nosforatchu” ou, como é a intenção do dono do carro que apresenta esta placa, “nosferatu”). Eu me enrolei um pouco para começá-lo (saiu no final de abril lá fora) porque as 700 páginas me desanimavam um tanto. Calma, não é preguiça de ler livro grande. É só que eu estava achando que o Hill acabaria pegando uma mania chata do pai dele de escrever livros desnecessariamente prolixos, que estragam muito o clima do horror. Não vou dizer que não exista um tico de “gordura” em NOS4A2 (aquelas divagações de personagens secundárias que te fazem rolar os olhos e pensar em pular algumas páginas, por exemplo), mas logo entendi o motivo para o tamanho do livro: ele segue a história de Vic “The Brat” McQueen desde a infância, quando descobre que tem um dom especial para “encontrar” objetos perdidos.
Para encontrá-los, Vic precisava pedalar bem rápido sua bicicleta e atravessar uma ponte, que a levaria para o lugar onde ela encontraria o objeto perdido. Paralelamente à história de Vic, nesta primeira parte conhecemos mais duas personagens centrais da história: Charles Manx, um sujeito que sequestra crianças e usa seu Rolls Royce Wraith de 1938 (sim, é ele o dono da placa NOS4A2) para levá-las a um lugar supostamente imaginário que ele chama de Christmasland, e Bing Partridge, um sujeito maluco que usa um gás para ajudar Manx nos sequestros, sonhando um dia também poder entrar em Christmasland. As histórias dos sequestros de Manx e dos achados de Vic vão seguindo paralelamente, até o momento em que os dois finalmente se encontram e se confrontam pela primeira vez.
Aliás, está aí algo que achei interessante na estrutura da história. Não há aquele desenvolvimento típico de video-game, onde o protagonista vai “derrotando” mini-chefes para só no fim encontrar o chefão. Vic e Manx se encontram mais de uma vez, e em todas elas a tensão vai às alturas, até porque nesse momento já sabemos do que ele é capaz. E, retornando ao que disse inicialmente, ver que a protagonista está completamente só piora ainda mais a situação.
Para a parte seguinte do livro encontramos Vic já como adulta. Aqui o horror é construído a partir de ligações que só ele escuta (a pior é da criança dizendo “as pessoas estão se divertindo em Nova York, se jogando das janelas”. Se você pensou no onze de setembro, você está certo). A linha entre sonho e realidade começa a ficar bem fraca, e é esse tipo de horror que Hill começa a explorar. O que confiar, o que é real e o que não é. Chega um momento em que o fato de uma personagem mencionar uma canção de natal já causa arrepios.
Aqui a natureza das personagens fica mais evidente. Senti em NOS4A2 uma certa tentativa de modernizar alguns velhos mitos. A brincadeira com a placa do carro não é à toa: mais de uma vez se referem a Manx como vampiro. E Bing, talvez pela máscara de gás, de certa forma fez com que eu lembrasse de Sandman (na versão Wesley Dodds, e óbvio, uma versão distorcida). Mas Hill vai além e recheia sua história com referências, algumas bem claras, como quando cita Amanda Palmer, Harry Potter, Serenity, Batman, O Senhor dos Anéis e até algumas piadinhas nérdicas envolvendo RPG e outras já mais escondidas (uma crítica do New York Times, por exemplo, chamou atenção para a arma usada por Manx e uma música dos Beatles chamada Maxwell’s Silver Hammer). Ele faz referência até às próprias obras (quando fala de “Lovecraft Keyhole”, alooou Locke & Key) e às do pai (Pennywise Circus?). Ou seja, um prato cheio para quem gosta dessa brincadeira de procurar referências (como já tinha acontecido com o primeiro romance do autor, A Estrada da Noite).
E assim chegamos na parte final. A voz das criancinhas no telefone assustava? Calma, fica pior. As descrições de Christmasland, ou ainda, do que as crianças fazem ali, são realmente arrepiantes. De você voltar ao início do parágrafo para ter certeza de que Joe Hill imaginou aquilo mesmo. Chegou um momento em que pensei que Charles Manx nem era tão mau, pelo menos se comparar com as crianças daquele lugar. Acaba compensando por qualquer momento sem horror ou ainda, com o autor obviamente tentando armar um romance entre personagens para um “final feliz”.
Sim, porque há alguns deslizes, inclusive em desenvolvimento da ambientação. Mas do que li do Joe Hill Até agora (A Estrada da Noite, Fantasmas do Século XX e O Pacto), este foi o melhor. É daqueles livros que parece pedir para uma versão cinematográfica. Para quem quiser saber um pouco mais sobre o livro, vai aí um booktrailer (Joe Hill tá ficando a cara do pai, btw).
ATUALIZADO (06/05/2014): Acabei de ver na página da Arqueiro no Facebook que o lançamento está previsto para julho deste ano aqui no Brasil.
Sabe se ele vai sair no Brasil?
Elias, a Editora Arqueiro já tem os direitos de publicação da tradução, então acho que sair no Brasil sai, sim. O único problema é que não tem qualquer previsão de quando. =/