Trilogia Jogos Vorazes (Suzanne Collins)

Então que há tempos toda vez que vou mencionar Jogos Vorazes eu lembro que não coloquei os posts que publiquei no Meia Palavra aqui no Hellfire, tenho só meus comentários sobre o filme. Eu li os livros entre fevereiro e março do ano passado, daquele jeito meio imerso que depois dá até uma ressaca literária depois. No Meia escrevi separadamente sobre cada um deles, mas convenhamos, sendo isso aqui só uma republicação, não vejo motivo para separar em três posts. Portanto senta que lá vem história, porque aqui vou falar de Jogos Vorazes, Em chamas e A Esperança.

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JOGOS VORAZES

Confesso que comecei a ler Jogos Vorazes com uma certa carga de preconceito que tenho sobre o que se publica ultimamente para o público infantojuvenil. Pensei “Lá vem mais uma história romântica com um casal improvável…”. Mas estava dando um crédito mesmo assim para o primeiro livro da série escrita por Suzanne Collins porque pessoas cujo gosto é parecido com o meu falavam muito bem do livro. Primeiras páginas, fico conhecendo Katniss Everdeen, adolescente que vive em um futuro para lá de distópico: o mundo se organiza em distritos, cada qual com sua matéria-prima principal, todos tendo que servir a Capital sem perguntas. A última vez que uma revolta aconteceu, a Capital acabou com quem ia contra seu poder e criou a partir daí os Jogos Vorazes.

Só no conceito por trás desses Jogos Vorazes já vemos que Collins não é daquelas escritoras que pintam um mundo cor-de-rosa só porque está falando principalmente com o público jovem. A ideia dos jogos é que cada distrito mande dois jovens como representantes para participar de uma espécie de reality show no qual só pode existir um vencedor, o único que sobrevive. Sim, a premissa lembra muito Batalha Real, mas dê uma chance mesmo assim, porque passando esse momento de apresentação de Katniss e sua realidade no Distrito 12, o que se tem é um livro eletrizante (desculpem o termo “poster de filme de ação”, mas não consigo pensar em algo melhor agora), daqueles que não dá vontade de largar.

A protagonista Katniss é também a narradora da história, passando uma visão interessante do que acontece na arena porque ela já assistiu outros anos de Jogos Vorazes e sabe qual é a mecânica cruel que move a competição. Ela é inteligente, tendo a experiência de caçadora que desenvolveu para sustentar a família desde a morte do pai, e é essa sua grande arma contra competidores de outros distritos que na realidade se orgulham em mandar suas crianças para a batalha. Pouco a pouco vemos a garota vencendo dificuldades, sabendo ser mais esperta do que os demais e passando de uma candidata que não teria qualquer chance (já que o Distrito 12 não tem muitos campeões) para uma das favoritas.

Há algo de cruel na narrativa de Collins, porque de certa forma ela transforma o leitor em um telespectador. Tal como quem senta no sofá torcendo por um favorito em um programa como Big Brother, em Jogos Vorazes Katniss conquista o leitor de tal maneira com sua garra que passamos a torcer por ela, mesmo que isso signifique que a garota tenha que matar, o que vá lá, não é característica típica de “mocinhos” de livros do gênero. Ainda sobre a questão do meu preconceito inicial, há sim um interesse romântico na história, mas eu não o vejo como a engrenagem principal da narrativa, como acontece em muitos títulos voltados para o público mais novo. O que acontece entre Peeta e Katniss é um desenvolvimento natural do jogo, e é dosado de maneira certa a não melar com açúcar uma trama que tende muito mais ao sangue.

Chama a atenção também algumas personagens que vão aparecendo ao longo da história. Embora algumas sejam apenas “tipos” (como Cato, por exemplo), outras são complexas mesmo com o pouco tempo em que aparecem ao longo da trama, como por exemplo o mentor de Katniss, Haymitch (eu vi um pouco antes de ler o livro que na adaptação para o cinema ele será interpretado por Woody Harrelson, e aí não consegui imaginá-lo com outro rosto que não uma mistura de Tallahassee, Carson Welles e Larry Flint) ou ainda a garota Rue (que rende um dos momentos mais tocantes da história).

Eu sei que volta e meia adulto que lê young adult acaba comprando briga dizendo que não, o livro não é voltado para o público infantojuvenil, como se fosse uma vergonha uma pessoa se divertir com uma história como essa. Eu não acho que o fato de Jogos Vorazes ser um título que mira o público jovem seja um defeito. Na verdade, o fato de conseguir agradar faixas etárias diferentes me parece pesar mais favoravelmente à obra, já que deixa claro que é possível divertir com uma trama mais complexa. E no final das contas já sei o motivo pelo qual Jogos Vorazes é uma das adaptações mais esperadas para esse ano no cinema. Após ler o livro, até eu me empolguei assistindo ao trailer.

EM CHAMAS

Depois de toda a adrenalina da conclusão do primeiro livro, com Katniss sobrevivendo aos Jogos Vorazes e conseguindo ainda salvar a vida de Peeta, fiquei pensando no que diabos Suzanne Collins poderia fazer para justificar outros dois livros. O obstáculo maior fora vencido, a arena seria só uma lembrança ruim para Katniss, que agora vivia bem, era famosa e tinha o futuro dela e da família garantidos, pelo menos enquanto vivesse. Nos primeiros capítulos, a ideia de que deveria ser um livro só continuou na minha cabeça. Ritmo lento, o conflito principal se sustentando na necessidade de Katniss provar para o público de Panem que agiu como agiu no final do jogo por estar completamente apaixonada por Peeta, e não para desafiar a Capital.

Temos vários capítulos mostrando a tour dos campeões, com a aproximação de Katniss e Peeta. Algumas notícias de rebeliões surgindo no distrito, momentos em que a Capital mostra sua truculência ao lidar com aqueles que vê como rebeldes e vamos ficando nisso, o que convenhamos, é um anticlímax se comparado com toda a ação do volume anterior. Até que o Presidente Snow faz um gesto sutil mostrando para Katniss que aquilo tudo não fora suficiente para provar que ela agiu por amor. E é aí que o livro engrena de fato.

O truque usado por Collins para esse segundo livro foi o de jogar Katniss na arena mais uma vez. E embora isso possa soar repetitivo e sem graça, não é. A partir do momento em que é anunciado como será feito o sorteio dos tributos (apenas entre pessoas que já venceram os jogos) a trama começa a pegar fogo (com o perdão do trocadilho). E como Collins não precisa mais descrever toda a dinâmica dos jogos (supondo que o leitor de Em chamas leu Jogos Vorazes), ela pode se dedicar a desenvolver melhor as personagens, tornando mesmo as que aparecem só nesse segundo livro carismáticas, como Finnick Odair, por exemplo. Ou ainda, melhorando algumas que já estavam nas graças dos leitores, como Peeta e Haymitch.

Até por causa dos laços que são criados ao longo da história, esse segundo jogo em que Katniss participa parece ainda mais cruel. Se no livro anterior a única morte realmente sentida é a de Rue, aqui várias das pessoas que vão ficando pelo caminho foram bem apresentadas antes, há uma espécie de laço criado entre elas e Katniss. Não são apenas desconhecidos, alguns são aliados (apesar da desconfiança dela). Além disso, os desafios da arena são bem mais difíceis, embora eu ache que o grupo tenha compreendido seu funcionamento cedo demais, ainda assim rende muitos momentos de tensão.

Na realidade, “tensão” me parece a palavra para definir Jogos Vorazes, pelo menos considerando os dois primeiros volumes. A autora continua com o mesmo modelo de desenvolvimento de narrativa: o capítulo abre mostrando o desenrolar de alguma bomba que a autora lançou no final do anterior, segue em ritmo constante (que é quase sempre bastante tenso) para chegar até uma nova conclusão de capítulo, com mais uma bomba lançada por Collins. Sério, não são “ganchos”. Não é só a curiosidade de saber o que acontecerá que ela desperta com suas frases finais. É também aquela sensação de que o queixo caiu, de “não, isso não!” – sempre uma surpresa após a outra. No final das contas, o clima geral do livro foi muito bem definido pelo Samir Machado de Machado no Twitter: “‘Em Chamas’ (Jogos Vorazes 2), como continuação/episódio-do-meio, deixa um feeling meio Império Contra-Ataca.

Conclusão? Agora já estou em um caminho sem volta. Já comecei o terceiro e último livro, e se antes tinha um certo receio de indicar a série para que as pessoas lessem, agora eu quero mais é que muitas pessoas conheçam e se divirtam tanto quanto eu.

A ESPERANÇA

Quando escrevi sobre o primeiro livro da trilogia Jogos Vorazes aqui no blog, a leitora Mica fez ótimos comentários sobre não considerar o livro infantojuvenil. Eu não discordei por completo, na época só achava que a definição em si não era demérito algum para o livro, que realmente me pareceu acima da média se comparar com obras do gênero. Mas agora, ao terminar o terceiro livro, tenho que concordar com Mica. Não é YA, não. Ou pelo menos abrange um novo conceito de livros para jovens, abordando temas bem mais complexos, de forma bem mais crua, sem aquelas lentes cor-de-rosas que normalmente vemos em títulos do gênero. Então ficam dois avisos: o primeiro é que este post tem spoilers, que realmente estragam a experiência de leitura, então, se você tem qualquer intenção de ler os livros, leia e depois volte aqui. O segundo é que não, Suzanne Collins não quer saber de final feliz e bonitinho, então prepare seu coração.

O livro começa após os eventos narrados no livro Em Chamas, com Katniss sobrevivendo a mais uma edição dos Jogos Vorazes, desta vez salva pelo plano arquitetado pelos rebeldes que se reuniram contra a Capital e seu representante, o presidente Snow. Com a história acontece o mesmo que nos títulos anteriores: demora um pouco para engrenar, mas depois pega fogo, embora aqui a trama fique mais ágil bem mais rapidamente do que nos dois primeiros volumes. O problema é que em alguns momentos você para e pensa na trama rocambolêstica, como por exemplo, a necessidade dos rebeldes em terem Katniss como o Tordo (Mockingjay, no original), quando a simples existência do Distrito 13 já servia como sinal de resistência, de força. Porém, mesmo com isso, A Esperança acaba mantendo as mesmas características dos outros livros, de não conseguir largar até terminar de ler, dos ganchos no fim do capítulo, de surpresas atrás de surpresas.

 O que chamou minha atenção de fato ali é de como a guerra entre os rebeldes e a Capital se sustentava nas imagens. Eu sei que desde a guerra do Kwait na década de 90 já se fala em “guerra de video game”, com transmissões de lugares sendo bombardeados e do povo sofrendo as consequências de um conflito como uma forma de mostrar quem “está ganhando”, mas não sei até que ponto Collins não quer chamar atenção para como nos comportamos vendo esse tipo de guerra, um tanto passivamente, como se por estar na TV aquilo não fosse real. Ela vai fundo nos horrores da guerra, incluindo momentos de bombardeio ou de perda de pessoas queridas.

Mais ainda, se destaca o fato de ela não criar uma trama maniqueísta (armadilha fácil se falamos em guerra). Os rebeldes já em um primeiro momento mostram ter tantas falhas de julgamento como os poderosos da Capital, inclusive por desejarem sustentar muito dessa batalha nas aparências, como quando escolhem qual seria o ponto da batalha ideal para transmitir. A líder dos rebeldes também não parece ser tão diferente de Snow, como Katniss vai vendo aos poucos, inclusive por conta de decisões que afetam pessoas queridas à protagonista.

Aliás, muito da minha curiosidade sobre A Esperança estava em um comentário que tinha lido da editora de Collins, que dizia que quando viu que determinada personagem morria, pediu para a autora que não fizesse isso, ao que ela respondeu que era uma guerra, e era normal que existissem perdas. Fiquei pensando por muito tempo qual seria essa perda, e fiquei feliz por não ter ido tão a fundo para saber quem era a vítima, podendo manter esse suspense até o momento certo e, mais ainda, podendo me surpreender. Obviamente não vou dizer em quem apostava minhas fichas, até porque sei que sempre tem um teimoso que continua lendo o texto mesmo após o aviso de spoilers, há.

E então que chegamos no desfecho. Muitos elementos ali já se desenham desde o começo, são bem previsíveis (incluindo a relação e atitudes de Katniss com Gale e Coin, por exemplo). Mas tem muito que não se espera ali, a começar pelo retorno melancólico da personagem para o Distrito 12, com Haymitch sendo (aparentemente) forçado a voltar para cuidar dela. A partir desse momento, se você for mais coração mole como eu, se prepare para chorar. Mais ainda, para já começar a sentir saudades das personagens de quem você sabe que estará se despedindo. O epílogo, mesmo que em sua base traga aquele tom de final de novela da Globo, vem carregado do clima pesado dos últimos eventos narrados por Collins.

E no final das contas, é bem como a escritora falou para sua editora. Não tinha como ser diferente. Qualquer outro desfecho seria uma trapaça com o leitor que acompanhou a história até aquele momento. Iria contra a natureza das personagens e do destino que suas ações haviam traçado. Nesta discussão se é realmente um livro voltado para adolescentes ou não, fica o fator positivo de que, se era o plano de Collins, ela pelo menos não se prendeu ao gênero na hora de encerrar uma trilogia que merece ser lida para quem gosta de ação e diversão.

(Publicados originalmente no Meia Palavra entre 23 de fevereiro de 2012 e 6 de março de 2012)

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