Mês passado ao comentar meu post sobre O futuro de nós dois, o Bruce falou sobre Thirteen Reasons Why, também escrito pelo Jay Asher. Fui pesquisar sobre o livro e fiquei bastante curiosa, porque parecia um daqueles casos de YA como A culpa é das estrelas e As vantagens de ser invisível: pode até ter um público-alvo, mas pode ser lido tanto por adolescentes quanto adultos. A história é sobre Hannah Baker, adolescente que decide se suicidar, mas deixa sete fitas cassete com um depoimento contando quais são os motivos (ou ainda, quem são os culpados) por seu suicídio, cada fita vem com um número pintado com esmalte azul, indicando a ordem para se ouvir o depoimento (assim como a ordem dos culpados). Há uma série de regras que garantem que as fitas chegarão apenas aos treze nomes listados por Hannah e quando o livro começa, é a vez de Clay Jensen ouvir as fitas, o que faz com que duas vozes acabem narrando o livro: Hannah (pelo depoimento na fita, marcado em itálico) e Clay, que descreve suas reações ao que está ouvindo.
Antes de continuar a falar sobre o livro, vamos para um apanhado de notícias:
Eu poderia continuar linkando uma série de notícias descrevendo o suicídio de adolescentes que sofreram bullying na escola (aparentemente a regra do jornalismo para não noticiar suicídio tem lá suas exceções), mas prefiro manter o foco nessas duas garotas em especial porque acho que elas têm algo em comum com Hannah. Vou falar melhor sobre isso ali para frente, mas tenha em mente essas duas garotas enquanto for pensar no enredo de Thirteen Reasons Why.
Rose é uma garotinha que está prestes a completar nove anos de idade, quando experimenta um bolo de limão com calda de chocolate feito especialmente por sua mãe. Ao colocá-lo na boca, sente um gosto ruim, mas não um sabor de ingrediente estragado ou excesso de doce ou seja lá o que deixa um bolo de limão ruim. Não, o que Rose sente é a profunda tristeza da mãe. É ali que ela descobre que tem um “poder especial”, de sentir o sentimento das pessoas ao comer algo preparado por elas. E então você une essa ideia bacanérrima com um título bastante curioso (gente, tenho uma queda por “peculiar”), uma capa fofíssima e lógico que a curiosidade sobre a história faz com que ele pule algumas posições na infinita lista de livros para ler. E aí quando você termina, com o perdão do trocadilho, sente um sabor meio agridoce. Aquela sensação de “certo, eu até gostei do livro, mas ao mesmo tempo, poutz, que ideia boa jogada fora!”. Mas me apresso, vamos devagar.
O fato é que para Rose, ainda uma criança, o tal do “poder especial” acaba se apresentando como um fardo, e não como uma dádiva. Isso porque a protagonista (e narradora) vive em um lar bastante disfuncional: não basta a mãe deprimida, ela tem um pai que parece bastante distante e um irmão tratado como prodígio mas que tem óbvios problemas para lidar com outras pessoas (inclusive Rose). Sem poder contar com a família e sem muitos amigos, a garota acaba recorrendo ao amigo do irmão, George, que a ajuda a “testar” seu poder, ou ainda, compreendê-lo melhor. A aproximação obviamente acaba virando uma apaixonite, mas sobre isso falamos logo mais. O fato é: esse primeiro momento da narrativa é fofo, embora não passe nenhuma ideia de onde é que vai dar (será uma história em que nada acontece? algo acontecerá? o foco será o poder de Rose?, etc). Mas assim que Rose começa a crescer, ela começa a ficar amarga e a narrativa também azeda. E juro que a partir de agora vou para com os termos relacionados ao paladar para falar de A peculiar tristeza guardada num bolo de limão, sério.
Nota: este post foi originalmente publicado no Meia Palavra em 31 de maio de 2012. Como aos poucos estou trazendo meus textos de lá para cá, achei que era o momento adequado para esse. Dei uma editadinha no final com outras sugestões de leitura, então quem quiser conferir o texto original é só clicar aqui.
Este ano demorou um pouco mais, porém já aparecem aqui e acolá propagandas dos Dias dos Namorados, incluindo as que vendem livros como opção de presente. O que eu achava até engraçado, já que no final das contas a leitura mais e mais é um hábito particular. Mas aí pensando em elaborar uma lista de sugestões, por coincidência cai em minhas mãos Bonsai, que é todo montado na relação de um casal com os livros. Ou seja, embora a experiência de leitura seja única e varie de leitor para leitor, podemos ter momentos compartilhados com outras pessoas, fazer uma obra virar lembrança, uma piada interna, ir além da leitura. Quer exemplos?
Exemplo 1: Menina de 18 anos ao telefone com um carinha por quem era completamente apaixonada porque ele era todo inteligente-cheio-de-mil-referências. Estão jogando conversa fora, quando a garota comenta que o irmão e a cunhada estão assistindo ao filme 1984. O guri fala “Desligue já o telefone e vá ver este filme”. A menina desligou e nem assistiu direito, em uma neura louca pensando que ele só queria era se livrar dela. E mais: naquele dia escreveu no diário como aquele cara era babaca às vezes. Poucos anos depois finalmente leu 1984 de George Orwell. Gostaria de ainda ter contato com o sujeito para comentar com ele como aquele livro era genial, e como ela deveria ter assistido ao filme sem birra naquele dia do telefonema. Mas outros anos depois viu a lista de favoritos dele no Orkut e chegou a conclusão que um relacionamento com um carinha que colocava Amyr Klink no top5 estava mesmo fadado ao fracasso. Incompatibilidade de gostos literários fala alto, sabe como é.
Quem assiste séries de tv deve lembrar ainda da greve dos roteiristas, que começou em novembro de 2007 e seguiu até fevereiro de 2008. A coisa foi séria, ao ponto de arruinar completamente séries que tinham algum potencial (como Heroes) e mexer com o calendário de premiações. A lembrança pode não ser boa, mas foi por causa dessa greve que Joss Whedon teve a oportunidade de criar a ótima web série Dr. Horrible’s Sing-Along Blog. Nas palavras do próprio Whedon: “Once upon a time, all the writers in the forest got very mad with the Forest Kings and declared a work-stoppage. The forest creatures were all sad; the mushrooms did not dance, the elderberries gave no juice for the festival wines, and the Teamsters were kinda pissed. (They were very polite about it, though.) During this work-stoppage, many writers tried to form partnerships for outside funding to create new work that circumvented the Forest King system.” Ou seja: Dr. Horrible foi um jeito de não fazer parte do sistema dos grandes canais, provar que era possível fazer algo novo, diferente.
O musical tragicômico cujo protagonista é um vilão no melhor esteriótipo das histórias em quadrinhos foi dividida em três atos, cada um com pouco mais de quinze minutos. Cada ato foi ao ar em um dia diferente naquele ano, sendo disponibilizado para todos de graça (pelo que eu entendi, ficaram no ar até o dia 20 de julho daquele ano, quando então foram retirados do site). É um modelo que hoje em dia pode já até não ser mais novidade, mas naquele momento era bastante original e chamou atenção (valendo até premiações, vale ressaltar).
Muitas pessoas conhecem a história de como Frankenstein foi escrito: quando tinha ainda dezenove anos, Mary Shelley passou um período em Genebra junto com Percy Shelley, John Polidori e Lord Byron. Reza a lenda que foi proposto um desafio sobre quem escreveria a história mais assustadora, e que Shelley vencera. Se isso é verdade ou não, não há como confirmar, mas é certo que foi de um sonho que teve enquanto dormia na chamada Villa Diodati que surgiu um dos monstros mais famosos da literatura. E é tendo esse encontro de escritores em mente que em Haunted, de Chuck Palahniuk, a personagem Mr. Whittier cria uma espécie de retiro de escritores, convidando outras 18 pessoas para “abandonarem suas vidas por três meses”, de modo a finalmente estarem aptos a escrever uma grande obra.
Esta reunião é a moldura de Haunted. Seguindo o exemplo de outras obras com estrutura similar (como Os contos da Cantuária e Decamerão), o livro de Palahniuk é o que chamam de narrativa de moldura (ou frame story em inglês), onde temos uma (ou mais) histórias inseridas dentro de uma história. Aqui, Whittier reúne em um teatro abandonado o grupo de pessoas, tranca as portas, e pede para que cada um conte sobre suas vidas, afirmando que só deixarão o lugar quando escreverem suas obras primas ou quando passarem os três meses propostos inicialmente (o que vier antes). A história de cada personagem, que em sua maioria poderiam ser lidos como contos independentes do romance, é precedida de um poema de versos livres que de certa forma apresenta a pessoa que prestará o depoimento.