Sintomas (Paulo Leminski)

Leminski

– Doutor, estou sentindo uma rima terrível.

É assim que o curitibano Paulo Leminski abre o conto Sintomas, presente na deliciosa coletâneaGozo Fabuloso. Conto? Mas Leminski não era poeta? Calma, meu pequeno gafanhoto, porque essa nossa mania de rotular o sr. Leminski aplicou um golpe e nos colocou no chão.

Era poeta sim, e dos bons. Mas foi tanto mais: escreveu romance, escreveu conto. Compôs música, traduziu, escreveu ensaios. É tanto que alguma coisa acaba sempre passando batida, o que é uma pena, porque ele parecia circular muito bem em qualquer área que pedisse um punhado de linguagem misturado com criatividade. Falo de Sintomas numa escolha aleatória, porque essencial mesmo é todo o Gozo Fabuloso.

O conto é breve, um recorte. Mostra o diálogo entre paciente e médico, fazendo uma brincadeira entre a condição de ser poeta como se isso fosse um mal, uma doença. Carregado de traços autobiográficos, acaba sendo um caldo em que o escritor coloca para fora o que sente sobre ser um poeta. Não só poeta, vale lembrar. “Quando eu não agüento mais, eu faço um poema.“, diz ele em resposta ao médico sobre o que faz quando dói demais, levantando a velha questão de que é preciso ser um pouco triste para fazer poesia.

Como já era nítido em sua obra mais conhecida, aqui Leminski abusa dos jogos de palavra – um abusar no sentido positivo, de bastante uso de um recurso que ele domina muito bem. Parece, na realidade, aquele sujeito que faz malabarismo como se fosse a coisa mais simples do mundo, e que quando você tenta fazer igual acaba se dando mal. Dá para perceber isso como quando o médico pede para ver a língua do paciente, que acaba respondendo: “O senhor não leve a mal, mas é uma língua apenas portuguesa. Pouca gente no mundo já viu uma língua como essa.“. Ele cria uma situação de humor sem ser histérico, é aquele jeito gostoso de achar graça. O jogo de perguntas e respostas é rápido, afiado e muito, muito bom.

– É, é mais grave do que eu pensava.

– Vou morrer?

– Um dia vai. Mas antes vais ser pior. O senhor pode ficar famoso.

– Pra sempre?

– Não, quando é para sempre a gente chama glória. A fama passa.

Mas também tem um momento tocante, quando se declara para Alice – a Alice Ruiz, que no prefácio do livro conta uma história que dizia inicialmente que Leminski não gostava de contos, chegando até a fazer um movimento contra a valorização do gênero (onde apareceu com um cartaz dizendo “O conto é o soneto de hoje”). Ainda bem, para todos nós, que aos poucos ele foi mudando de ideia, e deixou por aqui contos tão saborosos como Sintomas.

É uma faceta desse multi-faces que merece ser conhecida. E Sintomas é um ótimo começo. O problema depois é tomar tanto gosto e ter que se contentar com um livro tão curtinho, que não chega nem a 200 páginas. Mas que mostra que, da mesma forma que na poesia ele dominava o breve haicai, na prosa Leminski também tirava de letra a arte de dizer muito com tão pouco. É uma pena que no momento Gozo Fabuloso, que saiu pela DBA em 2004, esteja esgotado. O negócio é torcer para que volte para as estantes logo, porque livro bom assim merece ser lido e conhecido por muita, muita gente. Enquanto isso, como diz o médico: Tome duas estrofes e me telefone amanhã cedo, sem falta.

Atualização de 25 de maio de 2013: Tem UMA edição de Gozo Fabuloso para vender no Estante Virtual, por 68 reais. UMA.  Cada vez mais concordo com o Leprevost sobre a necessidade de fazer um “Todo Prosa” para complementar o Toda Poesia.

(Post originalmente publicado no Meia Palavra em 30 de março de 2012)

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