A Piada Mortal (Alan Moore)

KillingjokeA Piada Mortal foi publicada originalmente em 1988, mas ainda hoje volta e meia alguma editora acaba republicando a revista aqui no Brasil. E isso não é por acaso. Falando de histórias de Batman, a obra criada por Alan Moore e o artista Brian Bolland está sem sombra de dúvida entre as grandes, daquelas que servem de inspiração até os dias de hoje. É importante também por trazer um evento que acabou repercutindo no universo DC, e mais ainda, por junto com outros tantos títulos não só de Moore mas também de Gaiman e outros autores da época, acabar de vez com aquela imagem de que quadrinhos são só para crianças. A Piada Mortal está longe, bem longe de aventuras mais inocentes, e talvez com O Asilo Arkham, de Grant Morrison e Dave McKean, forma a dupla de histórias mais sombrias do morcegão.

Considerando outras HQs de Moore, como Do InfernoWatchmen e V de VingançaA Piada Mortal é extremamente (e infelizmente!) curta. Por conta disso, os eventos são todos rápidos, concisos, sem qualquer enrolação, o que de maneira alguma quer dizer sem complexidade. E é aí que dá para ficar ainda mais admirado com o trabalho de Moore, de como com tão pouco ele conseguiu fazer tanto por uma personagem que aparece como favorito até na frente de heróis da DC se você questionar algum fã. O Coringa depois de Moore não foi mais o mesmo.

 Algo que é muito bem feito na revista é a relação entre o bandido e Batman, algo que tende à obsessão tanto pelo lado do herói quanto do vilão. O tema que em grande parte das vezes é explorado como um “sem Batman não existe o Coringa e vice-versa”, aqui vai além disso. São indivíduos ligados não como figuras complementares, mas semelhantes (como o Coringa tenta mostrar) ou destoantes (como Batman afirma). A sequência na qual o Coringa fala sobre um dia ruim transformar um homem ilustra muito bem essa situação:

“E por qual outro motivo você se vestiria como um rato voador?”, pergunta o Coringa.

 

Mas me apresso. Há muito mais antes de chegarmos nesse encontro entre Batman e Coringa. A começar, é claro, pela violência sofrida por Barbara Gordon. A então Batgirl, filha do comissário Gordon, fica paralítica depois da agressão do Coringa. Não fica exatamente claro se houve mais do que o tiro que atingiu a espinha da garota, mas o fato de mais além o Coringa mostrar para Gordon fotos dela nua acabam sugerindo que houve ali um estupro também (ou que no mínimo ele quis passar essa ideia para Gordon). Os eventos de A Piada Mortal acabaram fazendo com que Barbara acabasse se tornando a Oráculo.

Algo bem interessante na construção do Coringa como personagem nesta HQ é a narrativa que segue paralela aos eventos narrados como tempo presente. Nesta narrativa paralela, somos apresentados ao passado dele, no que fez do Coringa o que ele é. Um dia ruim, como ele acaba dizendo mais além. É o que acaba atribuindo à personagem algo que vai além do maniqueísmo típico de revistas de heróis x vilões. Não é um caso de ser meramente um sujeito querendo fazer maldades ou dominar o mundo. Ele é insano. E quer mostrar que Batman é tão louco quanto ele. Ele muda o eixo de bom/mau para louco/normal.

Com os diálogos afiadíssimos de Moore a tendência é acabar pendendo para o lado do vilão, apesar dos crimes cometidos por ele. Não é uma questão de que os fins justificam os meios, nada explica o que ele faz com Gordon e a filha nesse volume (e com qualquer outra pessoa em qualquer outra revista de Batman). Mas fica difícil discordar de certas cutucadas que ele acaba dando na ferida da nossa sociedade dita civilizada. Li esta HQ pela primeira vez em 1998 e até hoje eu sei de cor uma passagem em que ele fala sobre o “homem comum”. É cruel, e até talvez por conta disso um tanto verdadeiro.

“Em um mundo psicótico como esse, qualquer outra reação seria loucura.”

 

E como resolver isso, como dar um desfecho merecido a esse encontro? Era uma verdadeira batata quente que Moore tinha em mãos, e ele deu conta fantasticamente com a ajuda da arte de Bolland. Se o final já conquista pela piada que o Coringa conta sobre os dois loucos fugindo do asilo (mais uma vez colocando Batman em seu grupo, o dos insanos) como resposta pelo oferecimento de ajuda de Batman, fazendo com que o sisudo morcegão gargalhe junto com ele, pense nisso: quais são as primeiras frases de A Piada Mortal? “Havia esses dois caras num asilo…”, exatamente o começo da piada que é o desfecho da HQ. Moore torna a narrativa circular. Aquilo nunca acabará. É um toque genial que fecha com chave de ouro essa que está naquele grupo de histórias de Batman que dificilmente serão esquecidas.

Atualização de 08/04/2013: Tem um outro post que fiz sobre A Piada Mortal aqui.

Atualização de 16/08/2013: Hoje começou a rolar um bafafá na internet sobre o final de A Piada Mortal, porque em entrevista o Grant Morrison diz que a interpretação dele para os últimos quadros é que Batman estrangula, quebra o pescoço ou whatever do Coringa, sendo essa a última história do Batman. Do Universo HQ:

“Ninguém entende o final. Na verdade, Batman mata o Coringa! Por isso a edição se chama A Piada Mortal. Após a piada do Coringa, o Batman quebra o pescoço dele. Em seguida, a risada termina e as luzes se apagam. É quando ele atravessa essa linha, é a piada definitiva”, analisa Morrison.

Ele continua. “Foi feito de uma maneira em que as pessoas não tivessem certeza, mas é brilhante. Batman segura o Coringa e quebra o seu pescoço, e então tudo acaba. As risadas param. É bastante óbvio. É a última piada, é o final inevitável entre os dois. Está tudo no título.”

Eu ainda estou dando uma olhada na última página, estava mais inclinada a achar que não – até porque parece que Batman está só se apoiando no Coringa porque está rindo muito. Mas aí tem aquele faixo de luz nos três últimos quadrinhos e agora não sei bem o que dizer. A luz some nos dois últimos, e se lembrar da piada que o Coringa conta, dá para interpretar que o Batman “apagou a luz” enquanto ele estava no meio do caminho. Enfim, ótima sacada do Morrison, e a possibilidade de múltiplas interpretações só pesam favoravelmente para a obra do Moore.

(Post originalmente publicado no Meia Palavra em 25 de Março de 2012)

2 comentários em “A Piada Mortal (Alan Moore)”

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